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O dogma da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria foi proclamado aos 8 de dezembro de 1854 pelo Beato Papa Pio IX e constitui um dos quatro dogmas marianos proclamados pela Igreja ao longo de sua rica tradição de fé. Resultado de uma ampla consulta ao episcopado do mundo inteiro desde 1848, a dita proclamação fundava-se, porém, exclusivamente sobre a autoridade do Papa naqueles anos de grande contestação do poder de jurisdição pontifícia em face dos ideais do liberalismo moderno. O novo dogma reforçou uma devoção já vivamente presente na vida dos fiéis católicos e representava um grande êxito da piedade antijansenista, na medida em que lançava bases teológicas claras quanto à interpretação da relação entre liberdade humana e graça divina. Em Maria – que Deus cumulou de graça e que aderiu livremente ao plano divino da Redenção – o cristão antevê a perspectiva de sua plenitude em Deus.
O dogma afirma que Maria foi, desde a sua concepção, por singular graça, preservada da mancha do pecado original (imaculada = sem mácula, pecado), em vista dos méritos de Jesus Cristo. Deus preparou Maria para que ela pudesse colaborar em seu plano de salvação. Mas isso não significa que Deus condicionou ou manipulou Maria para que ela respondesse afirmativamente ao chamado divino. Ele lhe deu, outrossim, todas as condições necessárias para que, sem prejuízo da liberdade, mas abraçando solicitamente a moção da graça de divina, ela pronunciasse um “sim” generoso e fiel. Maria Santíssima e Imaculada, nesse sentido, dentre todos os que creem e constituem a Igreja, Corpo de Cristo, é a primeira a dar testemunho das maravilhas que Deus opera na humanidade por meio de Jesus Cristo, seu Filho, nosso Redentor. Ela é, por isso, imagem e modelo para a Igreja, que peregrina neste mundo em busca da santificação e da plena realização de tudo o que é humano na perspectiva de Deus, que nos redimiu em Jesus Cristo.
O Concílio Vaticano II reservou o último capítulo da Constituição Dogmática Lumen gentium, sobre a Igreja, para tratar de Maria. Ali se encontra o trecho seguinte: “Remida de modo mais sublime em atenção aos méritos de seu Filho, e unida a Ele por vínculo estreito e indissolúvel, foi enriquecida com a sublime prerrogativa e dignidade de mãe de Deus Filho, e, portanto, filha predileta do Pai e sacrário do Espírito Santo; com este dom de graça sem igual, ultrapassa de longe todas as outras criaturas celestes e terrestres. (…) é também saudada como membro supereminente e absolutamente singular da Igreja, e também como seu protótipo e modelo acabado da mesma, na fé e na caridade” (cf. LG, 53). A santidade de Maria, preservada de toda mancha de pecado, é meta para a Igreja, para cada cristão e para todos na unidade do Corpo de Cristo que é a Igreja, pela identificação com Cristo Jesus desde o Batismo até a plenitude da vida nele pela ressurreição.
Apesar da proclamação oficial dessa verdade de fé ter ocorrido somente em 1854, no sentir comum da fé da Igreja ela esteve sempre presente, no ensinamento, na piedade dos fiéis e, conseguintemente, na arte que se destina à liturgia e às devoções em geral. Vale a pena determo-nos em alguns aspectos consolidados na representação iconográfica do dogma da Imaculada Conceição.
A iconografia da Imaculada continua ainda sua evolução, em meio a fortes disputas teológicas nos anos que precederam a declaração oficial do dogma. O motivo figurativo se desenvolve desde então seguindo um esquema no qual a Virgem é representada com elementos e atributos precisos. Eles fazem referência não somente ao texto bíblico de Apocalipse 12,1-10 (a mulher grávida revestida de sol, com a lua debaixo dos pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas, que vence o dragão ou a serpente, símbolo do mal), mas também a uma leitura tipológico-alegórica do Cântico dos Cânticos 6,10 (bela como a lua, fúlgida como o sol) e do Livro da Sabedoria 7, 29 (mais bela do que o sol e do que as constelações dos astros). O modelo figurativo da Imaculada Conceição espelha, nesse sentido, a fundamentação bíblica do que reza o dogma e da evolução teológica acerca de Maria, sobretudo em sua relação com a Igreja. De fato, da interpretação da mulher do Apocalipse como imagem arquetípica celeste do povo de Deus na terra, ou seja, da Igreja, que, enquanto dá à luz os filhos na fé é perseguida por Satanás e salva por Deus, passa-se a uma leitura mariológica do texto bíblico, segundo a qual a figura feminina da aparição celeste torna-se imagem de Maria que, concebida sem pecado, revestida de Cristo, cheia da graça de Deus, triunfa sobre o pecado e o mal.
Por Mons. Dr. Rafael Capelato
Texto adaptado da edição de dezembro da Revista Ave Maria. Para ler os conteúdos na íntegra, clique aqui e assine.
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