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“Como posso fazer para amar verdadeiramente o Senhor? O que devo fazer para agradar-lhe? Ensina-me. Ele me dá grandes aspirações de ser todo seu, mas não sei como fazer.”
Pedro Claver era ainda estudante de Filosofia, em Palma de Maiorca, nas Ilhas Baleares, Espanha, e fazia essas perguntas ao porteiro do convento dos jesuítas, Afonso Rodrigues, um irmão leigo que logo seria declarado santo. Pedro se entendia muito bem com ele e todos os dias achava pelo menos alguns minutos para conversar enquanto o ajudava nos pequenos serviços da portaria.
AMIZADE ENTRE DOIS SANTOS
O santo porteiro pensou muito no que responder e pediu ao Espírito Santo para iluminá-lo, pois aquele jovem era responsável e seus talentos deviam ser bem trabalhados. Certo dia, sentiu que lhe poderia dizer com toda a clareza que o Senhor o queria como missionário nas América:. “Jesus Cristo te espera lá. Se soubesses que grande tesouro para ti reservou! Quem não sabe sofrer, não sabe amar”.
Afonso estava bem informado sobre o que acontecia nas missões dos jesuítas por meio dos informativos mensais que a ordem enviava para atualizar todos os seus membros. Ele deveria permanecer como porteiro em Maiorca, mas os jovens estudantes deviam olhar para mais longe. E dizia a Claver: “Os escravos têm um valor infinito, o valor do sangue de Jesus, enquanto que as riquezas das Índias não valem nada”.
As palavras do santo porteiro ardiam no coração do destinatário e acendiam sua imaginação. “Partir como missionário, que aventura!”, pensava. Necessitava somente esperar o momento oportuno e para tanto se preparar. Durante o noviciado, tinha feito a peregrinação ao santuário de Montserrat, seguindo as pegadas do fundador Santo Inácio, e tinha prometido à Virgem Santíssima “Procurar sempre Deus em todas as coisas, servindo-se das criaturas somente como uma escada para alcançar o Criador; fazer todo esforço para adquirir obediência perfeita, submetendo a vontade e o juízo próprio aos do superior por respeito a Deus; dirigir todo pensamento, todo afeto, qualquer que seja a ação, ainda que mínima, à maior glória de Deus; enfim, não procurar jamais outra coisa nesta terra senão a salvação das pessoas, até morrer na cruz, para imitar Jesus Cristo”.
Já era tempo, pois, de colocar em prática seriamente esses propósitos que refletiam muito bem a espiritualidade de Santo Inácio.
DA CATALUNHA À COLÔMBIA
Pedro não provinha de família nobre, como tantos outros jesuítas daquele tempo, mas de humildes pais de religiosidade sincera e concreta, os quais lhe tinham inculcado fazer sempre a vontade de Deus, logo e bem. Tinha nascido em Verdú, na Catalunha, Espanha, em 26 de junho de 1580, e os pais, mesmo sendo pobres trabalhadores, enviaram-no para estudar. Na escola não era uma sumidade, mas ia bem e, enquanto frequentava a universidade em Barcelona, pediu para entrar na Companhia de Jesus.
Fez o noviciado em Tarragona, os estudos filosóficos em Palma de Maiorca e iniciou os teológicos em Barcelona. Não os havia ainda terminado quando os superiores o destinaram às missões de Nova Granada, como então era chamada a atual Colômbia.
Para o jovem foi um convite maravilhoso: era o que de mais belo podiam lhe oferecer, a realização de seus sonhos, a confirmação da profecia do porteiro de Maiorca. Partiu com imensa alegria, mas, antes de começar a trabalhar como missionário, precisou ir até Santa Fé de Bogotá para completar os estudos teológicos e inculturar-se um pouco no Novo Mundo. A 19 de março de 1616 foi ordenado sacerdote e se tornou o braço direito do Padre Alonso Sandoval, responsável pela missão na cidade de Cartagena.
É impossível para nós compreender, hoje, como era essa cidade naqueles tempos. Nas Américas se praticava a escravidão. Os colonizadores europeus, depois de ter destruído os nativos, que na sua grande maioria não queriam se submeter ao serviço dos brancos, voltaram o seu interesse para a compra dos escravos negros, transportados da África pelas bem-organizadas companhias de navegação. Era um comércio infame, mas muito lucrativo não só para os “negreiros”, que os transportavam para a América, mas também para os proprietários de terras, que se utilizavam deles como mão de obra barata. Sobre eles os patrões exerciam o direito de vida e de morte, como os antigos romanos com os próprios escravos.
Contra a escravidão levantaram a voz muitos homens da Igreja – embora muitos outros se calassem ou a justificassem – e conseguiram também fazer emanar leis contra a escravidão vindas do imperador Carlos V, mas tudo acabava se tornando depois letra morta, porque os escravos nas Américas produziam tanta riqueza que a Europa não queria renunciar a isso.
A ESCOLHA DOS ÚLTIMOS
Cartagena era um dos portos espanhóis habilitados para o tráfico dos escravos negros. Lá eles chegavam todos os anos, milhares e milhares, em péssimas condições. Eram homens, mulheres e crianças de tribos e línguas diversas e nem mesmo eles se compreendiam uns aos outros. Tinham sido arrancados de suas terras e depois vendidos, sem nenhum respeito aos laços familiares.
Foi esse o campo de apostolado designado ao jovem jesuíta, apenas ordenado sacerdote. Por onde começar? Gritar contra as injustiças dos poderosos? Seria enviado de volta para a sua pátria. Escrever aos superiores para informá-los a respeito dessa situação absurda? Outros já tinham feito melhor do que ele. Aceitar servilmente a situação? Não podia resignar-se. Então ele se entregou ao trabalho para “Tentar suprir todas as necessidades corporais e espirituais dos escravos negros, das crianças, dos jovens, dos idosos abandonados, dos prisioneiros e dos condenados à morte, dos doentes e dos leprosos nos hospitais de São Sebastião e de São Lázaro, além de nos campos, onde os sadios e os lavradores viviam uma mísera existência. Supria as necessidades materiais: alimentava, curava, consolava, testemunhava a todos o seu imenso afeto; cuidava de cada um no sentido da própria dignidade humana, levava a fé aos não batizados, elevava todos à consciência e à prática das virtudes evangélicas; em uma palavra, mostrava a todos a verdadeira liberdade dos filhos de Deus”.
Em uma de suas cartas se lê: “Nós nos comunicamos com eles, não com palavras, mas com as mãos e com os fatos: se não damos de comer, todo discurso é perfeitamente inútil”.
Aos escravos, depois de uma sumária instrução, ministrava o Sacramento do Batismo, segundo os costumes do tempo. Era convicção comum considerar quase como um animal quem não tivesse recebido esse Sacramento e, portanto, matá-lo não era, pois, um grande pecado. Por esse motivo os missionários, para proteger os escravos de tal injustiça, batizaram-nos o mais cedo possível, na esperança de poder completar depois a formação cristã deles.
O amor de Claver pelos seus negros era tão profundo que, em 1622, ao fazer sua profissão religiosa definitiva, acrescentou o voto de se doar para sempre e inteiramente à promoção dos negros, subscrevendo sua promessa com estas palavras: “Pedro Claver, servo dos etíopes para sempre”. Etíopes eram chamados todos aqueles que traziam tez negra.
Para a promoção humana deles serviu-se de todos os meios à disposição, mostrando com o exemplo que eles eram filhos de Deus, como todos os outros seres humanos. Curava as feridas com afeto de uma mãe, para alimentá-los e vesti-los pedia esmolas batendo em todas as portas, para instruí-los na fé tinha aprendido a língua africana dos angolanos e para as outras línguas recorria à ajuda de cerca de dezoito intérpretes. Esses eram ex-escravos que ele havia resgatado e que então o ajudavam, alojando-os no colégio dos jesuítas.
Em uma cidade portuária como Cartagena estava muito difundida a prostituição. Também sobre essa chaga social ele soube curvar-se como bom samaritano, procurando erradicá-la pela raiz. As prostitutas eram forçadas a esse ofício para sobreviver. Claver procurava aquelas que desejavam mudar de vida, encaminhando-as a um honesto matrimônio. Essa obra naturalmente perturbava muitas pessoas, mas, mesmo sendo muitas vezes ameaçado de morte, foi adiante trilhando seu caminho.
A CONTEMPLAÇÃO
Em 1650, enquanto pregava uma missão aos negros que trabalhavam nos campos, contraiu a peste. Sobreviveu, mas pelo resto da vida não pôde mais trabalhar. Durante os 34 anos de atividade entre os seus filhos prediletos, precisava ocupar horas da noite para orar. A partir desse tempo em que ficou impossibilitado de trabalhar recolhido em seu pequeno quarto podia orar dia e noite, quando dali saía era para participar da Missa e para fazer a visita a Jesus eucarístico.
Foi assim que viveu durante quatro anos. Nunca de sua boca se ouviu um lamento, antes edificava a todos com as meditações sobre a paixão do Senhor. Se não conseguiu aniquilar a escravidão, Pedro Claver com a sua vida foi uma contínua advertência, gritando que todo ser humano – escravo ou livre, branco, negro ou mestiço – é igual perante os outros. Jesus, de fato, derramou o seu próprio sangue por todos.
Pio IX o declarou beato e Leão XIII, santo, enquanto que João Paulo II estendeu o seu culto a toda a Igreja de rito latino.
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