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A Quaresma é o tempo litúrgico de conversão, de reviver o nosso batismo, que a Igreja nos proporciona para preparar para a grande festa da Páscoa. É tempo para nos arrependermos de nossos pecados e de mudar de vida, correspondendo à graça de Deus que nos concede esse dom.
A Quaresma dura 40 dias: começa na Quarta-feira de Cinzas e termina na Quinta-feira Santa à tarde. Ao longo deste tempo fazemos a nossa parte para recuperar o ritmo e estilo de verdadeiros fiéis, que devemos viver como filhos de Deus.
Trata-se de um tempo privilegiado de conversão, combate espiritual, jejum, abstinência, esmola, sacrifício, oração e escuta da Palavra de Deus. A característica fundamental e indispensável da Quaresma é a conversão da vida velha para darmos passos na nova vida em Cristo! O número “quarenta” é bíblico e cheio de simbolismos: os quarenta dias do Dilúvio, os quarenta dias de Moisés no Monte Sinai, os quarenta anos de Israel no deserto, os quarenta dias do caminho de Elias até o Sinai e, sobretudo, os quarenta dias do Senhor Jesus no deserto, preparando sua vida pública, quando, após esses dias de jejum, é tentado pelo demônio.
No segundo domingo da Quaresma, o mesmo Jesus que entrou na penitência dos quarenta dias aparece transfigurado com dois outros penitentes: Moisés e Elias! Aí aparece que a Lei e os Profetas se cumprem na vida de Cristo, o Messias Salvador. É tão bom isso, que Pedro quer construir três tendas!
Daí vem a importância de vivermos intensamente este tempo litúrgico nestes exatos quarenta dias para a penitência! É tão antigo que tem suas raízes na própria prática da Igreja apostólica.
A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa penitência. É um tempo de reflexão, de penitência, de conversão espiritual; tempo e preparação para o mistério pascal. A espiritualidade da Quaresma aparece em seu caráter essencialmente cristocêntrico-pascal-batismal. Este tempo litúrgico é caminho de fé-conversão para Cristo, que se faz servo obediente ao Pai até a morte de cruz.
Na Quarta-feira de Cinzas, quando iniciamos a Quaresma, o Evangelho ao qual devemos crer ao nos converter, nos indica alguns caminhos da espiritualidade quaresmal: a Oração, o Jejum e a Esmola.
A oração – neste tempo os cristãos se dedicam mais à oração. Uma boa prática é rezar a liturgia das horas, o terço, a via sacra, fazer a Lectio divina seja individualmente, seja em comunidade. Outra sugestão pode ser diariamente rezar um salmo após a leitura orante da Palavra de Deus, ou, para os mais generosos, rezar todo o saltério no decorrer dos quarenta dias. É costume também rezar a Via Sacra às sextas-feiras e a reza diária do Santo Rosário.
Jejum – na história da salvação é frequente o convite a jejuar. Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor recomenda que o homem se abstenha de comer o fruto proibido: “Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás”. Dado que todos estamos entorpecidos pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para estarmos mais abertos à escuta da Palavra do Senhor. Assim fez Esdras antes da viagem de regresso do exílio à Terra Prometida, convidando o povo reunido a jejuar “para nos humilhar – diz – diante do nosso Deus”. O Omnipotente ouviu a sua prece e garantiu os seus favores e a sua proteção.
O Jejum pode variar muito de acordo com cada pessoa, e cada um deve escolher sua prática penitencial para este tempo. Por exemplo: renunciar a um lanche diariamente, ou a uma sobremesa, não comer carne às quartas e sextas-feiras, e tantas outras possibilidades. Na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira Santa os cristãos praticam o jejum e a abstinência: o jejum nos faz recordar que somos frágeis e que a vida que temos é um dom de Deus, que deve ser vivida em união com Ele. Os mais generosos podem jejuar todas as sextas-feiras da Quaresma. Mesmo durante o ano, existe a prática de, às sextas feiras, termos algum sinal penitencial.
Esmola – a Quaresma é tempo de mais um forte empenho de caridade para com os irmãos. A liturgia fala de “assiduidade na caridade operante”, de “uma vitória sobre o nosso egoísmo que nos torne disponíveis às necessidades dos pobres” (parte do prefácio da quaresma I e III). A verdadeira ascese exigida pelos textos bíblicos e eucológicos da Quaresma. Não há verdadeira conversão a Deus sem conversão ao amor fraterno (cf.1 Jo 4,20-21). A privação à qual o cristão é chamado durante a Quaresma, inclusive através do jejum corporal, exige que seja sentida como exigência da fé para tornar-se operante na caridade para com os irmãos. O jejum não tem significado em si mesmo, mas deve ser um sinal de toda uma atitude de justiça e caridade (cf. Is 1,16-17;58,6-7). De uma maneira muito especial, lembramos que no Domingo de Ramos temos a “coleta da solidariedade” como consequência às penitências quaresmais.
Portanto, Quaresma é um tempo propício para lutarmos contra os nossos defeitos mais arraigados. Podemos aproveitar esta época litúrgica para crescer em conhecimento próprio, fazendo um exame mais aprofundado da nossa vida para descobrir o que nos aproxima ou afasta de Deus. Depois, marcaremos metas palpáveis de melhora e nos esforçaremos por atingi-las. Se alguma vez falharmos, recorreremos com humildade e contrição ao sacramento da Penitência, e recomeçaremos com alegria. Aliás, essa é uma prática indispensável na Quaresma: a celebração penitencial ou da reconciliação, se possível muitas vezes durante este tempo. Se fizermos a nossa parte, que é lutar sempre confiantes na ajuda de Deus, Ele não deixará de nos conceder as graças necessárias para uma verdadeira conversão. E assim chegaremos renovados para a Páscoa da Ressurreição, vivenciando a nossa vida batismal.
Por Cardeal Orani João Tempesta – Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
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