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É bastante conhecida a estória que se encontra nos versículos 21 a 24 do capítulo 2 do livro do Gênesis: O SENHOR anestesiou o homem, tirou-lhe uma costela e dela fez a mulher. A mulher teria sido criada, então, depois, bem depois do homem, que se encontrava sem companhia no jardim do paraíso. E teria sido tirada do corpo do homem, parte de suas costelas.
O mesmo livro do Gênesis, porém, no seu capítulo primeiro, versículo 27, diz que, no sexto dia, Deus criou o ser humano homem e mulher e que os criou à sua imagem. E, sem mais, logo em seguida manda que se multipliquem, ocupem e encham a terra.
E, aí, vem a pergunta: Deus criou a mulher de um pedaço do homem e para ser sua companheira, ou já criou o ser humano masculino e feminino para que a humanidade se multiplicasse e enchesse a terra? Onde está a história verdadeira? Como foi criado o primeiro casal humano? Ou seriam setas diferentes a apontar rumos ou metas diferentes? Compensa admirar ou discutir as setas?
As metas
O livro do Gênesis juntou escritos de épocas, situações e problemas diferentes. A verdade da Bíblia não é a verdade histórica, muito menos, a verdade científica. É a verdade de uma visão de fé sobre realidades e situações diferentes. Usa para isso estórias e lendas que correm na época e no lugar onde os textos são escritos. Faz delas setas diferentes a apontar rumos diferentes.
A criação da mulher tirada da costela do homem para que ele tivesse uma companheira do seu nível, faz parte do escrito composto no tempo do rei Salomão. Esse, para se dar bem na política interna tomou uma esposa da tribo de Judá e outra das tribos de Israel. Em função da política externa, casou-se com uma filha do faraó, o rei do Egito. Para conseguir bons acordos comerciais, casou-se também com uma filha do rei de Tiro. As quatro rainhas esposas foram utilizadas na sustentação do seu poder. Concubinas em grande quantidade eram objetos do seu prazer.
Mulher não tinha qualquer valor. Isso é antigo. Na formulação mesma dos mandamentos (veja no livro do Êxodo capítulo 20, versículo 17) a mulher é um pertence do homem como casa, animais e escravos.
Em nossa estória a coisa é outra. O ser humano (Adão quer dizer ser humano) está sozinho e Deus cria os animais domésticos e selvagens para que lhe sirvam de companhia. O ser humano dá nome, é senhor e dono de tudo e de todos. Continua, porém, sozinho. A relação de poder só aumenta a solidão. Aí entra a antiga lenda da divisão do ser humano em mulher e homem (em hebraico ichá e ich). “Agora, sim, é osso de meus ossos, carne de minha carne”, iguais em carne e osso, “por isso os dois serão uma só carne”.
A meta: Casamento é a oportunidade de uma mulher e um homem buscarem refazer a unidade primitiva, completarem-se um ao outro, voltarem a ser “uma só carne”, um só ser humano.
O outro escrito é da época do exílio da Babilônia. A Terra Deliciosa estava abandonada e vazia, grande parte da população tinha morrido na guerra e outra grande parte fora levada para a Babilônia. “De uma terra deliciosa fizeram um deserto” dizia, então, o profeta Zacarias (7,14). O sonho era voltar para a Terra, ocupá-la, cultivá-la, tornar a enchê-la de gente. Imagine os primeiros leitores deste escrito!
Quando o texto diz que Deus criou o ser humano com sexos diferentes e mandou que se multiplicasse, enchesse e dominasse a terra, isso era a meta, o sonho que queriam ver realizado na sua pátria!
Sua religião cultuava um Deus bom, único e sem imagens. Na Babilônia só lhes ofereciam, em inúmeras imagens e semelhanças, deuses bons e, ao lado, deuses maus ou demônios, os verdadeiros criadores da matéria. Deus é único, bom, vê que é bom tudo o que criou, inclusive o ser humano sexuado, “muito bom”. Imagem e semelhança de Deus não é uma estátua, é o ser humano, mulher e homem. “E ele os criou à sua imagem, homem e mulher os criou” “e Deus viu que era muito bom!”.
A primeira meta: A mulher não é propriedade, é a outra metade do homem e os dois devem formar um só. A outra meta: Mulher e homem é coisa boa, é imagem de Deus e permite que o ser humano tenha filhos, preserve a espécie, ocupe os espaços.
Não vale mais olhar para as metas do que discutir as setas?
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