ACONTECE NA IGREJA Amor Bíblia Carmelitas Carmelo Catecismo Catequese Catequista Catequistas CNBB Coronavírus Deus ESPAÇO DO LEITOR Espiritualidade Espírito Santo Eucaristia Família Formação Fé Igreja Jesus juventude Maria MATÉRIA DE CAPA Natal Nossa Senhora do Carmo O.Carm. Ocarm Oração Ordem do Carmo Papa Francisco Pentecostés provocarmo Páscoa Quaresma Reflexão SANTO DO MÊS Sociedade Somos Carmelitas somoscarmelitas São Martinho Vida vocacional Vocação vocação carmelita
Estimado leitor da Revista Ave Maria, começo nossa reflexão mensal de maio a partir do pensamento do Papa Bento XVI em relação à visão antropológica do homem e suas relações afetivas. Pensar sobre a humanidade contemporânea será sempre um desafio, sobretudo a partir das categorias que compõem a sociedade.
O homem contemporâneo para Ratzinger é aquele que vive no mundo secularizado, pós-metafísico, edificado substancialmente sobre a interpretação científico-matemática da realidade; aquilo que aparece dotado de valor é unicamente o “fato”, alcançado pelos métodos da ciência natural e que pode ser, em consequência, constatável, dominável, transformado pela intervenção do homem. O factum torna-se, assim, imediatamente faciendum, isto é, aquilo que pode ser programado e criado pelo homem e que o projeta para o futuro. O saber torna-se poder. Os processos são assim submetidos à única autoridade comumente reconhecida: a ratio técnica (razão técnica).
Os outros tipos de conhecimento não experimentável, não exprimível em termos científico-positivos, perdem o próprio direito de cidadania no reino do legitimamente comunicável e são confinados ao âmbito do privado, do subjetivo, ao domínio da opinião. Diz ele: “A verdade que ao homem cumpre manipular não é nem a verdade do ser, nem em última análise a dos seres realizados, feitos; mas a verdade da alteração do mundo – uma verdade dirigida para o futuro e para a ação”. Isso é chamado por Ratzinger predomínio do “saber-fazer”. Essa redução da natureza a dados de fatos exaurivelmente penetráveis, e com isso também manipuláveis, tem como consequência que nenhuma mensagem moral que provém de fora do perímetro do nosso eu pode alcançar-nos.
O fenômeno moral, como aquele religioso, vem considerado como pertencente à esfera da subjetividade, não tendo cidadania alguma na dimensão da objetividade. Nesse círculo fechado, tem-se um homem que espera a salvação de si mesmo e parece ser incapaz de dá-la.
Sobre a crise da filosofia moderna, a crise da metafísica, ele diz que não se pode ignorar a pergunta metafísica da interrogação filosófica e continua “lá onde não se coloca mais a questão sobre a origem e fim do real se transcura próprio àquilo que é o mais específico da pesquisa filosófica”. Nesse cenário, qual o lugar de Deus e do fenômeno religioso? A questão de Deus resulta dessa forma estranha ou Deus é colocado à margem entre as coisas que são tidas como importantes para o homem, para o conhecimento e a transformação do mundo. Joseph Ratzinger não fala tanto de um ateísmo teórico, mas de um ateísmo prático, que poderia ser assim enunciado: “Também se Deus existe, este não modifica substancialmente a vida do homem e do mundo”. Essa lógica aprisiona o homem na sua factualidade, traindo a sua natureza mais profunda, tendo como consequência última e lógica e ao mesmo tempo dramática a destruição do homem mesmo, a sua abolição. Então Ratzinger diz que esta ignora aquela abertura constitutiva do homem ao mistério do ser, que ele expressa e sintetiza em três aspectos característicos da dinâmica espiritual do homem: a procura de sentido; a lei fundamental do ekstasis como manifestação do significado da pessoa; a capacidade humana do divino.
A procura do sentido: a natureza humana não pode ser saciada pela pura positividade dos fatos. O texto de Mateus 4,4 oferece a Ratzinger o elemento para sublinhar o significado global da existência. Diz ele: “Com efeito, o homem não vive apenas do pão da factualidade; com efeito, ele vive do amor, do sentido das coisas. O sentido é o pão que lhe possibilita subsistir, em sentido próprio como homem. Sem a palavra, sem uma finalidade, sem amor o homem chega à situação de não mais viver, mesmo cercado de todo conforto humano”. O homem necessita de um sentido que preencha a sua solidão: “Esta solidão pode ser superada não por meio da razão, mas por meio de uma presença, de um ser que o queira bem”. O homem pode vencer a solidão somente experimentando a existência como um ser amado.
Ratzinger diz que a questão do sentido não opcional, elemento assessório a uma vida em si já completa, mas é a condição mesma para poder viver, é aquilo que só pode justificar a sua transmissão às futuras gerações. Enfim, o homem que busca um sentido último e onicompreesivo percebe que esse sentido não pode vir da ciência e nem criado do fazer e do operar, mas pode somente ser esperado e recebido daquele que é “outro”de si.
A lei fundamental do ekstasis como manifestação do significado original da pessoa: esse é um principio que norteia toda a teologia de Ratzinger. “De ekstasis”, sair de si. A história da salvação, por exemplo, vem compreendida à luz desse princípio como um grande êxodo. Da vocação de Abraão ao seu cumprimento no sacrifício pascal de Cristo, que permanece presente e se desenvolve no mundo pela abertura missionária da Igreja. A profissão batismal representa um sair do próprio “eu” autônomo para entrar no “nós” da comunidade eclesial. A vida cristã é caracterizada por essa dinâmica de “sair de si” sobre a base de Mateus 10,39, “Somente quem perde a vida a encontra”.
Para Ratzinger, também a moderna pesquisa da antropologia filosófica consiste na própria superação de si: a abertura, a relação com a totalidade, faz parte da essência do Espírito, assim que somente no superar-se possui-se a si mesmo. O verdadeiro centro da existência humana aparece assim ser “ex sistere”, fora de si, somente movendo para o qual o homem pode atingir o seu “en si” próprio. Para ele, Deus é um ser dialógico, em que a essência é ser relação; somente uma compreensão do homem como “pessoa”, entendido como relação e abertura ao outro, como atuação permanente da dinâmica do êxodo, respeita a peculiaridade do Espírito humano, criado “à imagem e semelhança de Deus”. Enfim, diz Ratzinger: “O outro, por meio do qual o Espírito torna-se a si mesmo, é aquele completamente outro, ao qual, balbuciando, pronunciamos o nome Deus”.
A capacidade humana do divino: se o homem é busca de significado da realidade, se o seu ser pessoa se realiza na abertura, no ekstasis, deve-se concluir que a sua medida é somente o infinito, o tudo, é Deus mesmo. Esse é o aspecto que distingue o espírito humano: “O homem é ser capaz de pensar o totalmente diverso, o transcendente, isto é, Deus, como quer que o chame”. Diz Ratzinger: “Se poderia dizer que o homem representa aquela fase da criação, aquela criatura à qual é dada a possibilidade de ver a Deus e então de participar a vida. (…) Devemos agora acrescentar que essa abertura não é um ‘a mais’ na existência, a qual poderia também ser vivida independente dessa, mas que tal abertura representa aquilo que é mais profundo no homem, ou seja, propriamente aquilo que chamamos alma”. Essa “capacidade” humana do divino vem implicitamente, mas claramente sugerida pelo mesmo texto bíblico do Gênesis quando descreve a criação do homem. Aqui duas afirmações são significativas: Deus criou um ser que pode pensar e conhecer aquele que o criou; o fato de ser criado à imagem e semelhança de Deus, diz ele, “A semelhança com Deus significa ‘referência’, é uma dinâmica que coloca em movimento o homem e o orienta para o completamente outro, significa capacidade de relação, significa que o homem é capaz de Deus. Em consequência, o homem é ‘ele mesmo’ em máxima potência quando sai de si, quando é capaz de dizer ‘tu’ a Deus. Essa dinâmica se cumpre somente com o Adão definitivo, aquele que é a perfeita imagem e semelhança de Deus e que por isso revela exemplarmente que é o homem. A abertura para Deus torna-se, de fato, orientação para Cristo, para o seu corpo ressuscitado, para o qual não somente o homem, mas toda a realidade, tende, e na qual ambos se tornam plenamente ‘ele mesmo’”.
Comments0