ACONTECE NA IGREJA Amor Bíblia Carmelitas Carmelo Catecismo Catequese Catequista Catequistas CNBB Coronavírus Deus ESPAÇO DO LEITOR Espiritualidade Espírito Santo Eucaristia Família Formação Fé Igreja Jesus juventude Maria MATÉRIA DE CAPA Natal Nossa Senhora do Carmo O.Carm. Ocarm Oração Ordem do Carmo Papa Francisco Pentecostés provocarmo Páscoa Quaresma Reflexão SANTO DO MÊS Sociedade Somos Carmelitas somoscarmelitas São Martinho Vida vocacional Vocação vocação carmelita
Estando por estes dias em Israel, de onde escrevo estas linhas, após visitas e encontros de formação inspirados em textos bíblicos, pareceu-me importante retomar este tema, muito embora, de modo diferente, o mesmo já tenha aparecido nesta coluna. É que, em tempos de “modernidade líquida” (como diria Zygmunt Bauman), quando os valores, inclusive os éticos, parecem se dissolver, o retorno à reflexão se afigura necessário para que não nos distanciemos daqueles considerados fundantes e identificadores da própria pessoa humana.
Impressiona como até Deus e Seu nome santo se tornaram produto intercambiável. Seu significado parece receber sempre novas matizações segundo gostos, preferências e até oportunismos. Ao menos no caso do Deus cristão, mais do que “adaptá-Lo” segundo modismos religiosos, é preciso a humildade para acolhê-Lo como Se revelou. Sem essa premissa a experiência de fé seria, sim, alienadora. E a religião se tornaria apenas uma fuga do que não se pode explicar. Ou também conveniência, para que Deus nos dê o que nos agrada, mas não podemos ter.
É justamente esta a reflexão que salta aos olhos no evangelho deste domingo (Jo 6, 60-69). Trata o texto de palavras de Jesus dirigidas aos que se beneficiaram da multiplicação dos pães. O debate continuou por dias após o acontecimento. E Jesus se apresentara como “pão da vida”, como “pão vivo descido do céu”. Falava também de ressurreição. E eis a reação: “Esta palavra é dura! Quem pode escutá-la?” (Jo 6, 60). O evangelista até acrescenta que os “discípulos murmuravam entre si” face ao significado exigente de Jesus.
Algo de importante a observar é que eram os “discípulos” a murmurar. Não eram os judeus, não eram os adversários. Eram, sim, os que já tinham uma intensa história de convivência com o Senhor. Por que o murmúrio? Porque percebiam que o seguimento comportava disposições a mudanças de vida e renúncia no caminho da conversão. Queriam aqueles “discípulos” tão somente um tipo de seguimento e de identidade religiosa que atendesse a preferências acomodatícias. É algo como a amizade por interesse.
Ainda tomando em apreço a reflexão do evangelista, vale sua observação: “A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam com ele” (Jo 6, 66). Em outras palavras, a proximidade ao Senhor já não lhes era compensadora, não respondia às conveniências que almejavam. Na realidade, queriam que Jesus lhes apresentasse um Deus à sua imagem e semelhança. Tratava-se mais de um consumo religioso do que de relação de confiança e de amizade com o Senhor. E até Jesus se tornou um “produto descartável”.
Por toda a Sagrada Escritura enumeram-se os exemplos de religiosidade de conveniência, segundo a qual Deus serve na medida em que “me atende”. Mais do que relação com Ele, o pendor é explorá-lo. E vale a pena bater em diferentes portas até encontrar um Deus assim. Entretanto, outra é a face daquele Deus revelado por Jesus Cristo. Pedro até disse que ele, Jesus, tinha “palavras de vida eterna” (Jo 6, 69). Percebera ele que Jesus não era uma entidade religiosa a ser invocada em situações de apuros. Segui-Lo comporta reconhecer n´Ele o caminho que transfigura o sentido da existência. Mais do que Lhe apresentar pedidos, talvez tenha chegado o momento de nos perguntar sobre o que temos a oferecer a Ele.
Por Dom José Antônio Peruzzo – Arcebispo de Curitiba (PR)
Comments0