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A figura dos antigos padres, Adão e Eva, é um dos muitos temas encontrados nas catacumbas romanas. Os primeiros cristãos parecem ter atribuído a esse relato bíblico um significado profundamente simbólico e por isso ele goza de uma simpatia que se reflete na repetição da cena, reproduzida em alguns cubículos das catacumbas de Roma. Em artigos anteriores tivemos oportunidade de considerar que o que permite ver continuidade na iconografia das catacumbas é a leitura de tais representações como recordação de cenas que manifestam o paradigma da salvação, recebida por meio da fé em Cristo. Deus, que no passado salvou os que nele depositaram a sua confiança, continua salvando no presente, mas agora a salvação é definitiva.
O modo mais frequente de representar o primeiro casal da humanidade é situá-los frontalmente no jardim do Éden, um de cada lado da árvore da ciência do bem e o do mal. Por sentirem vergonha da própria nudez eles cobrem seus órgãos genitais com folhas de figueira, de tal modo que somos levados a considerar que a representação diz respeito ao momento imediatamente após o pecado. O livro do Gênesis nos diz que Deus os havia advertido de que comer do fruto dessa árvore os levaria à morte (Gn 2,16-17). A árvore que se encontra no centro do paraíso é representada frequentemente tendo enrolada a si a antiga serpente. De maneira simples e sintética, essa imagem faz pensar na desobediência que trouxe consigo o ingresso do mal no mundo e com ele o sofrimento e a morte (cf. Gen 3,14-19).
A serpente é a representação do maligno, o tentador que levou os patriarcas ao pecado. O tema do demônio e da morte ligado à figura de um animal é presente também na história de Jonas. Tanto Adão e Eva quanto Jonas foram vítimas de um monstro: Adão da serpente e Jonas do animal marinho. Metódio de Olimpo costumava dizer que “Jonas, que foge longe do rosto de Deus, é o primeiro homem que transgrediu o mandamento e recusa-se a deixar-se ver nu, privado de sua imortalidade, despojado pelo pecado da confiança que nutria pela divindade”. Ambos foram desobedientes a Deus. O mal é então lido como a consequência inevitável de um uso desordenado da liberdade que conduz naturalmente à morte. A morte é menos um castigo do que uma consequência do mau uso da própria liberdade.
A figura do mal e da morte como um monstro devorador é presente na iconografia cristã antiga e é abundante durante toda a Idade Média. Na descida aos infernos, após sua morte, Jesus é representado muitas vezes saindo de dentro da boca de um grande monstro, o “omnífago”, ou seja, aquele que devora tudo. Tendo vencido o pecado, Jesus vence também a morte e o grande monstro perde o seu poder de aniquilar a obra criada por Deus. Jesus ressuscitado conduz todos à vida e a sua vitória é definitiva. Como ensinava já no fim do séc. IV Cromácio de Aquileia: “O monstro que tinha engolido Jonas vomitou somente a ele; enquanto a morte que tinha agarrado o Senhor, não vomitou somente a Ele, mas muitos homens com ele. Lemos, de fato, que muitos homens ressuscitaram com o Senhor (cf. Mt 27,52)”.
Ao representar Adão e Eva após o pecado, mas ainda no paraíso, faz-se memória de todo o mistério da salvação, desde a entrada do pecado no mundo, até a sua supressão pelos méritos da vitória de Cristo sobre a morte. É tudo muito significativo, pois esse tema nos faz pensar na universalidade da salvação trazida por Jesus. Se, com sua ressurreição, o Filho de Deus foi capaz de resgatar da morte os antigos patriarcas, sua salvação se estende a todos os seres humanos de todos os lugares e de todos os tempos. A salvação se estende não somente em direção ao passado, mas também em todas as direções do mundo, onde quer que se encontrem os filhos de Adão e de Eva.
Por Fr. Sidney Machado
Texto adaptado da edição de novembro da Revista Ave Maria.
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