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O Irmão lassalista Israel José Nery, conhecido especialista em Catequese, presidente da Sociedade dos Catequetas Latino-americanos (SCALA), está morando desde janeiro de 2012 em Santiago do Chile, ocupando a função de provincial auxiliar da Província La Salle Brasil-Chile, resultado da união de três Províncias Lassalistas; São Paulo, Porto Alegre e Chile, com um território de ‘missão ad gentes’ em Moçambique.
Em entrevista ao A12.com, Irmão Nery contou que esteve presente na abertura do Concílio Vaticano II e sobre sua emoção como jovem estudante de Teologia nesse momento de grande renovação da Igreja Católica, falou sobre os desafios que a Catequese enfrenta na atualidade, as mudanças “revolucionárias” que o Concílio propôs à Catequese e enfatizou a necessidade da Catequese passar por uma mudança de compreensão e prática de “catequese tradicional de preparação aos sacramentos ou catequese de iniciação cristã” para uma proposta renovadora da “Catequese de Iniciação à Vida Cristã” que tenha como meta a formação dos discípulos missionários.
“A proposta renovadora é que, no itinerário catequético, se coloque como meta ‘formar discípulos missionários’, no contexto atual, isto é, realmente convertidos e comprometidos; e, neste itinerário, colocar os sacramentos como alimento da caminhada e não mais como ponto de chegada. Para isso, porém, é essencial fazer acontecer a ‘conversão pastoral e a conversão das estruturas pastorais’. Isso evidentemente envolve os padres, os catequistas, as lideranças das comunidades e todo o povo de Deus e quem escreve, compõe e atua nos meios de comunicação. A catequese renovada requer um ambiente que testemunhe a fé anunciada, requer vida comunitário e compromisso com os valores do Evangelho… A educação integral da fé requer mais do que ‘encontros de catequese’, cursinhos…”
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Portal A12 – O que representou e representa o Concílio Vaticano II em sua vida de Religioso e de especialista em catequese?
Irmão Nery – Estive na Praça São Pedro quando da abertura solene do Concílio Vaticano II, no dia 11 de outubro de 1962. Como jovem estudante de Teologia na Universidade Lateranense em Roma, de 1961 a 1964, vivi intensamente tudo o que se referia a este magno evento, que deu um novo rumo a meus estudos e, à minha opção pela vocação e missão de Religioso Irmão de La Salle. Minha vida foi profundamente marcada por João XXIII e Paulo VI, por vários biblistas e teólogos da época e, obviamente, pelos documentos do Concílio, mais ainda, pelo espírito conciliar, que trouxe para dentro da Igreja Católica “ar novo”, “aggiornamento”, “renovação”. Não posso deixar de mencionar a marca deixada em mim pelo modo como nós na América Latina e, sobretudo no Brasil, vivemos a “receptio” (a acolhida) criativa e inculturada do Concílio, principalmente por meio das grandes Conferências do Episcopado da América Latina e do Caribe como Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007), juntamente com a influência no pensamento teológico, na espiritualidade e na práxis pastoral, advinda da Teologia Latino-americana, inicialmente conhecida como Teologia da Libertação.
Portal A12 – O senhor se especializou em Catequese. Que lugar ocupou a Catequese no Concílio e qual o lugar da Catequese na vida da Igreja?
Irmão Nery – Posso afirmar que a “catequese”, comumente conhecida como “cursinho de preparação aos sacramentos da iniciação cristã (batismo, confirmação e eucaristia)” e, também, como “aprender o catecismo” não apareceu nas preocupações do Concílio Vaticano II. Mas, o mais importante apareceu, isto é, a Catequese como privilegiado processo de formação do cristão, do seguidor de Jesus Cristo, membro da Igreja e comprometido com a evangélica transformação do mundo. Os documentos conciliares privilegiam este horizonte e esta prática. Houve, sim, quem propusesse um Catecismo (o Cardeal Otaviano e o arcebispo Lefèbvre – que depois se separou da Igreja Católica). O Concílio preferiu solicitar a elaboração de um Diretório de Catequese, que foi publicado em 1971 com o título “Diretório Catequético Geral – DGC”, que infelizmente ficou desconhecido no Brasil.
A Catequese, como mediação privilegiada para a iniciação à vida cristã, isto é, formação do discípulo missionário de Jesus Cristo, comprometido com a Igreja e sua missão, é fundamental na vida da Igreja. Em muitas dioceses e paróquias ela ainda não é considerada assim, pois está reduzida, tanto na compreensão como em sua prática, à catequese sacramental e destinada quase que exclusivamente a crianças. Está difícil mudar esta tradição de tantos séculos e fazer as mudanças requeridas pelo Concílio e pela sociedade contemporânea.
Portal A12 – Quais foram as mudanças propostas pelo Concílio Vaticano II para a catequese e os Sacramentos. Comente suas afirmações.
Irmão Nery – As principais mudanças propostas pelo Concílio para a Catequese são efetivamente revolucionárias. Pena que muita gente, principalmente entre as próprias lideranças da Igreja e entre os catequistas, pouco ou nada sabe disso. Sintetizo o tema, que é longo.
Primeiro: a centralidade do Reino de Deus. Jesus e a Igreja existem em função da construção do Reino aqui nesta terra, mas tendo sua plena realização na Vida Eterna Feliz.
Segundo: a vital importância das Sagradas Escrituras como fonte da Igreja e da sua missão e como alimento da caminhada do fiel e da comunidade eclesial.
Terceiro: a necessidade de uma nova visão e concreção da Igreja, como Povo de Deus em crescente comunhão e participação, em igualdade básica entre todos os seus membros (pela graça do Batismo e da Confirmação), e na riqueza da multiforme expressão de dons, carismas, ministérios e funções, no respeito mútuo, no diálogo e na corresponsabilidade em vista do Reino.
Quarto: a extraordinária riqueza bíblica-teológica-espiritual e pastoral da Liturgia, principalmente da Eucaristia, na vida e missão do fiel e da comunidade eclesial. Tudo isso perpassa os documentos conciliares e faz parte do espírito conciliar.
Quinto: a necessidade evangélica de sermos cristãos ecumênicos, buscando a comunhão fraterna e a ação solidária entre todos os seguidores de Jesus Cristo, mas também do diálogo religioso, científico, político e cultural, pois somos todos cidadãos deste mesmo mundo, corresponsáveis uns pelos outros, pela paz, por encontrar soluções para os problemas que afligem qualquer pessoa, grupo, país.
Durantes estes 50 anos do pós-concílio as rápidas mudanças no contexto político, econômico, social, cultural e religioso do mundo contemporâneo comprovou a sábia visão do futuro e as proféticas medidas do Concílio para a renovação da Igreja. E, mais que isso, provou que já estaríamos necessitando de um novo Concílio, já que as mudanças atingiram o cerne da civilização que, durante dois milênios, foi marcada pelo cristianismo, pois já entramos na era pós-cristã, com todas as consequências que disso decorre para o modelo de vida cristã e de Igreja que ainda somos e vivemos.
Portal A12 – Quais documentos pós-conciliares renovaram/ampliaram as perspectivas catequéticas?
Irmão Nery – Sem dúvida alguma, foram e são fundamentais, as quatro Constituições, que formam o eixo estrutural do Concílio, a sua coluna vertebral:
a) A Dei Verbum (A Palavra de Deus);
b) A Lumen Gentium (A Igreja);
c) A Gaudium et Spes (A Igreja no mundo contemporâneo);
d) A Sacrossanctum Concilium (sobre a renovação da Liturgia).
A estes documentos é preciso acrescentar vários outros, mas, sobretudo, os Decretos Conciliares Ad Gentes (sobre a atividade missionária Igreja) e Apostolicam Actuosittem (Sobre o Apostolado dos leigos). Estes documentos são essenciais para se compreender o impulso conciliar para a renovação da Igreja e de sua missão no mundo contemporâneo e, consequentemente, a renovação de todas as suas mediações evangelizadoras e formadoras, entra as quais a catequese é uma das mais importantes e privilegiadas.
E para entender a necessidade de renovação da catequese é importante conhecer alguns documentos emitidos pela Santa Sé depois do Concílio: a) Paulo VI: Evangelii Nuntiandi (A Evangelização no mundo contemporâneo – 1965); b) João Paulo II: Catechesi Tradendae (A catequese no mundo de hoje)- 1979; c) Congregação para o Clero: Diretório Geral para a Catequese (DGC) – 1997; d) Bento XVI – Verbum Domini (A Palavra de Deus na vida e missão da Igreja) – 2010.
Dos emitidos pela Conferência dos Bispos do Brasil assinalo os seguintes: a) Catequese Renovada, Orientações e Conteúdo – Doc 26, de 1983; b) Diretório Nacional de Catequese (DNC), de 2006; c) Iniciação à Vida Cristã, um processo de inspiração catecumenal – Estudos CNBB 97, de 2009; d) Com Adultos, Catequese Adulta – Estudos CNBB 80, de 2002.
Portal A12 – Estamos vivenciando uma catequese em função dos Sacramentos? Concorda ou discorda? Como o senhor analisa essa questão, a partir da necessidade de uma ‘Nova Evangelização’?
Irmão Nery – Continuar com o modelo da catequese em preparação aos sacramentos, tendo-os como ponto de chegada e encerramento da catequese, é simplesmente sinal de que se desconhece o Concílio Vaticano II e tudo o que foi pensado e escrito depois dele; e também se desconhece o mundo contemporâneo e que ele está a exigir mudanças profundas na Igreja e em seu modo de evangelizar, catequizar, celebrar e atuar nesta civilização em mudança. Afinal, as famílias cada vez menos se interessam pela fé cristã e, portanto, os filhos (cada vez em menor número) estão desprovidos de ambiente e de testemunho cristãos e de uma cultura mínima de fé cristã. A sociedade que antes era predominantemente cristã é agora tão plural que o cristianismo é apenas uma das muitas religiões no mundo e a Igreja católica é um grupo religioso entre outros, entre os quais vários são agressivamente proselitistas e aliciadores levando consigo muitos que foram batizados católicos como crianças, mas não chegaram a fazer a opção pessoal de fé…
A proposta renovadora é que, no itinerário catequético, se coloque como meta “formar discípulos missionários”, no contexto atual, isto é, realmente convertidos e comprometidos; e, neste itinerário, colocar os sacramentos como alimento da caminhada e não mais como ponto de chegada. Para isso, porém, é essencial fazer acontecer a “conversão pastoral e a conversão das estruturas pastorais”. Isso evidentemente envolve os padres, os catequistas, as lideranças das comunidades e todo o povo de Deus e quem escreve, compõe e atua nos meios de comunicação. A catequese renovada requer um ambiente que testemunhe a fé anunciada, requer vida comunitário e compromisso com os valores do Evangelho… A educação integral da fé requer mais do que “encontros de catequese”, cursinhos….
Para que haja Nova Evangelização e, portanto, nova Catequese, é preciso que muito mais lideranças da Igreja e que os fiéis católicos retomem, com profundidade e abrangência, a conversão pessoal, a alimentação adequada da paixão por Deus e pela humanidade, a vida comunitária e a missão. Mas é preciso, ao mesmo tempo, que se debrucem sobre as mudanças, desafios e oportunidades que o mundo contemporâneo apresenta à nossa fé. Acredito que este Ano da Fé, proclamado pelo Papa Bento XVI, tem tudo para que conheçamos melhor o mundo atual e as exigências do Evangelho, e assumamos, de verdade, o nosso sim consciente, esclarecido, coerente e generoso a Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida e a tudo o que dele decorre.
Portal A12 – Quais os principais desafios da Igreja quando o assunto é a Catequese com Adultos?
Irmão Nery – São vários. Limito-me a alguns deles, que considero mais pertinentes. Primeiro, convencer-nos do que escreveram, em 1983, nossos Bispos, no Documento CNBB, 26, Catequese Renovada, orientações e conteúdo, no n. 130, colocando a catequese com adultos como prioridade. Esta orientação da Igreja recebeu especial apoio dos catequistas na Segunda Semana Brasileira de Catequese, em 2001. Apesar disso, o tema continua ainda no papel. Um segundo desafio é a mentalidade tradicional, arraigada nas famílias e nas paróquias, da catequese como coisa de criança e apenas para a preparação aos sacramentos. E o pior é que esta mentalidade e prática interferem diretamente na Catequese com Adultos, inviabilizando-a, em sua própria identidade. Apenas adaptar um pouco a catequese infantil sacramental aos adultos não tem nada a ver com o sentido de Catequese com Adultos. O terceiro desafio tem a ver com catequistas específicos como “mediadores” no processo catequético, deixando o protagonismo aos próprios adultos. E o quarto desafio corresponde ao universo mental, social e experiencial dos adultos, que faz parte, na catequese, da interação fé e vida, fé Igreja e missão, fé e família, fé e política, fé e sexualidade, fé e profissão, fé e ciência, fé e cultura, etc.
Portal A12 – Como o senhor percebe a atuação dos catequistas, especialmente, após o Concílio Vaticano II?
Irmão Nery – Limito-me ao Brasil.
Primeiro: Percebo que ser catequista no Brasil é um milagre, pois é uma questão de puro Sim ao chamado do Espírito Santo, pura dedicação, puro heroísmo….Ao longo de meus muitos anos dedicados à catequese, tenho visto que ser catequista é algo inexplicável em nossa Igreja, portanto, é ação direta do Espírito Santo. A maioria dos catequistas (das catequistas, devido à quantidade de mulheres na Catequese), não tem um razoável apoio das famílias, dos párocos e das Comunidades Eclesiais. Atuam com dedicação, mas sem os subsídios necessários (Bíblias, manuais, CDs, DVDs, etc.). E não contam com ajuda financeira para participação em encontros, cursos e assembleias e nem para assinatura de revista ou compra de livros básicos. Há uma impressionante profetismo e gratuidade no serviço.
Segundo: A boa vontade e a dedicação suprem muitas carências. É evidente a falta de investimento das Comunidades na formação inicial e permanente dos catequistas. Cresceu muito no Brasil a oferta de cursos para catequistas, e até já temos “Pós-graduação em Pedagogia Catequética”, o que requer previamente um Curso Universitário. Mas a maioria dos catequistas não tem este requisito ou não tem como financiar estes cursos e outros com menos exigências acadêmicas.
Terceiro: Uma boa parte dos catequistas vive uma forte tensão entre a “catequese tradicional de preparação aos sacramentos ou catequese de iniciação cristã” (que ainda predomina entre nós) e a insistente proposta da “Catequese de Iniciação à Vida Cristã” (para formar discípulos missionários), inspirada no Catecumenato dos começos do cristianismo” (cf. Estudos da CNBB n. 97). E outra tensão grande é gerada pela dificuldade de envolver toda a comunidade no processo catequético, o que faz os catequistas assumirem muitas outras tarefas e uma responsabilidade que não seria apenas da catequese…
Inclino-me reverente diante desta imensa multidão de catequistas no Brasil (mais de 600 mil catequistas!). Parabenizo-os (as), e peço ao Divino Espírito Santo que eles (elas) possam contar, como toda a Igreja, afinal, com seu divino impulso para a “conversão pessoal” e a “conversão pastoral”, que beneficiarão significativamente a qualidade de nosso amor, de nosso testemunho, de nossa criatividade e de nossa missão. Amém!
Contato: Irmão Nery fsc (nery.israel@lasalle.org.br)
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