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Todos os anos, no primeiro domingo após o da Páscoa, a Igreja celebra a Festa da Divina Misericórdia, instituída pelo saudoso Papa São João Paulo II, atendendo ao pedido que Jesus insistentemente fez a Santa Faustina Kowalska (polonesa), cujo processo de beatificação foi conduzido pelo mesmo Pontífice.
É neste domingo que a Igreja celebra a instituição da Sagrada Confissão (Sacramento da Penitência), que Jesus constituiu no mesmo dia de sua Ressurreição. Aparecendo aos Apóstolos reunidos no Cenáculo – no domingo da Ressurreição – Jesus disse: “Recebei o Espírito Santo, aqueles a quem perdoardes os pecados, os pecados lhes serão perdoados; aqueles a quem não perdoardes os pecados, os pecados não serão perdoados” (Jo 20,22).
É importante também fazermos memória àquilo que Nosso Senhor Jesus Cristo disse à Santa Faustina, referente a este assunto:
“Minha filha, fala a todo o mundo da Minha inconcebível misericórdia. Desejo que a festa da Misericórdia seja refúgio e abrigo para todas as almas, especialmente para os pecadores. Neste dia, estão abertas as entranhas da Minha misericórdia. Derramo todo um mar de graças sobre as almas que se aproximam da fonte da Minha misericórdia. A alma que se confessar e comungar alcançará o perdão das penas. Nesse dia, estão abertas todas as comportas divinas, pelas quais fluem as graças. Que nenhuma alma tenha medo de se aproximar de mim, ainda que seus pecados sejam como o escarlate. A Minha misericórdia é tão grande que, por toda a eternidade, nenhuma mente, nem humana, nem angélica a aprofundará. Tudo o que existe saiu das entranhas da Minha misericórdia. Toda alma contemplará em relação a Mim, por toda a eternidade, todo o Meu amor e a Minha misericórdia. A Festa da Misericórdia saiu das Minhas entranhas. Desejo que seja celebrada solenemente no primeiro domingo depois da Páscoa. A humanidade não terá paz enquanto não se voltar à fonte da Minha misericórdia” [Diário 699].
Há uma promessa de que se nos confessarmos e recebermos a Sagrada Comunhão seremos completamente perdoados pela misericórdia sempre infinita de Nosso Senhor. Mas em tempos de pandemia tal qual estamos vivenciando, como poderemos ter acesso a estes salutares sacramentos com as igrejas fechadas tornando o acesso físico aos mesmos praticamente impossível?
Há três passos que podemos seguir para receber essa graça:
Como estamos impossibilitados de recorrer ao sacramento da confissão, o sábio Magistério da Igreja Católica em seu Catecismo, prevê tal situação nos parágrafos 1451 e 1452, vejamos:
1.451. Entre os atos do penitente, a contrição ocupa o primeiro lugar. Ela é «uma dor da alma e uma detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar no futuro».
1.452. Quando procedente do amor de Deus, amado sobre todas as coisas, a contrição é dita «perfeita» (contrição de caridade). Tal contrição perdoa as faltas veniais: obtém igualmente o perdão dos pecados mortais, se incluir o propósito firme de recorrer, logo que possível, à confissão sacramental.
Ou seja, a partir de uma contrição perfeita nossos pecados veniais e mortais são perdoados, desde que tenhamos o firme propósito de que assim que for possível, quando nossa situação voltar à normalidade, buscar um sacerdote para realizar a confissão.
Como as Igrejas estão fechadas, não podemos receber a Sagrada Comunhão. Porém, podemos fazer a comunhão de forma espiritual, que é quando Nosso Senhor vem até o nosso coração como se tivéssemos o recebido sacramentalmente. Nestes tempos, onde temos à disposição os meios de comunicação, diante dos impedimentos, podemos participar da liturgia de nossas casas a partir das mídias sociais como o Facebook e o YouTube, ou através dos diversos canais de televisão e emissoras de rádio de inspiração católica.
No momento da comunhão, reze o “Ato de comunhão espiritual”: “Oh Jesus meu, creio que estais presente no Santíssimo Sacramento, te amo sobre todas as coisas e desejo receber-Te em minha alma. Já que agora não posso fazê-lo sacramentalmente, venha ao menos espiritualmente a meu coração. Como se já tivesse recebido, te abraço e me uno todo a Ti, não permitais, Senhor, que jamais me separe de vós. Amém”.
Enquanto reza a oração acima, mantenha no coração o propósito de retornar a comungar o Santíssimo Sacramento fisicamente assim que possível.
“Senhor Jesus, o Senhor prometeu a Santa Faustina que a alma que se confessasse (eu não posso, mas eu fiz o ato de contrição) e recebesse a Sagrada Comunhão (eu não posso, mas eu fiz a comunhão espiritual) irá receber o perdão de todos os seus pecados e culpas. Por favor, Senhor Jesus, me dê essa graça”.
E nós irmãos carmelitas, como podemos viver a misericórdia de Deus não apenas neste segundo domingo da Páscoa, mas no decorrer de nossa caminhada espiritual?
A meu ver, o caminho da misericórdia e sua consequente vivência, passam por dois momentos distintos, mas que são intimamente ligados e se retroalimentam continuamente.
O primeiro momento é o despertar da consciência de que Deus é misericórdia e essa misericórdia é derramada gratuitamente em nossa vida constantemente. Se parássemos por um momento (este momento de pandemia é propício para esses momentos de reflexão) e pensássemos quantos momentos de nossa vida Deus mostrou a sua misericórdia para conosco teríamos infinitos motivos para agradecer. Embora esta reflexão seja individual, pois a intervenção divina é particular na vida de cada um, citarei aqui alguns exemplos:
– O fato de você estar lendo estas palavras, já lhe dá motivos para agradecer a misericórdia de Deus, que lhe permitiu ter um meio para acessar estas palavras (um computador, laptop, smartphone, tablet), lhe permitiu ser alfabetizado para conseguir ler, lhe deu inteligência para interpretar cada palavra aqui escrita, lhe deu olhos sadios para enxergar estas palavras, ou se você é um deficiente visual e está utilizando recurso de leitura da página é a misericórdia de Deus agindo a partir da inclusão social em sua vida.
– E os livramentos de nossa vida? Quantos são os casos em que nos atrasamos para fazer algo e acabamos nos livrando de acidentes ou situações horríveis? E, no fim, não raro, ainda reclamamos pelo atraso.
– E as vitórias da vida, o que dizer delas? A primeira comunhão, a primeira casa, o primeiro namoro, o primeiro filho, passar no vestibular, a primeira viagem, o primeiro carro, o casamento, a formatura dos filhos, a própria formatura, os netos, a ascensão profissional, os sonhos realizados, enfim, manifestações visíveis da misericórdia de Deus em nossa vida.
– Mas não são apenas as vitórias, é possível enxergar a misericórdia de Deus nas ditas “derrotas” da vida? Claro que sim, sem dúvidas. Momentos adversos acontecem para que cresçamos, aprendamos e nos tornemos pessoas melhores. Algo adverso que acontece hoje, pode ser a misericórdia de Deus agindo para que nos livre de algo ainda pior ou Deus nos pedindo para que sejamos mais confiantes em seu amor e sua caridade.
– Mas é sabido por nós, carmelitas, que Deus também se manifesta na leve brisa como no episódio em que Ele se manifestou a nosso Pai, o Profeta Elias. Nestes momentos é preciso um pouco mais de intimidade com Ele para enxergarmos sua misericórdia e contemplarmos a beleza oculta em uma palavra de consolo, em um sorriso, em um abraço ou em uma lágrima. Uma vida de oração e vivência sacramental nos permite ter uma vida ascética para conseguir contemplar essa beleza oculta.
Consegue olhar para a sua própria vida, meu caro irmão, e enxergar essa misericórdia fluindo por cada evento de sua existência? Devemos fazer este exercício até o momento que possamos dizer assim como o salmista: “Cantarei para sempre as misericórdias do Senhor” (Sl 89,1).
Santa Teresa D’Ávila possuía essa consciência e não raro em seus escritos ela menciona o amor e a gratidão pela Divina Misericórdia, quero citar apenas um trecho do livro da Vida: “… Quantas são as razões pelas quais posso cantar Tuas misericórdias para sempre! Suplico-te, meu Deus, que possa cantá-las sem fim já que dignastes outorgar sobre mim misericórdias tão excepcionais…” (Vida 14,10-11).
O segundo momento de nosso caminho da misericórdia é justamente o fato de adquirirmos a consciência de que se recebemos gratuitamente e constantemente a misericórdia divina, devemos ser instrumentos desta mesma misericórdia para o nosso próximo, para desta forma construirmos famílias misericordiosas, comunidades misericordiosas, sociedades misericordiosas, enfim, a partir da misericórdia auxiliar na construção do Reino dos Céus já aqui, agora.
Como não lembrarmos as palavras de Jesus no Evangelho de São Lucas, que nos diz: “Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai” (Lc 6, 36). Isso nos traz uma questão muito propícia aos tempos difíceis em que vivemos: Nós, por nossa vez, somos cristãos (carmelitas, esposos, filhos, companheiros de trabalho…) misericordiosos e bondosos para com os outros? O Papa Francisco possui uma frase que vem de encontro à nossa reflexão: “Quem experimentou na própria vida a misericórdia do Pai, não pode permanecer insensível diante das necessidades dos irmãos”.
Sempre que nos fazemos essa pergunta, somos automaticamente condicionados a responder, da seguinte forma: “O que eu poderia fazer (+ conjunção subordinativa condicional “se” + a famosa desculpa)…”, exemplos:
– O que eu poderia fazer SE eu não sei falar?
– O que eu poderia fazer SE eu não sei escrever?
– O que eu poderia fazer SE eu não tenho dinheiro?
– O que eu poderia fazer SE eu não disponho de tempo?
– O que eu poderia fazer SE eu não tenho nenhum dom especial?
O Senhor não nos pede para fazermos algo que está além de nossa capacidade física, espiritual, psicológica ou financeira, sempre podemos fazer algo para o próximo com aquilo que temos disponível à nossa mão, neste exato momento. Ou seja, fazer aquilo que podemos, com as ferramentas que Deus mesmo nos concedeu para utilizar.
Neste momento a maneira que pude encontrar de servir de canal de misericórdia à audiência deste site é escrevendo estas palavras, adoraria estar neste momento em algum hospital ajudando onde as pessoas estão perdendo suas vidas por conta desta pandemia. Consigo fazer isso agora? Infelizmente não, pois não disponho de conhecimento técnico para me colocar a serviço da misericórdia divina com esse trabalho. Mas em tempos normais, será que um médico não gostaria de ajudar uma pessoa que está sendo injustamente acusada diante de um tribunal advogando em seu favor? Obviamente que sim, ele pode fazer isso? Não, pois não dispõe de ferramentas para executar essa defesa diligentemente.
>> Clique aqui e recorde as palavras de São Paulo aos Coríntios (1 Cor 12, 12-31)
O que quero dizer com isso irmãos, é que sempre podemos fazer algo para sermos canais de misericórdia. Seja dando uma palavra de consolo, seja tendo uma escuta ativa enquanto alguém desabafa algum problema, uma palavra de estímulo, ou dando o seu melhor na cozinha para alimentar sua família da melhor forma possível ou, ainda, doando seu tempo para ajudar alguém necessitado. São tantas situações que com certeza Deus iluminará nosso entendimento e nossa criatividade desde que nos coloquemos à disposição para Sua misericórdia fluir no mundo. Finalizo essa mensagem pedindo a Nossa Senhora do Carmo, Santíssima Virgem Maria, que nos ensine a ser instrumentos da misericórdia divina.
Um abraço fraterno,
Irmão Davi Rufino, OTCarmo
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