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Ela era uma jovem francesa do fim do século 19 que aos quinze anos de idade entrou num convento carmelita e, nove anos depois, aos 24 anos de idade, após longos meses de muito sofrimento, morreu de tuberculose no dia 1 de outubro de 1897. Nunca saiu do convento. Quando ela morreu, uma irmã da comunidade dizia não ter encontrado nada de extraordinário na vida dela. Qual é então o segredo dessa santa carmelita para chegar a ser conhecida e amada de tanta gente até hoje? Qual o caminho que ela abriu para nós?
São dois os caminhos de Deus até nós e de nós até Deus. O primeiro é este: Deus, na sua bondade, tomou a iniciativa e, sem mérito algum da nossa parte, chegou até nós, nos acolheu e nos abraçou. É o caminho da gratuidade do amor. O outro caminho é este: Uma vez aceito o amor de Deus, nós devemos dar a nossa resposta e realizar o que o amor pede de nós. É o caminho da observância dos mandamentos. Gratuidade e Observância! Dois caminhos, dois lados da mesma medalha: dom de Deus e esforço nosso; providência divina e eficiência humana; festa e luta; fé e política; sonhar e planejar, graça e lei. Um lado só, sem o outro, tornaria incompleto nosso relacionamento com Deus. No passado, em algumas épocas da história da igreja, insistia-se mais na gratuidade: “Deus nos ama!” E às vezes, o povo caía num ritualismo vazio sem compromisso. Em outras épocas, insistia-se mais na observância: “Temos que cumprir a Lei!” E às vezes, se caía num legalismo exagerado que gerava nas pessoas o medo de Deus.
No fim do século 19 na França, época em que vivia Teresinha, o acento caía na observância, no legalismo, com prejuízo para a vivência da gratuidade do amor. O rigor e o medo marcavam a piedade do povo, mostravam um Deus distante e exigente. Tudo parecia pecado. Era proibido comungar todos os dias. Insistia-se mais nas práticas da penitência, ameaçando o povo com o castigo do inferno. Teresinha nasceu e cresceu neste ambiente burguês e conservador. No mosteiro carmelita, em que acabava de entrar, a espiritualidade era de observância e de rigor. O ideal da santidade eram as práticas de penitência, jejum rigoroso, grandes sacrifícios, longas orações. Não se lia a Bíblia. Na biblioteca do convento só havia um único exemplar da Bíblia. Para uma irmã poder ler a Bíblia precisava da licença da superiora. Então, como Teresinha conseguiu romper com este modo tão rigoroso de viver a vida? Como ela conseguiu vencer o medo de Deus e alcançar essa sabedoria tão grande a ponto de tornar-se doutora da Igreja, mestra de todos nós?
Em Teresinha transparece uma nova imagem de Deus. Ao longo dos poucos anos de sua vida, escondida num convento, ela redescobriu o rosto amado de Deus como nosso Pai, que tinha sido esquecido. O seu jeito de lidar com Deus era diferente. A frase de Teresinha que melhor resume a mensagem da sua vida é esta que ela dirige a Deus no fim da sua vida: “No crepúsculo desta vida aparecerei diante de vós com as mãos vazias!” Ela entrou no convento para tornar-se uma santa. Ela pensava que a santidade devesse ser fruto do seu próprio esforço. Ela ouvia falar dos grandes santos e santas, das duras penitências e das longas orações que eles faziam, das virtudes que praticavam, dos sacrifícios e gestos heroicos. Assim eles acumulavam méritos para poder merecer o céu. Teresinha sentia-se pequena e frágil, cheia de defeitos, incapaz de alcançar esse ideal de santidade, pois ela dormia durante a longa meditação de manhã, não gostava muito do terço, sentia antipatias de certas irmãs, e quando fazia uma penitência maior ficava doente. E pensava: “Eu, do jeito que eu sou nunca vou alcançar a santidade. Sou pequena demais e sem força. Sou uma criança. Como é que faço para ser santa?”.
Ela encontrava uma luz nas coisas pequenas e grandes que tinham acontecido com ela na história da sua vida: a experiência do amor do próprio pai que ela experimentou, sobretudo depois do trauma que viveu com a perda da mãe aos 4 anos de idade; a experiência vivida na noite de Natal em que de repente, sem esforço algum da parte dela mesma, ela conseguiu superar o seu problema afetivo do choro e ter um domínio maior de si mesma. De tudo isto ela foi tirando a seguinte conclusão: Deus conseguiu realizar em mim coisas que eu mesma não era capaz de realizar; se Deus é Pai, como meu pai aqui na terra, ele deve gostar de crianças pequenas e frágeis como eu; a mãe gosta quando a criança dorme tranquila no colo.
Teresinha soube viver as pequenas e grandes experiências da vida à luz da sua fé em Deus como Pai. Aos poucos, através de muito sofrimento, ela foi descobrindo quem é Deus. Deus, na sua infinita bondade e misericórdia, ele me acolhe e me carrega nos seus braços. Amor não se merece. Amor se recebe de graça! Não adianta a gente querer acumular méritos para poder merecer o amor. No fim da sua vida, Teresinha já não observava a lei de Deus para merecer o céu, mas só e unicamente para agradecer o amor recebido de Deus. Perto da morte, ela se encontra de mãos vazias: “No crepúsculo desta vida aparecerei diante de vós com as mãos vazias!” Teresinha não acumulou nada. Pelo contrário! Esvaziou-se e entregou-se. Foi se doando, sem se preocupar com a sua própria salvação. Não acumulou méritos nem sabedoria. Não quis crescer para o alto. Ela dizia: “É descendo que se sobe! É diminuindo que se cresce!”
Pelo seu testemunho, ela nos revelou um novo rosto de Deus! A sua vida, tão curta e aparentemente tão insignificante, é uma prova viva de que Deus, ele mesmo na sua bondade imensa, é a maior Boa Notícia para nós, seres humanos. Teresinha tem uma mensagem muito atual para nós que vivemos neste sistema neoliberal em que a acumulação é a lei mais forte que governa o mundo. Viver como ela viveu obriga a gente a andar na contramão e cria o espaço para uma nova convivência humana. Tudo isto não eram apenas ideias bonitas. Nem ideias não eram. Eram vivências que aos poucos foram brotando revelando seu conteúdo para a própria Teresinha que mais vivia as coisas do que as sabia.
Como jovem, ela sentia impulsos grandes e desejos enormes de ser santa. Ela se dizia: “Um desejo tão grande, se Deus o coloca em mim, então Ele também deve indicar como realizá-lo. Ela queria ser tudo ao mesmo tempo: santa, doutora, profetisa, sacerdotisa, mártir, e percebia que isto não era possível. Mas por outro lado pensava: se este desejo existe em mim, deve haver um caminho para realizá-lo, pois um desejo assim vem de Deus. Lendo a Bíblia, ela descobriu: “Sem o amor nada sou!” Aí ela concluiu: “No coração de minha mãe a Igreja, eu serei o amor! Aí posso ser tudo ao mesmo tempo: santa, doutora, profetisa, sacerdotisa, mártir, pois sem o amor eles não funcionam”.
Dezoito meses antes da sua morte, a escuridão baixou sobre Teresinha. Era como se Deus não existisse, como se o céu fosse uma ilusão, como se a fé fosse o maior engano da história da humanidade. Como Jesus na cruz, ela rezou muitas vezes: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Mas a sua fé era maior que a escuridão. E ela repetia: “Deus está comigo! Ele não me abandonou. O amor é maior” Assim ela viveu na escuridão total durante a terrível doença da tuberculose, irradiando alegria e paciência, tendo por dentro a crise da escuridão, contra a qual ela resistia agarrando-se à fé, até à a hora da morte. Tudo isto revela uma pessoa muito madura, apesar de ter apenas vinte e poucos anos. Como diz o livro de Sabedoria: “Amadurecida em pouco tempo, ela atingiu a plenitude de uma vida longa!” (Sb 4,13)
Frei Carlos Mesters, O.Carm.
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