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Em momentos de grandes tragédias, mobilizações, mutirões e trabalho voluntário canalizam a ajuda para aqueles que mais necessitam. A sensação literal da “perda de chão” provoca dores e traumas eternos àqueles que tiveram seus sonhos destruídos. Bens materiais perdidos em pouco tempo e o emocional fortemente abalado resultam em dor e sofrimento por toda uma vida. As fortes chuvas que atingiram a cidade de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, no dia 15 de fevereiro deste ano, deixaram muito mais que rastros de lama e destruição para trás. Trabalhos de uma vida inteira, famílias destroçadas pela perda de entes e um saldo de 233 mortos e milhares de desabrigados na maior tragédia da história da cidade. Na ocasião, o temporal, que registrou 260 milímetros de volume em seis horas de chuva, configurou o recorde registrado pelo Instituto Nacional de Meteorologia no Brasil. A rápida mobilização da população da cidade e de voluntários que subiram a serra para ajudar na busca por desaparecidos foi essencial para impedir que a tragédia fosse ainda maior. Escolas e igrejas transformaram-se em abrigos e diversos centros de recolhimento de donativos, roupas e materiais de higiene pessoal na Cidade Imperial e na capital fluminense formaram uma corrente de solidariedade para que a ajuda chegasse aos necessitados quanto antes.
Ao deparar com a situação em Petrópolis por meio dos noticiários, o empresário Felipe Gonçalves não teve dúvidas e saiu de sua casa no Rio de Janeiro (RJ) para prestar ajuda na cidade serrana. Como voluntário, atuou mais precisamente no bairro de Caxambu. “Ao chegar fui informado que era o local de maior necessidade de voluntários. Trabalhei escavando a lama, pois havia relato de pessoas soterradas nessa localidade. O trabalho consistia em remover os escombros e retirar a lama em busca de algum vestígio de corpos”, recorda.
Ele relata que ao chegar à cidade o cenário de grande destruição chamava a atenção. “Tenho parentes que moram na cidade e o costume de visitá-la com frequência. Foi muito triste encontrar um local totalmente destruído. Era lama por toda parte, moradores e comerciantes em mutirões de limpeza numa luta contra o tempo. Árvores gigantescas caídas, além das encostas que deslizaram interditando os acessos aos bairros mais distantes”, conta. Ainda assim era possível identificar a força de vontade das pessoas em todos os aspectos para que a vida voltasse logo ao “normal”, “Por meio de atos de voluntários nos trabalhos de buscas de vítimas, nos mutirões de limpeza das ruas e conservação do que restou do patrimônio da cidade, bem assim como nas doações de alimentos e roupas”, enumera.
Essa não foi a primeira vez que o empresário atuou como voluntário. “Quando morei em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro, ocorreu uma enchente que causou bastante destruição. Na ocasião, ajudei na distribuição de mantimentos para as famílias atingidas pelo desastre”, relembra.
Com o passar dos meses é comum que o apoio e donativos às vítimas da tragédia diminuam de forma gradativa, por isso a necessidade de um auxílio contínuo deve ser prioridade em casos como o que aconteceu na Cidade Imperial.
Pensando nisso, a Diocese de Petrópolis segue incansável na ajuda aos desabrigados com iniciativas permanentes, como o projeto Presença Samaritana, que conseguiu ampliar sua rede de colaboradores e apoio para atender as vítimas da tragédia, como explica o coordenador do projeto, o Diácono Marco Carvalho:
“Nosso objetivo é buscar parceiros para que possamos atender as famílias em suas necessidades, sempre com dignidade e com caridade cristã”.
Criado em 2011 para atender as vítimas das tragédias de Teresópolis (RJ), São José do Vale do Rio Preto, Areal e Vale do Cuiabá, em Petrópolis, o projeto Presença Samaritana foi idealizado pelo bispo de Petrópolis, Dom Gregório Paixão, osb e recebe o apoio de padres de paróquias da região. Desde então, o objetivo é atuar em conjunto com as pastorais sociais, que fazem levantamentos por meio das assistentes sociais para identificar as carências de cada família. A pastoral ajuda no acompanhamento com visitas mensais às famílias ou a pessoas em situação de vulnerabilidade:
“A missão desse projeto é a defesa da garantia dos direitos sociais quanto a assistência social, moradia, entre outros aspectos, além do exercício da cidadania para a redução das desigualdades sociais”.
O acolhimento às vítimas das chuvas aconteceu em diversos locais, principalmente na Paróquia Santo Antônio, no Alto da Serra, onde mais de 250 pessoas foram atendidas durante a primeira semana da tragédia. A Diocese de Petrópolis reativou o projeto Presença Samaritana para atender as vítimas, desabrigados e desalojados. Ao longo dos meses seguintes, recebeu doações vindas das mais diversas regiões do país. “Não vamos abandonar ninguém e por meio da Presença Samaritana pretendemos atender todos”, afirmou Dom Gregório Paixão.
O atendimento acontece em três frentes de trabalho: distribuição de cestas básicas, kits de higiene e limpeza nas paróquias às famílias afetadas pela tragédia; visita às famílias cadastradas, com acolhimento em lares por meio do Aluguel Social, ou que estão desabrigadas (residindo com parentes), além da distribuição das roupas recebidas como doações; após o mapeamento das famílias e visita das assistentes sociais, um relatório é apresentado ao coordenador da Presença Samaritana para que a ajuda possa ser direcionada à necessidade de cada família.
Marco Carvalho, diácono permanente, organiza o trabalho com apoio de uma equipe para que as doações cheguem até às famílias. “O cadastro é importante para entender qual é a demanda da cidade. Temos as vítimas da tragédia, além de muitos pais e mães desempregados ou sem condições para arcar com o alto custo dos alimentos e que precisam de ajuda”, explica.
A reativação do projeto Presença Samaritana sob a direção do bispo Dom Gregório Paixão conta com o apoio do clero diocesano. Para ele, o projeto deve ser contínuo e não apenas no momento de maior emergência. “Fomos surpreendidos por uma chuva descomunal. Imediatamente os padres, diáconos, religiosos, seminaristas e os cristãos da Diocese de Petrópolis se mobilizaram para acolher, alimentar e dar suporte religioso aos desabrigados e enlutados. Esse trabalho foi feito com eficácia, agilidade e competência graças ao projeto Presença Samaritana, organizado pela diocese desde a catástrofe de 2011”, explica Dom Gregório, antes de completar: “Realizar uma atividade caritativa em meio a uma tragédia é cumprir o mandado de Jesus que nos pediu para alimentar e acolher os mais pobres e necessitados. Descobrimos, por meio da ação caritativa, que somos capazes de dilatar o nosso coração cristão e nos abrir às necessidades dos outros, numa partilha fraterna e verdadeiramente cristã”, enfatiza.
A importância da fé e o espírito de compaixão devem ser valorizados e colocados em prática diariamente: “Aprendemos, na prática, o que na teoria já sabemos. Esses dias nos revelaram que a fé sem obras é morta e que, no fim das contas, em vez de ajudarmos fomos evangelizados pela presença de Jesus nas pessoas dos mais pobres e necessitados que chegam a nós desejando tão somente um coração acolhedor, uma mão amiga e uma palavra de carinho”, explica Dom Gregório.
As iniciativas seguem e com o objetivo de tornar a ajuda permanente, o projeto Presença Samaritana iniciou em abril parceria com outro projeto, o Mãos do Bem. Idealizada por um grupo de mães, o Mãos do Bem criou uma loja solidária, um espaço onde as pessoas, vítimas da tragédia em Petrópolis, podem ir ao local escolher as roupas de que precisam num ambiente humanizado. Michele Amaral e Raquel Troyack, integrantes do projeto Mãos do Bem, falaram sobre os objetivos e como surgiu a proposta de criar um espaço digno para as pessoas escolherem as peças de roupas que necessitam: “Vendo que os pontos de apoio estavam lotados e as pessoas sem suas casas para guardar seus pertences e doações, tivemos a ideia de criar a lojinha solidária. Queremos dar dignidade para que possam fazer suas próprias escolhas, sentindo-se amparadas e acolhidas após tantas perdas”. A ida das famílias cadastradas pela assistente social do projeto Presença Samaritana à lojinha é sempre agendada. No local, elas são recebidas pelas coordenadoras do projeto e por voluntários e escolhem as roupas, que ficam expostas em cabides ou em caixas separadas por tamanho, sexo, adulto e infantil.
Para o Diácono Marco Carvalho, os dois projetos se completam, pois convergem o olhar para as vítimas da tragédia com o respeito que elas merecem. “Não é porque perderam tudo que merecem ganhar as coisas de qualquer jeito. As roupas doadas passam por uma triagem. As mães e voluntários do projeto Mãos do Bem fazem nova revisão, pois, com olhar de mãe e a sensibilidade feminina, querem que cada pessoa receba o melhor”, reforça o coordenador do Presença Samaritana. Nunca é tarde para ajudar!
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