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Uma das reflexões mais pertinentes na atualidade brasileira diz respeito à questão do racismo. Apesar dos avanços conquistados ao longo do tempo, ainda vivemos em uma sociedade profundamente marcada pela presença de preconceitos raciais. Diariamente, os meios de comunicação noticiam casos de discriminação racial, o que nos leva a refletir sobre essa realidade.
O racismo ainda é um problema persistente no Brasil, com raízes históricas relacionadas à escravidão e à colonização. Embora o nosso país seja conhecido pela diversidade étnica e cultural, as desigualdades raciais continuam acontecendo todos os dias.
Em 3 de julho, celebramos o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, uma data de extrema importância. Foi nesse mesmo dia, em 1951, que o Congresso Nacional aprovou a Lei 1.390, também conhecida como Lei Afonso Arinos, em homenagem ao jurista e político mineiro que a propôs. Essa lei foi a primeira no Brasil a abordar e combater o racismo, considerando como contravenção penal qualquer prática resultante de preconceito por raça ou cor.
O Brasil tem uma história de escravidão que durou mais de três séculos e teve um impacto profundo na estrutura social e nas relações raciais. Apesar da abolição da escravidão em 1888, as marcas dessa história ainda são evidentes na sociedade atual. Os negros brasileiros continuam enfrentando barreiras e desvantagens em áreas como educação, emprego, saúde, acesso à moradia digna, justiça e representatividade política.
O RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL
O racismo estrutural refere-se a um conjunto de práticas, normas, políticas e instituições que perpetuam a desigualdade racial de forma sistêmica na sociedade brasileira. Diferente do racismo individual, que se manifesta por meio de atitudes preconceituosas de indivíduos, o racismo estrutural está enraizado nas estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais do país.
Luana Tolentino, educadora e ativista da luta antirracista, tem dedicado quase vinte anos de sua vida para promover a igualdade racial. Sua atuação consiste em combater o racismo por meio da educação e gerar conscientização sobre as questões enfrentadas pela população negra, visando a construir uma sociedade mais justa e democrática. Em 2006, ela participou do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas, que visa ao ingresso e a permanência de estudantes negros na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Ao ingressar nesse ambiente com diversos professores e estudantes negros, pude compreender de forma mais profunda o significado de ser negro neste país. Tive uma percepção mais clara de por que ser negra representava tanto sofrimento para mim. A partir daquele momento, engajei-me nessa luta e decidi que era isso que queria para minha vida: ser uma ativista do movimento negro e dedicar minha vida à luta antirracista”, descreveu a educadora.
Em entrevista à reportagem da Revista Ave Maria, a escritora também abordou o tema do racismo estrutural no Brasil. Ela ressaltou: “Vivemos em um país onde as pessoas negras não são percebidas como iguais, como semelhantes, como sujeitos plenos de direitos. A sociedade brasileira trata as pessoas negras como cidadãos de segunda classe. Isso se reflete na violência policial, nas dificuldades de acesso à educação e ao emprego, nos elevados índices de pobreza e miséria que afetam esse grupo e também nas cenas cotidianas de extrema violência e desumanização que testemunhamos”.
Ao ser questionada sobre como fortalecer os lares para uma educação antirracista, a escritora enfatizou que toda a sociedade precisa ser reeducada, já que fomos todos educados para o racismo, na nossa formação e no processo de socialização: “Infelizmente, o racismo está profundamente enraizado em nossa sociedade e promover uma educação antirracista requer o reconhecimento da existência desse problema, tanto nas conversas como nos discursos diários. A partir dessa conscientização é fundamental compreender as disparidades geradas pelo racismo e pelas desigualdades de gênero para promover uma educação antirracista que capacite crianças, jovens e adultos a valorizar e reconhecer a importância da diversidade, que é uma marca forte em nosso país”.
Em maio deste ano, a educadora lançou o livro Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil. Por meio de cartas e crônicas, Luana Tolentino faz um registro, que sente na própria pele, do cotidiano da população negra deste país, muitas vezes marcado pela exclusão, pela negação de direitos e pela violência.
Com prefácio de Itamar Vieira Junior, autor do best-seller Torto arado, o livro Sobrevivendo ao racismo reúne textos escritos entre 2017 e 2022 e publicados inicialmente na revista Carta Capital. Em sua obra estão presentes memórias de quando criança, assim como o olhar da educadora e da ativista da luta antirracista que a autora se tornou. Ao longo das páginas, ela descreve cenas de um Brasil que insiste em manter vivo o passado escravocrata nas relações pessoais e no funcionamento das instituições, de maneira destacada nas escolas. Trata-se de um registro pessoal do passado e do presente para construir um futuro sem racismo, pautado na justiça e na democracia.
A escritora é doutoranda do programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Alteridade.
AS MULHERES NEGRAS E POBRES SÃO AS MAIORES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
O dia 25 de julho é celebrado como o Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha. Essa data foi estabelecida para reconhecer e valorizar a contribuição e a luta das mulheres negras, latinas e caribenhas na sociedade. É um momento de reflexão, conscientização e fortalecimento da luta por igualdade e justiça para essas mulheres, que historicamente enfrentaram e ainda enfrentam múltiplas formas de discriminação e opressão.
No Brasil, o racismo e a desigualdade social são barreiras enfrentadas por mulheres negras também na área de saúde, com desafios significativos em relação ao acesso ao cuidado pré-natal, além de apresentarem taxas mais altas de mortalidade materna durante a gestação, o parto e o período pós-parto, conforme evidenciado pelo relatório Desigualdades raciais na saúde: cuidados pré-natais e mortalidade materna no Brasil, 2014-2020, elaborado pelo Instituto de Estudos para Política de Saúde (IEPS).
O estudo, que se concentrou no período de 2014 a 2020, revelou que, em média, houve oito mortes maternas a mais entre as mulheres negras do que entre as mulheres brancas a cada 100 mil nascidos vivos.
Mulheres negras têm mais chances de ter atendimento negado, peregrinar até achar uma maternidade, ser impedidas de ter acompanhante durante o parto, não receber anestesia para alívio da dor e ouvir diferentes agressões verbais.
Uma comissão especial sobre violência obstétrica e morte materna da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública em 19 de abril de 2023, em que os debatedores diziam que as mulheres negras e pobres são as maiores vítimas de violência obstétrica.
“As mulheres negras morrem mais que as brancas, mesmo tendo a mesma escolaridade e o mesmo acesso ao pré-natal. Está comprovado que nós, profissionais da enfermagem, dedicamos menos tempo na assistência do pré-natal à mulher negra do que à mulher branca”, afirmou a secretária de Saúde de Santa Catarina, a ex-deputada Carmen Zanotto, que na audiência defendeu a discussão sobre violência obstétrica dentro das instituições de ensino de saúde.
Outro dado alarmante é que de sete em cada dez feminicídios no Brasil é de mulher negra. Como as principais vítimas de feminicídio no país, elas representam 67% dos casos notificados em 2020, dos quais 61% são de mulheres pardas e 6% pretas, como mostram dados levantados pelo Instituto Igarapé.
A IMPORTANTE ATUAÇÃO DA PASTORAL AFRO-BRASILEIRA
Uma importante aliada na luta antirracista na Igreja e na sociedade é a Pastoral Afro-Brasileira, que tem como principal objetivo celebrar e valorizar as características e a cultura dos afro-brasileiros. É a pastoral que também se empenha em lidar com as necessidades e desafios sociais enfrentados pelos negros na sociedade, tais como discriminação, preconceito, desigualdade, racismo e falta de oportunidades.
Em entrevista à Revista Ave Maria, Dom Zanoni Castro, arcebispo de Feira de Santana (BA) e bispo referencial da Pastoral Afro-Brasileira da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), falou sobre o protagonismo das mulheres negras no âmbito dessa pastoral social: “São as mulheres negras que se ocupam das lutas por igualdade e do combate ao racismo, dentro e fora da instituição Elas têm o protagonismo na denúncia e no questionamento da ausência de negros em posições de destaque na hierarquia da Igreja, bem como a falta de uma prática pastoral que considera a realidade das comunidades negras”.
Segundo o religioso, o olhar feminino e negro desempenha um papel fundamental no reconhecimento e valorização da cultura e da espiritualidade afro-brasileira. Ele ressaltou que, nessa perspectiva, fortalece-se a identidade e contribui-se para a construção de uma Igreja mais inclusiva e diversa, levando em consideração as diversas realidades e experiências vivenciadas pelos fiéis negros. O arcebispo destacou: “Nessa perspectiva, afirma-se a identidade e contribui-se para a construção de uma Igreja mais inclusiva e diversa, considerando as múltiplas realidades e experiências vividas pelos fiéis negros”.
Quando questionado sobre uma história feminina que o tenha inspirado a combater o racismo, o bispo baiano recordou-se de uma mulher que deixou uma impressão indelével em sua vida. Seus gestos concretos também impactaram profundamente a vida de muitos jovens afrodescendentes.
Membro das Obras das Vocações Sacerdotais, a mulher ajudava na formação de jovens no discernimento vocacional e com recursos próprios financiava estudos para os seminaristas diocesanos. Quando membro da Pastoral do Menor em sua paróquia, ela acompanhava crianças vulneráveis, dando-lhes atenção e alimentação.
“Mulher de Igreja, acreditava que a ação pela libertação integral da pessoa humana, o empenho na busca de uma sociedade mais solidária e mais fraternal e, sobretudo, as lutas pela justiça e pela construção da paz são elementos constitutivos da ação evangelizadora da Igreja, do seu trabalho pastoral. Tive a graça de encontrar um jovem senhor que testemunhou a importância da senhora Valdelice Demettino Castro em sua vida e crescimento. Essa senhora é minha mãe, que associo à história de tantas outras mulheres negras que me ensinaram o poder da resiliência e da determinação em face às adversidades”, recordou emocionado Dom Zanoni. Sua mãe, dona Valdelice, faleceu em 4 de julho de 2020 vítima de infarto, aos 82 anos.
É também por meio da atuação da Pastoral Afro-Brasileira que a Igreja Católica, enquanto instituição, desempenha um papel ativo para acabar com o racismo. Segundo o arcebispo, a Igreja promove a igualdade de gênero, com a nomeação de mulheres em posições de liderança em várias dioceses e congregações religiosas e com a criação de programas para empoderar mulheres e meninas em todo o mundo. “No entanto é importante reconhecer que ainda há muito trabalho a ser feito dentro da Igreja e em sua relação com as questões de raça e gênero. A Igreja precisa continuar a enfrentar essas questões de forma aberta e ativa, trabalhando em estreita colaboração com comunidades afetadas pelo racismo e pelo sexismo para desenvolver soluções significativas e duradouras”, finaliza o bispo referencial da Pastoral Afro-Brasileira.
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