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Muito se fala em praticar a caridade, mas, afinal, sabemos o real significado da palavra e do ato? No próximo dia 19 de julho é celebrado justamente o Dia da Caridade. Exercer a virtude de amor ao próximo como Jesus ensinou e amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a ti mesmo é um dos principais pilares dos cristãos, assim como a prática de fazer o bem sem esperar nada em troca talvez seja a maior virtude do ser humano.
“Caridade” deriva do latim “caritas” e seu significado traduz bem a missão daqueles que tomaram para si essa meta de vida, “exercer ação ou resultado de fazer o bem; sentimento de fazer o bem a pessoas mais desfavorecidas”. O verdadeiro sinônimo de doação e compaixão. É a assimilação da Palavra e a ação na prática. Muitas vezes, tragédias como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul geram grande mobilização, solidariedade e ações que unem diferentes pessoas e crenças em prol daqueles menos favorecidos, que perderam tudo. Esse é um dos exemplos, mas há também comunidades inteiras vigilantes e atuantes em projetos permanentes desenvolvidos para amparar e acolher o próximo, como explica Alessandra Miranda, assessora da Comissão Episcopal para a Ação Social Transformadora e da Comissão de Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): “As pastorais têm um objetivo em comum: a caridade que transforma, incorporada pela solidariedade promovem mudanças das realidades”, conta. São aproximadamente trinta pastorais sociais com ações de atenção imediata como distribuição de alimentos, acompanhamento a crianças e idosos em situação de vulnerabilidade, defesa e assessoramento aos povos das cidades, do campo e das águas, ações junto às pessoas encarceradas, busca e incidência política para o direito à habitação às pessoas em situação de rua, acolhimento às mulheres em situação de prostituição, dentre outras.
Outra ação, comum para toda a Igreja do Brasil, é o Fundo Nacional de Solidariedade. “Os cristãos fazem doações no período da Quaresma, gerando o fundo de recursos que ao longo dos anos apoia centenas de projetos e iniciativas populares”, explica Alessandra. Dentre os principais projetos e conquistas ao longo desses anos, ela destaca a 6ª Semana Social Brasileira e a articulação para a elaboração do projeto popular para o Brasil, que gerou mutirões sobre várias iniciativas, além de missões de denúncia às comunidades quilombolas no Maranhão, visita às comunidades quilombolas e população de cidades atingidas por barragens na região do vale do Ribeira (SP), incidência política junto ao poder público para ações emergenciais, sobretudo durante a pandemia, além da Jornada Mundial dos Pobres em celebração ao Dia Mundial dos Pobres, proposto pelo Papa Francisco, que mobiliza várias ações de solidariedade. Mensurar todas as pessoas ou famílias beneficiadas, direta ou indiretamente, é difícil porque são centenas de projetos e ações, que alcançam todo o território brasileiro. “Apenas a Campanha da Fraternidade aprova a cada ano cerca de 250 projetos, que em 2023 alcançaram 112.843 pessoas. Além disso, temos um número bem mais amplo, das pessoas atendidas pelas pastorais sociais, a Cáritas e os serviços de cada paróquia e diocese”, aponta Alessandra.
As áreas de atuação se concentram no atendimento e no acolhimento de pessoas vulneráveis: povos e comunidades tradicionais, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, trabalhadores do campo, da cidade e das florestas, pessoas encarceradas, em situação de rua, trabalhadores/as do campo, doentes, dentre outras. “A nossa missão é contribuir com as transformações dessas realidades como princípio da doutrina social da Igreja e na escuta do Papa Francisco, que convoca a Igreja no mundo para estar em permanente saída para as periferias sociais e existenciais”, reforça Alessandra.
A caridade é necessária em todos os sentidos. “É transformadora e deve ser acompanhada de ações que geram resultados imediatos, dependendo da emergência, mas que precisam refletir as causas das situações que violam a dignidade humana”, define ela. Os ensinamentos de Jesus têm como critério o olhar amoroso aos irmãos e irmãs. O Papa Francisco tem dito que não se pode cair na armadilha da globalização da indiferença, para isso, basta olhar ao próximo. “O caminho mais indicado é buscar as atividades e iniciativas das paróquias locais. Se ainda sua paróquia não tiver pastorais sociais, organismos de serviço como a Cáritas, ou equipes de formação e compromisso como a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, junte-se a outras pessoas e forme uma e torne o Reino de Deus mais presente no mundo!”, ensina ela.
Referência na missão de “contribuir para o desenvolvimento humano integral e o protagonismo das pessoas junto às periferias geográficas e existenciais, visando à construção de uma sociedade justa, inclusiva e solidária”, o Instituto Claret atua há 38 anos em prol dos menos favorecidos. Ele nasceu a partir de um espaço de luta e reivindicação de direitos para mulheres e mães solo nas regiões de Santa Cecília e Barra Funda, na capital de São Paulo. Com o crescimento significativo de outras demandas sociais, o instituto se tornou uma organização multicausas, sistematizando o atendimento por meio de programas como segurança alimentar, desenvolvimento integral de crianças e adolescentes, atendimento a pessoas em situação de rua, enfrentamento às violências, atendimento às famílias e programa de formação para o mundo do trabalho. Atualmente, o instituto realiza, em média, 4.800 atendimentos diretos por mês e 16 mil considerando os núcleos familiares, como explica Paula Unger, gerente institucional do Instituto Claret.
Há quase cinco anos à frente da instituição, Paula explica que um dos maiores desafios é a mobilização de recursos e a criação do vínculo de confiança com as pessoas atendidas: “Uma das maiores dificuldades no atendimento é promover a autonomia e a emancipação das pessoas e famílias atendidas. É crucial motivá-las a traçar suas próprias trajetórias e ajudá-las a ressignificar os desafios enfrentados até aquele momento. Para isso é necessário criar um vínculo de confiança, permitindo as pessoas aderirem aos encaminhamentos oferecidos em nossos projetos”. Sua maior motivação é poder contribuir de alguma forma com a transformação na trajetória de vida das pessoas: “Nosso trabalho vai além da caridade. Somos inconformados com as violências estruturais, que são uma das principais fontes de desigualdade social e geram outras desigualdades e violências”.
Algumas situações acabam impactando profundamente as equipes de acolhimento: “Para as pessoas que vivem excluídas geográfica e socialmente nas comunidades periféricas, nossos programas oferecem a oportunidade de ‘pular o muro’ dessas comunidades e ocupar espaços que são construídos para todos, mas utilizados por poucos”, celebra Paula. De acordo com ela, a prática da caridade não se resume a uma virtude pessoal, “É necessário transcender o individualismo incondicionalmente. Ela nasce de um sentimento, mas deve se transformar em ação”. “Acredito que praticar a caridade reflete os ensinamentos de Jesus, pois Ele alertou seus discípulos para que estivessem sempre próximos aos pobres. Na conjuntura atual, devemos adotar esse olhar atento não apenas para a ajuda paliativa, mas para questionar, assim como Jesus, quais ações perpetuam a pobreza”, detalha ela.
Além da assistência em todos os projetos, o Instituto Claret, como integrante das Obras Sociais Claretianas, também participa ativamente da campanha #SOS Rio Grande do Sul, promovida pelo governo provincial e precedida pelo prefeito provincial de apostolado, Padre Heitor Menezes. As pessoas físicas têm a oportunidade de contribuir por meio do voluntariado, doações de vestuário e objetos, os quais podem ser convertidos em recursos por meio de doações via PIX para o endereço pix@institutoclaret.org.br. Já as pessoas jurídicas, além de doações em valores numerários, podem também participar do financiamento de projetos, agregando valor ao componente social (S) da sigla ESG em suas empresas. “A fé desprovida de obras é morta”, conforme nos ensinou o apóstolo Tiago 2,17.
Jesus, em sua trajetória, invariavelmente manifestou sua veemente reprovação diante de injustiças, doutrinas e dogmas que pudessem implicar na exclusão dos indivíduos. “Santo Antônio Maria Claret, reconhecido pela sua visão integral da condição humana, não se limitou à tarefa evangelizadora. Ele compreendeu a permanente necessidade de atender às diversas carências dos mais vulneráveis. Nesse caminho, perpetuamos sua missão até os dias atuais”, explica Paula Unger.
Um exemplo recente e de muito simbolismo na prática da caridade aconteceu durante a Celebração de Corpus Christi. Na paróquia da Igreja São José Operário, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro (RJ), a comunidade se reuniu para produzir o Tapete Solidário. No lugar da serragem, do sal colorido, areia, entre outros elementos, o que se via por lá era o caminho de quarenta metros até o altar formando desenhos com alimentos não perecíveis, itens de higiene pessoal e material de limpeza. A campanha promovida arrecadou mais de duas toneladas de alimentos. Além de ajudar a formar o Tapete Solidário, possibilitou a distribuição entre as 150 famílias cadastradas da comunidade. A iniciativa também ajudou as vítimas das chuvas do Rio Grande do Sul, para onde a maior parte da arrecadação foi enviada. Rosemary Paschoal, coordenadora da pastoral, comemorou o resultado da ação: “Isso aqui tem um pouquinho de cada um. De cada irmão de comunidade. É uma partilha muito bonita com a união e dedicação de vários irmãos”.
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