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O altruísmo, condição fundamental para a civilização, está em falta. Estabelecida uma comparação com outros tempos, é preocupante a situação. Hoje, inclusive, pouco se fala sobre altruísmo. Muitos deveriam recorrer ao dicionário para se inteirar sobre o significado dessa palavra, relacionada a uma qualidade que deveria ser exercida em todo lugar. O déficit lastimável de altruísmo cresce em razão da falta de práticas marcadas por esse atributo. Uma das exceções dessa triste realidade é formada por segmentos que ainda se preocupam com o cuidado social dos que estão em situação de vulnerabilidade. Porém, para enfrentar os cenários de miséria e exclusão, precisa-se de maior soma de esforços. Na contramão do altruísmo, está a indiferença para com os pobres pela dificuldade de repartir.
Quando se compreende o altruísmo como capacidade humana de tender sempre ao cuidado com o outro, diante da realidade atual, constata-se a vitória da ação antagônica, o egoísmo. Por isso, surgem cenas abomináveis e há extrema dificuldade para sair das graves crises que estão afligindo a sociedade. É triste, por exemplo, ver a confusão no cenário político brasileiro. Em evidência estão os esquemas bárbaros de corrupção, que envolvem partidos diversos, vários segmentos da sociedade e cidadãos, revelando o peso determinante de egoísmos doentios. Constata-se também a incompetência no exercício da liderança para encontrar novos rumos. A carência de altruísmo é um mal generalizado. Dos ocupantes de altos cargos aos que são responsáveis pelos afazeres mais simples, todos podem ser afetados por essa carência que inviabiliza a solução de problemas sociais. A falta de respostas capazes de superar as crises emana da incompetência humanística e espiritual que confina grupos políticos, construtores da sociedade e religiosos na mesquinhez de interesses e de comodidades.
Pode-se observar diferentes situações sociopolíticas, culturais e religiosas, nos diversos âmbitos da sociedade brasileira, que sempre se constata a prevalência de uma apatia instalada. Basta acompanhar pela mídia o que é noticiado no cenário político. Trata-se de uma saga novelesca que envolve manobras, ataques, tramas, agressões, defesas, articulações. Tudo o que se encontra em uma novela de pouca qualidade formativa. Os líderes pecam por falta de altruísmo, mal que inviabiliza ações generosas, com relevante sentido social e humanitário, em diversos segmentos – nos serviços da educação, da vivência da fé, da construção em geral da sociedade.
Interrogados, todos responderão que desejam a superação das crises. Mas a solução esperada é sempre uma oferta feita pela outra parte. O ponto de partida, porém, deve ser o altruísmo – reconstruir e encontrar saídas pelo gesto de oferecer primeiro. Só um espírito altruísta é capaz de abrir mão de benefícios, status e até de conquistas pessoais com o objetivo de se alcançar um novo estágio, o bem comum. Isto não se faz sem competência humanística. Uma qualidade que não deixa o indivíduo instalar-se na linha abominável da mediocridade, na estreiteza que não permite pensar projetos maiores.
Lamentavelmente, empenha-se muito para preservar a mesquinhez, o egoísmo de ajuntar para si e permanecer na ilusão de que a vida vale pelo que se tem, não pelo que se é ou pelo que se faz em benefício do outro. Explicitam-se assim as razões que incapacitam os governantes para discernir e escolher bem, perpetuando necessidades e demandas do povo. A falta de altruísmo afeta até mesmo os âmbitos da cultura, de sua produção. Apequena também a religiosidade, transformada em lugar de disputa, de autoafirmação e de pouca contribuição. Eventuais soluções para as outras crises, como a econômica, correm o risco de serem enfraquecidas justamente pela falta de altruísmo.
Essa qualidade, fruto da educação familiar, escolar e religiosa, é um remédio indispensável para a superação de irracionalidades. O momento é de povoar os cenários da política, do mundo da educação, da cultura, do empreendedorismo e da família com figuras que primam por gestos marcados pelo altruísmo.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
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