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Apesar do nome, o mar da Galileia é um lago, o maior de Israel, com dezenove quilômetros de comprimento e treze de largura. Não por acaso, o lugar também é conhecido como lago de Tiberíades ou de Genesaré. Foi aí que, segundo os evangelhos, Simão lançava suas redes, em companhia do irmão André, quando se encontrou pela primeira vez com o homem que mudaria sua vida: um jovem pregador chamado Jesus. Convidados a serem “pescadores de homens”, os filhos de Jonas não hesitaram: abandonaram seus barcos na praia e o seguiram. Foram os primeiros dos doze a seguir os passos de Jesus de Nazaré.
Simão nasceu em Betsaida, na Galileia. Em hebraico, o nome de sua cidade natal significa “casa da pesca”. Já adulto, mudou-se para Cafarnaum, outro vilarejo às margens do mar da Galileia. Em sua casa, Jesus realizou uma de suas incontáveis curas: a da sogra de Pedro, que estava de cama, com febre. Em Cesareia de Filipe, Jesus perguntou aos seus discípulos: “‘Quem as pessoas dizem que é o Filho do Homem?’. E eles disseram: ‘Alguns dizem que é João Batista. Outros, que é Elias. Outros, ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas’. Disse-lhes Ele: ‘E vocês, quem dizem que eu sou?’, voltou a perguntar. Simão, então, deu um passo à frente e respondeu: ‘Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo’” (Mt 16,13-16). Nesse momento, Jesus deu a Simão um novo nome, Pedro – em hebraico, Kepa, que quer dizer “pedra” ou “rocha”. “(…) sobre esta pedra construirei a minha igreja” (Mt 16,18). E mais: confia a ele as chaves do Reino dos Céus: “O que você ligar na Terra, será ligado nos Céus. E o que desligar na terra, será desligado nos céus” (Mt 18,18).
“A mudança de nome tem um sentido simbólico”, explica o teólogo Isidoro Mazzarolo, doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e professor de Exegese Bíblica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), que acrescenta: “Mudar o nome significa mudar a missão. No caso de Pedro, seu nome assumiu um sentido de solidez, firmeza e segurança”. “Pedro não é um rocha compacta ou um bloco maciço”, pondera o filósofo Fernando Altemeyer Júnior, mestre em Teologia e Ciências da Religião pela Universidade Católica de Louvain-La-Neuve, na Bélgica, e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “É uma gruta que acolhe peregrinos e refugiados. Sua missão é guardar, proteger e cuidar dos vulneráveis na gruta que é a Igreja”, diz ele.
Ao lado de Tiago e João, os pescadores filhos de Zebedeu, Pedro compartilhou momentos para lá de especiais com Jesus: a ressurreição da filha de Jairo, um dos chefes da sinagoga; a transfiguração do Senhor no monte Tabor; a agonia de Jesus no Getsêmani, em Jerusalém. “Seu suor tornou-se como gotas de sangue, que caíam por terra”, descreveu o evangelista Lucas (22,44), que era médico. Porém, a convivência entre mestre e discípulo nem sempre foi harmoniosa: ao longo de três anos de convivência, Pedro foi repreendido diversas vezes por Jesus. Numa delas, quando o pescador começa a afundar depois de dar alguns passos sobre as águas, o galileu indagou: “Homem fraco na fé! Por que duvidou?” (Mt 14,31). Noutra ocasião, quando Jesus fez o primeiro anúncio da paixão, Pedro chegou a ouvir do Mestre: “Vá para trás de mim, Satanás! Você é para mim uma pedra de tropeço porque não pensa nas coisas de Deus e, sim, nas coisas dos homens” (Mt 16,23). Mais adiante, já no jardim das Oliveiras, levou outra bronca de Jesus ao cortar a orelha de Malco, o servo do sumo sacerdote: “Todos os que usam da espada, pela espada morrerão” (Mt 26,52). “Pedro era um homem passional e impulsivo. O sangue corria em suas veias e, por diversas vezes, tomou atitudes irrefletidas”, analisa o advogado Vanilo Cunha de Carvalho Filho, da Academia Brasileira de Hagiologia (ABRHAGI), completando: “Se eu tivesse que resumir Pedro em uma só palavra, eu diria ‘humanidade’”.
Naquela mesma noite, no pátio da casa do sumo sacerdote Caifás, Pedro foi reconhecido e questionado se conhecia Jesus. Amedrontado, respondeu que não. Depois de negar Jesus por três vezes, ouviu o galo cantar. “E, saindo dali, chorou amargamente”, sublinha o evangelista Mateus (26,75), um dos doze. “A escolha de Pedro como líder dos discípulos não o isentou de suas fraquezas, do seu temperamento intempestivo ou de seus medos diante das dificuldades. A vocação não blinda ninguém dos perigos da vida. Por isso, Jesus insiste em crer e aumentar a fé como força para superação das dificuldades. Todo vocacionado necessita de dois momentos: a montanha para a oração e a planície para a ação”, esclarece Mazzarolo.
Depois da ressurreição, Jesus e Pedro voltaram a se encontrar algumas vezes. Numa delas, às margens do mesmo mar da Galileia onde se conheceram. Na ocasião, Jesus perguntou a Pedro três vezes se ele o amava. Da terceira vez, Pedro, triste, respondeu: “Senhor, tu conheces tudo. Sabes que eu sou teu amigo” (Jo 21,17). “Só um homem que sabe ser frágil e pecador pode apascentar as ovelhas porque não é arrogante, mas compreende que, apesar de suas crises, seu amigo Jesus confia nele plenamente. Pedro é vulcânico e, às vezes, temperamental. Jesus detesta gente morna”, afirma Altemeyer Júnior.
A história de Pedro não terminou com a ascensão de Jesus. Muito pelo contrário! Sua missão estava apenas começando. Pedro estava no Cenáculo quando o Espírito Santos desceu sobre os apóstolos, fez uma pregação que converteu cerca de 3 mil pessoas, providenciou a eleição de Matias para substituir Judas Iscariotes, convocou o primeiro concílio da Igreja, no ano 49 d.C., em Jerusalém… “Pedro dirigiu a igreja nascente. Uma igreja incompreendida pelos judeus e perseguida pelos romanos. Não era um erudito na lei judaica. Vivia da pesca à margem do lago de Tiberíades. Sua memória é a de um pescador disposto a atirar a rede onde e quando o Cristo ordenar, apesar dos ventos contrários”, afirma Altemeyer Júnior.
Segundo a tradição católica, Pedro pregou em Corinto, na Grécia, e viajou para Antioquia, na atual Turquia, onde permaneceu por sete anos. De lá, seguiu para Roma, a maior cidade do Império Romano. “Pedro era um apóstolo itinerante”, define o historiador Leandro Rust, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de História da Universidade de Brasília (UnB), adicionando: “Após fundar uma comunidade cristã nas cidades do antigo Império Romano, geralmente onde havia uma população judaica expressiva, o apóstolo assumia sua direção por certo tempo até se pôr novamente a viajar, à busca de novas comunidades”.
Durante o reinado de Nero, o mais sangrento dos imperadores romanos, Pedro foi preso e condenado à morte. Foi crucificado de cabeça para baixo no dia 29 de junho de 67 d.C. Seus restos mortais estão guardados na Basílica do Vaticano, em Roma. “Aquele pescador iletrado foi além de todos os seus limites. A coragem transformou sua vida. Cumpriu sua missão a todo custo. E, no caso de Pedro, sua missão custou-lhe a própria vida”, observa Cunha.
Além de ser o primeiro discípulo de Jesus, Pedro tornou-se, também, o primeiro Papa da Igreja Católica. Seu papado durou 34 anos, de 33 a 67 d.C., quando foi sucedido por São Lino. De lá para cá, 265 sumos pontífices sucederam Pedro à frente da Igreja. Desde o Papa Dâmaso I (305-384), todos os seus sucessores usam na mão esquerda um anel de pescador (anulus piscatoris, em latim). Feito de ouro, traz a imagem do primeiro Papa atirando as redes ao mar, em baixo relevo.
Uma curiosidade: houve 21 papas Joões, dezesseis papas Gregórios, quinze papas Bentos, catorze papas Clementes e treze papas Inocêncios e Leões, mas nenhum Papa Pedro II. Qual é a razão disso? “Há quem diga que seria em razão da famosa profecia de São Malaquias [1094-1148], que teria anunciado Pedro II como o Papa do fim dos tempos”, observa Rust, completando que “A adoção de um nome diferente do de Batismo por um bispo de Roma tem início, ao que parece, no século VI, mas não será uma regra até os tempos modernos: há papas que pontificaram com o nome de Batismo até meados do século XVI. Além disso, durante a Idade Média, era comum que o nome papal fosse atribuído ou até mesmo imposto ao eleito”.
No Brasil, São Pedro ganhou incontáveis títulos. Um deles é o do “Senhor das chuvas”. Em algumas regiões do país, agricultores recorrem ao santo para pedir chuva em tempos de seca. Em outras, os habitantes costumam dizer, quando a chuva é forte, que São Pedro está “lavando o chão do Céu”. Ao ouvir o barulho de raios e trovões, afirmam, em tom de brincadeira, que o santo “está arrastando móveis”. São Pedro é ainda o padroeiro dos pescadores, dos chaveiros e dos viúvos. “Cristo vive e Pedro é sua testemunha, tal e qual uma ponte entre pessoas, comunidades e culturas distintas. Pedro nos ensina a ser pontes em tempos em que prevalecem os muros e as cercas”, afirma Altemeyer Júnior.
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