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Sessenta anos da Campanha da Fraternidade no Brasil: a amizade social como caminho para a superação dos desafios de 2024.
No dia 14 de fevereiro, Quarta-feira de cinzas, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) faz a abertura oficial da Campanha da Fraternidade 2024. Inspirada na Carta Encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, a Campanha da Fraternidade de 2024 tem como tema “Fraternidade e amizade social” e lema “Vós sois todos irmãos e irmãs (Mt 23,8)”. O ano de 2024 marca os sessenta anos de mobilização da Campanha da Fraternidade em todo o Brasil.
Dentro da trajetória penitencial da Igreja, a Campanha da Fraternidade sugere, no período da Quaresma, um chamado à conversão, à promoção da amizade social e ao reconhecimento da vontade de Deus de que todos sejam irmãos e irmãs. O tema escolhido é particularmente relevante no contexto atual, marcado por profundas desigualdades sociais, crises ambientais e conflitos políticos. Em um mundo onde muitos são marginalizados, excluídos, a fraternidade é um antídoto ao individualismo e à violência.
Nas palavras de Dom Ricardo Hoepers, bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília (DF) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o tema e o lema da campanha de 2024 refletem a preocupação do episcopado em aprofundar a fraternidade como contraponto ao processo de divisão, ódio, guerras e indiferença que tem marcado a sociedade brasileira e o mundo.
A fraternidade é baseada no reconhecimento da dignidade de todos os seres humanos, independentemente de raça, religião, classe social ou qualquer outra condição. É uma atitude de amor e respeito ao próximo, que se traduz em ações concretas de solidariedade e justiça.
POR UMA CULTURA DE PAZ ENTRE OS POVOS
Despertar para o valor e a beleza da fraternidade humana, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social, para que em Jesus Cristo a paz seja realidade entre todas as pessoas e povos, é o objetivo geral da Campanha da Fraternidade, descrito no texto-base deste ano.
A partir de uma perspectiva geral são propostas várias finalidades específicas, voltadas aos desafios concretos que nos confrontam como seres sociais chamados à amizade social. Uma dessas finalidades é a construção de uma civilização que promove a cultura da paz entre os povos, nas relações humanas e no mundo. Essa proposta é urgente, pois há guerra e violência em muitos lugares, tanto nas periferias geográficas quanto nas existenciais.
Em entrevista à reportagem da Revista Ave Maria, Padre Jean Poul Hansen, secretário-executivo de campanhas da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, falou sobre a escolha do tema “Fraternidade e amizade social”, definido ainda em 2022. O religioso reforça que reflete os desafios contemporâneos enfrentados pela sociedade global e brasileira. “O crescimento do ódio, da violência, das guerras, mais de trinta focos de guerras por todo o mundo, a indiferença, a divisão, a polarização, nós queremos com a Campanha da Fraternidade desencadear, despertar a Igreja e a sociedade para a necessária conversão da indiferença à comunhão, da divisão à fraternidade, da lógica fratricida de Caim à lógica redentora de nosso Senhor Jesus Cristo”, refletiu.
Padre Jean Poul também discorreu sobre como a Campanha da Fraternidade espera contribuir para transformar a realidade atual: “O objetivo geral da Campanha da Fraternidade deste ano, 2024, é precisamente esse: despertar as pessoas para a beleza da fraternidade humana, gerando, colaborando e fortalecendo vínculos de amizade social para que a paz seja realidade entre as pessoas e povos. Deus nos criou para a comunhão, Deus nos criou para a amizade e nós só nos salvaremos vivendo em comunhão, vivendo em amizade e fraternidade”.
SINAIS QUE SUSCITAM E SUSTENTAM A AMIZADE SOCIAL
A permanente disposição à solidariedade que o povo brasileiro manifesta de forma gratuita e voluntária, em emergências naturais ou em grandes tragédias causadas pelo próprio ser humano, também são sinais que suscitam e sustentam a amizade social. Voluntariamente, os brasileiros se mobilizam, organizam e colocam à disposição bens e serviços necessários para o socorro das vítimas, realizando, assim, a fraternidade e a amizade social.
“A solidariedade manifesta-se concretamente no serviço, que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros. O serviço é na maioria cuidar da fragilidade. Servir significa cuidar dos frágeis, das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo”, disse o papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti (115).
A pandemia da covid-19 nos mostrou um sinal eloquente: a capacidade de doação e heroísmo dos seres humanos. Em meio ao medo e ao risco, homens e mulheres deram as próprias vidas para salvar outras. Médicos, enfermeiros, trabalhadores dos serviços essenciais, da limpeza, da segurança e dos transportes são testemunhas de que nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns, que estão ao nosso lado muitas vezes sem ser reconhecidas.
A AMIZADE SOCIAL COMO UM ANTÍDOTO PARA A CEGUEIRA EM RELAÇÃO AO SOFRIMENTO ALHEIO
A Carta Encíclica Fratelli Tutti, escrita pelo Papa Francisco e publicada em 2020, aborda temas como fraternidade, amizade social e solidariedade. No documento, o Papa destaca a importância da amizade social como um caminho para superar desafios sociais, econômicos e políticos. A ideia central é promover uma cultura de encontro e colaboração entre as pessoas, independentemente de suas diferenças.
Na opinião do professor Edivaldo José Bortoleto, docente de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o Papa Francisco defende uma Igreja descentralizada, que está para além de uma visão eurocêntrica. Ele propõe a amizade social como um antídoto para a cegueira ao sofrimento alheio, tanto no âmbito particular quanto no universal.
Em entrevista à reportagem da Revista Ave Maria, Bortoleto ressaltou: “Creio também que a Campanha da Fraternidade 2024 subsume todos os temas das campanhas anteriores, iniciadas na região Nordeste em 1962, porque o tema da política tem a ver com a pessoa humana, a sociedade e a natureza enquanto um todo, isso porque as ideias que embasam, formam e informam a Campanha da Fraternidade 2024 estão na base dos clamores dos movimentos mundiais. Pode-se dizer que nada e ninguém fica de fora”.
UM TEMA TRANSVERSAL E UM CAMINHO A SEGUIR
A promoção da justiça social e a construção de um ambiente de fraternidade e cuidado mútuo são princípios que podem ser aplicados na vida cotidiana de todos os seguidores de Cristo. O texto-base da Campanha da Fraternidade traz inúmeras pistas concretas para isso.
Em entrevista à Revista Ave Maria, o doutor em Ciências Sociais Fernando Altemeyer Junior, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, falou sobre algumas dessas possibilidades: “Favorecer centros de escuta, praticar o ecumenismo e organizar e promover pequenos grupos de ajuda mútua, de solidariedade e socorro dentro da paróquia ou até mesmo em alguma área da cidade que é rejeitada. Promover debates sobre democracia e participação cidadã, realizar debates sobre as futuras eleições municipais e organizar uma pauta de propostas para candidatos dos vários partidos e cobrar! Atacar firme e com coragem o bullying que existe em nossas escolas e famílias. Rejeitar o racismo e a misoginia que esmaga mulheres e etnias com palavras e gestos de opressão. Precisamos ser antirracistas diariamente. Ainda uma sugestão: visitar obras filantrópicas como um voluntário, algumas vezes ao mês ou no ano. Faz um bem danado aos outros e a si mesmo”.
Questionado sobre a importância da dimensão social na evangelização ficar em destaque nesta Campanha da Fraternidade, e de como as pastorais sociais também poderiam ser mais bem percebidas, integradas e assumidas como um aspecto intrínseco à fé cristã, o também filósofo e teólogo Altemeyer ressaltou que Deus nos ensina a ofertar o melhor de nós para construir uma rede comunitária que sustenta os frágeis e nos eleva em humanidade: “As pastorais, a catequese, os sacramentos são todas experiências coletivas e de amizade social. Ninguém se salva individualmente. Tudo no seguimento de Jesus envolve comunhão e participação. Hoje o nome social da amizade é política. Política como a arte do bem viver cuidando uns dos outros e do bioma onde vivemos. As urgências e clamores dos pobres devem encontrar igrejas e ministros acolhedores. Igrejas surdas são uma traição ao Evangelho. Não é preciso ter trinta pastorais sociais para ‘mostrar’ serviço ao bispo ou ao povo. É preciso assumir uma dimensão social em tudo o que a Igreja faz e prega. Acolher pessoas com afeto e respeito já é o cartão de visita de uma campanha diária da fraternidade”.
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