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Neste tempo de Quaresma, acolher e viver a verdade manifestada em Cristo significa, antes de tudo, deixar-nos alcançar pela Palavra de Deus, que nos é transmitida de geração em geração pela Igreja. Essa verdade não é uma construção do intelecto, reservada a poucas mentes seletas, superiores ou ilustres, mas é uma mensagem que recebemos e podemos compreender graças à inteligência do coração, aberto à grandeza de Deus, que nos ama ainda antes de nós próprios tomarmos consciência disso. Essa verdade é o próprio Cristo que, assumindo completamente a nossa humanidade, fez-se caminho – exigente, mas aberto a todos – que conduz à plenitude da vida.
O jejum, vivido como experiência de privação, leva as pessoas que o praticam com simplicidade de coração a redescobrir o dom de Deus e a compreender a nossa realidade de criaturas que, feitas à sua imagem e semelhança, nele encontram plena realização. Ao fazer experiência duma pobreza assumida, quem jejua faz-se pobre com os pobres e acumula a riqueza do amor recebido e partilhado. O jejum, assim entendido e praticado, ajuda a amar a Deus e ao próximo, pois, como ensina São Tomás de Aquino, o amor é um movimento que centra a minha atenção no outro, considerando-o como um só comigo mesmo (cf. Encíclica Fratelli Tutti, 93).
“A Quaresma é um tempo para acreditar, ou seja, para receber a Deus na nossa vida permitindo-lhe fazer morada em nós.” (Jo 14,23). Jejuar significa libertar a nossa existência de tudo o que a atravanca, inclusive da saturação de informações – verdadeiras ou falsas – e produtos de consumo, a fim de abrirmos as portas do nosso coração àquele que vem a nós pobre de tudo, mas cheio de graça e de verdade, o Filho de Deus salvador.
“A samaritana, a quem Jesus pedira de beber junto do poço, não entende quando Ele lhe diz que poderia oferecer-lhe uma água viva” (Jo 4,10-12): naturalmente, a primeira coisa que lhe veio ao pensamento era a água material, ao passo que Jesus pensava no Espírito Santo, que Ele dá em abundância no mistério pascal e que infunde em nós a esperança que não desilude. Já quando preanuncia a sua paixão e morte, Jesus abre à esperança dizendo que “ressuscitará ao terceiro dia” (Mt 20,19). Jesus fala-nos do futuro aberto de par em par pela misericórdia do Pai. Esperar com Ele e graças a Ele significa acreditar que a última palavra na história não a têm os nossos erros, as nossas violências e injustiças, nem o pecado que crucifica o amor; significa obter do seu coração aberto o perdão do Pai.
No contexto de preocupação em que vivemos atualmente, em que tudo parece frágil e incerto, falar de esperança poderia parecer uma provocação. O Tempo da Quaresma é feito para ter esperança, para voltar a dirigir o nosso olhar para a paciência de Deus, que continua a cuidar da sua criação, não obstante nós a maltratarmos com frequência. É ter esperança naquela reconciliação a que nos exorta apaixonadamente São Paulo: “Reconciliai-vos com Deus” (2Cor 5,20). Recebendo o perdão no Sacramento que está no centro do nosso processo de conversão, tornamo-nos, por nossa vez, propagadores do perdão: tendo-o recebido nós próprios, podemos oferecê-lo por meio da capacidade de viver um diálogo solícito e adotando um comportamento que conforta quem está ferido. O perdão de Deus, por meio também das nossas palavras e gestos, possibilita viver uma Páscoa de fraternidade.
Na Quaresma, estejamos mais atentos a “dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam, em vez de palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam” (Encíclica Fratelli Tutti, 223). Às vezes, para dar esperança, basta ser “uma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença” (Encíclica Fratelli Tutti 224).
No recolhimento e oração silenciosa, a esperança é-nos dada como inspiração e luz interior, que ilumina desafios e opções da nossa missão; por isso mesmo é fundamental recolher-se para rezar e encontrar, no segredo, o Pai da Ternura.
Viver uma Quaresma com esperança significa sentir que, em Jesus Cristo, somos testemunhas do tempo novo em que Deus renova todas as coisas “sempre dispostos a dar a razão da esperança a todo aquele que peça” (1Pd 3,15): a razão é Cristo, que dá a sua vida na cruz e Deus ressuscita ao terceiro dia.
A caridade alegra-se ao ver o outro crescer e de igual modo sofre quando o encontra na angústia: sozinho, doente, sem abrigo, desprezado, necessitado… A caridade é o impulso do coração que nos faz sair de nós mesmos gerando o vínculo da partilha e da comunhão.
“A partir do ‘amor social’ é possível avançar para uma civilização do amor a que todos nós podemos sentir chamados. Com o seu dinamismo universal, a caridade pode construir um mundo novo, porque não é um sentimento estéril, mas o modo melhor de alcançar vias eficazes de desenvolvimento para todos” (Encíclica Fratelli Tutti, 183).
A caridade é dom que dá sentido à nossa vida e graças ao qual consideramos quem se encontra na privação como membro da nossa própria família, um amigo, um irmão. O pouco, se partilhado com amor, nunca acaba, mas transforma-se em reserva de vida e felicidade. Aconteceu assim com a farinha e o azeite da viúva de Sarepta, que ofereceu ao profeta Elias o bocado de pão que tinha, e com os pães que Jesus abençoou e deu aos discípulos para que os distribuíssem à multidão. Isso sucede com a nossa esmola, seja ela pequena ou grande, oferecida com alegria e simplicidade.
Viver uma Quaresma de caridade significa cuidar de quem se encontra em condições de sofrimento, abandono ou angústia por causa da pandemia do novo coronavírus. Neste contexto de grande incerteza quanto ao futuro, lembrando-nos da palavra que Deus deu ao seu servo – “Não temas, porque Eu te resgatei” (Is 43,1) –, ofereçamos, juntamente com a nossa obra de caridade, uma palavra de confiança e façamos sentir ao outro que Deus o ama como um filho.
“Só com um olhar cujo horizonte esteja transformado pela caridade, levando-nos a perceber a dignidade do outro, é que os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade imensa, respeitados no seu estilo próprio e cultura e, por conseguinte, verdadeiramente integrados na sociedade.” (Encíclica Fratelli Tutti, 187)
Queridos irmãos e irmãs, cada etapa da vida é um tempo para crer, esperar e amar. Que este apelo a viver a Quaresma como percurso de conversão, oração e partilha dos nossos bens nos ajude a repassar, na nossa memória comunitária e pessoal, a fé que vem de Cristo vivo, a esperança animada pelo sopro do Espírito e o amor cuja fonte inexaurível é o coração misericordioso do Pai.
Que Maria, mãe do Salvador, fiel aos pés da cruz e no coração da Igreja, ampare-nos com a sua solícita presença, e a bênção do Ressuscitado nos acompanhe no caminho rumo à luz pascal.
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