ACONTECE NA IGREJA Amor Bíblia Carmelitas Carmelo Catecismo Catequese Catequista Catequistas CNBB Coronavírus Deus ESPAÇO DO LEITOR Espiritualidade Espírito Santo Eucaristia Família Formação Fé Igreja Jesus juventude Maria MATÉRIA DE CAPA Natal Nossa Senhora do Carmo O.Carm. Ocarm Oração Ordem do Carmo Papa Francisco Pentecostés provocarmo Páscoa Quaresma Reflexão SANTO DO MÊS Sociedade Somos Carmelitas somoscarmelitas São Martinho Vida vocacional Vocação vocação carmelita
“Se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor está aperfeiçoado em nós”. (1 João 4, 12)
Os nossos sentidos são o que nos põe em contato com o mundo e com as pessoas. Somos talhados para o diálogo, para o encontro, porque só num contexto de encontro interpessoal nos construímos “por dentro”, lá onde o homem se torna humano. Mas, como tudo, à luz da Fé os Sentidos podem falar-nos de um “algo mais” que eles sozinhos não revelam. Acompanhe:
A visão:
Deus disse ao profeta Samuel: “Enche um chifre com óleo, e vai a Jessé, um ancião de Belém, porque Eu escolhi um rei para o meu povo entre os seus filhos. Tu darás por mim a unção àquele que Eu te indicar.” E Samuel fez como Deus lhe disse. Ao chegar à casa de Jessé, viu Eliab e pensou de si para consigo: “Certamente é este o ungido do Senhor.” Mas Deus disse a Samuel: “Não te deixes impressionar pelo seu belo aspecto, nem pela sua alta estatura, pois EU não o escolhi! O que tu vês não importa; o homem vê as aparências, mas Eu vejo o coração…” (1 Sam 16, 1-13)
Ver com o coração é ultrapassar a casca das aparências. É ver como Deus vê! Isto só é possível a partir da intimidade com Deus, pelo conhecimento interior da Sua Palavra. Só assim vão desabrochando em nós os Seus critérios. Os critérios da Palavra em nós são como que ‘óculos novos’, a partir dos quais podemos começar a ver a realidade — a que nos rodeia e a que construímos. De fato, as coisas nunca são apenas o que são. E é o modo como as vemos, os “óculos” com que as olhamos e a “luz” com que as iluminamos que nos fazem agir ou reagir de uma determinada maneira e não de outra. Se aprendermos todos os dias a iluminar a realidade com a “luz” da Palavra de Deus e a olhá-la com os “óculos” do Espírito Santo, acontecerá em nós, quotidianamente, o milagre da transformação.
A audição:
Eis o que diz o Senhor: “Atenção! Todos vós que tendes sede, vinde beber desta água! Mesmo os que não tendes dinheiro, vinde, comprai trigo para comer sem pagar nada. Levai vinho e leite, que é tudo de Graça! Porque gastais o vosso dinheiro naquilo que não vos alimenta? Porque gastais o vosso salário naquilo que não pode saciar-vos?! Se me escutardes, haveis de comer do melhor e saborear pratos deliciosos. Prestai-me atenção e vinde a mim. Escutai-me e vivereis! Assim como a chuva e a neve descem do céu e não voltam mais para lá senão depois de terem empapado a terra, de a terem fecundado e feito germinar para que dê semente ao semeador e pão para comer, assim acontece com a Palavra que sai da minha boca: ela não volta para mim vazia, sem ter realizado a minha vontade e sem ter cumprido a sua missão!” (Is 55, 1-3. 10-11)
Escutar a Palavra de Deus não é uma tarefa dos ouvidos, mas sim do coração. Os ouvidos podem, muitas vezes, ouvir algumas mediações da Palavra, mas essa, só o coração a pode escutar, compreender e fazer germinar em frutos de Vida Nova. A Palavra de Deus é Deus-Palavra, Deus a dizer-Se, a comunicar-Se, a fazer-Se encontro conosco e em nós. Deus não tem palavras para dizer, Deus não diz coisas, blá-blá-blá… Deus é Palavra, Deus diz-Se! E o jeito de Deus Se dizer não é um som, uma voz, uma escrita, uma codificação linguística, mas uma relação. Só nos dizemos verdadeiramente a alguém, só nos comunicamos realmente a alguém através de relações, não através de palavras. Somos o que somos, não o que dizemos. A Palavra de Deus é isto mesmo. Deus a encontrar-Se conosco numa discreta, profunda e transformante relação de Amor. Escutar a Palavra de Deus não é ouvir as coisas que Deus diz, mas “dar espaço” interior à Sua ação para que Ele Se diga a nós e em nós. É esta atitude de disponibilidade que, como em lume brando, nos vai apurando a vida e transformando o coração para sermos cada vez mais ao Seu jeito.
O paladar:
Enquanto comiam, Jesus e os seus discípulos, Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-o aos discípulos dizendo: “Tomai, comei! Isto é o meu corpo (…)” Depois, tomou um cálice, deu graças e entregou-lhes, dizendo: “Bebei dele todos!” (Mt 26, 26-29)
Comer e beber são gestos que significam muito mais do que encher a barriga, simplesmente. Os animais comem comida, mas nós comemos refeições. Porque os humanos tornaram a hora da comida em refeição, um encontro entre pessoas. À mesa, estamos todos face-a-face. É um lugar privilegiado de encontro e comunhão, partilha de intimidades e narração de histórias. Por isso comemos à mesa e não numa manjedoura. Para nos encontrarmos cara a cara uns com os outros, e não cara a cara com a comida, como acontece nas manjedouras.
Comer é um símbolo bíblico muito importante para falar de encontro, comunhão, convívio, acolhimento e intimidade. Aceitar alguém em nossa mesa é abrir-lhe as portas da nossa intimidade, dar-lhe lugar na nossa vida. Além disso, comer é mais que engolir. Implica tomar o gosto às coisas, sentir-lhes o paladar. Por isso é necessário “comer e beber Corpo e Sangue de Cristo”. “Corpo e Sangue” é linguagem bíblica que remete à Vida. É necessário comer e beber da Vida de Cristo, alimentar-se de sua Ressurreição. Isto não acontece ao nível da boca, nem do estômago. Comer e Beber da Vida de Cristo Ressuscitado é comungar com Ele pela escuta da sua Palavra e pelo acolhimento do seu Espírito, interpelante através de tantas mediações.
Saborear a realidade com o paladar de Jesus Cristo. Esse é o segredo da verdadeira Sabedoria! A Sabedoria dos felizes, dos fiéis, dos profetas que deixam em brasa o chão por onde passam.
O olfato:
Quando Deus fez a Terra e o Céu, ainda não havia na Terra nenhuma planta do campo, pois no campo ainda não havia brotado nenhuma erva; Deus não tinha feito chover sobre a terra e não havia homem que cultivasse o solo e fizesse subir dela a água para regar a superfície do solo. Então Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivente. (Gen 2, 4-7)
O olfato é um dos Sentidos mais extraordinários, porque é através dele que estamos permanentemente a interagir de maneira única com o ambiente que nos rodeia. Estamos constantemente a inspirar e expirar, isto é, a introduzir em nós o ambiente que nos rodeia, e a expirá-lo, ou seja, a marcarmos o ambiente com o que brota de dentro de nós. Por estarmos sempre a inspirar e expirar nesta interação permanente com o ambiente em que vivemos, os nossos antepassados na Fé perceberam o ar como símbolo do Espírito Santo, e a inspiração-expiração como símbolo da nossa relação com Deus. Por isso falamos em “inspiração divina”, ou “estar inspirado”.
A inspiração é uma linguagem de acolhimento, encontro interior, assimilação do outro em nós para nos modelarmos intimamente ao seu jeito. Por isso o “sopro primordial de Deus”, que no original em hebraico também significa “Beijo”, na simbologia bíblica é a primeira “expiração” de Deus para nós, e a nossa primeira “inspiração”, como bebês acabados de nascer e chamados á Vida. Não à existência somente, mas à Vida, aquela que não acontece, mas a que se constrói, com opções, atitudes e recomeço no Sentido do Amor. Deus é permanente “expiração” para nós pelo Espírito Santo, que é apenas outra maneira bíblica de dizer que Deus é Graça, Dom para nós.
Na “plenitude da história”, Deus beijou-nos com o beijo definitivo em Jesus Cristo. Nele, Deus beija a humanidade, e nesse ato apaixonado transmite-lhe de maneira nova o Seu “Hálito de Vida”, o Espírito Santo.
Tato:
Jesus navegou, com o recurso de uma barca, até o outro lado do mar. Uma numerosa multidão reuniu-se junto dele, e Jesus ficou na praia. Depois, pôs-se a caminho, e numerosa multidão o seguia, apertando de todos os lados, a ponto de quase sufocar-lhe. Eis que chegou uma mulher que sofria de hemorragias havia doze anos; tinha padecido nas mãos de muitos médicos, gastou tudo o que tinha e, em vez de melhorar, piorava cada vez mais. A mulher tinha ouvido falar de Jesus. Então veio por entre a multidão, aproximou-se de Cristo e tocou-lhe na capa, porque pensava: “Mesmo que eu apenas toque em sua capa, ainda assim ficarei curada”. Então sua hemorragia cessou imediatamente, e a mulher sentiu no corpo que estava curada da doença.
Jesus percebeu que uma força havia saído dele. Então virou-se no meio da multidão e perguntou: “Quem foi que me tocou?” Os discípulos disseram: “Vês como a multidão te aperta e ainda perguntas: “quem me tocou?””. Mas Jesus continuava a olhar em volta para ver quem o tinha tocado. A mulher, cheia de medo e a tremer, percebeu o que lhe havia acontecido. Então caiu aos pés de Jesus e contou toda a verdade.
Jesus disse à mulher: “Minha filha, foi a tua fé que te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença.” (Mc 5, 21-34)
Quando, na vida, dizemos que “alguém nos toca muito” pelo seu modo de ser ou falar, não estamos certamente a falar do “toque do tato”, mas sim do “toque do coração”. Nos evangelhos de Jesus, tocar é um verbo muito importante, e que ganha um valor profundamente simbólico quando aparece no contexto da multidão. A multidão é o contrário da intimidade. Nos evangelhos de Marcos e de Lucas, essa simbologia aparece de maneira especial. A Intimidade com Jesus, o verdadeiro encontro é quase sempre traduzido por duas linguagens: “Tocar” e “entrar em casa”. Jesus tocava nos doentes para curá-los (Mc 10, 22-26), abençoava as crianças impondo-lhes as mãos (Mc 10, 13-16).
A multidão é nos evangelhos um símbolo da superficialidade com que muitas pessoas estavam (e continuam a estar) na sua relação com Jesus. O contrário da multidão, como símbolo de superficialidade, é o “sentar-se à mesa”, como símbolo de intimidade (Mt 9, 9-11). De fato, os desconhecidos não passam da soleira da nossa porta. E as pessoas com quem não temos confiança tratam os seus assuntos à entrada, de pé. Só aqueles que “nos tocam” se sentam à nossa mesa. A mesa da refeição é um lugar de intimidade. Por isso Jesus tantas vezes se sentava à mesa na casa de alguém, sobretudo pecadores públicos e impuros segundo a Lei, para lhes mostrar que estavam também eles chamados à intimidade da Mesa do Banquete de Deus, que é o Banquete Eterno da Vida. É muito importante compreender quem eram aqueles por quem Jesus se sentia tocado e aqueles que se deixavam tocar por Jesus.
Tocar com o coração é o oposto a encontrar-se à “flor da pele”. Bem o sabemos: os únicos encontros na vida que valem realmente a pena são aqueles que acontecem interiormente, ao nível da interioridade pessoal de cada um. “À flor da pele” a vida corre, passa e não se constrói. A vida que acontece, desaparece. E não há outra maneira de construir a Vida senão “por dentro”. “Tocar” é a impossibilidade da “multidão”, exatamente porque na multidão não há intimidade, nem individualidade. Todos são todos, ninguém é alguém. A massa desumaniza porque rouba identidade e liberdade. Na multidão ganha sempre o querer da multidão, ainda que não seja o querer de todos. A multidão empurra, sufoca, silencia, absorve, mata.
Seria tão bom se percebêssemos que ninguém se encontra com Cristo “à flor da pele”, na lógica da “multidão” e das massas incógnitas…!
Como tudo mudaria se nos déssemos conta de que os encontros verdadeiros, ou acontecem “por dentro”, ou nunca chegam a acontecer realmente…
A linguagem dos sentidos deve conduzir-nos à intimidade do coração para cumprirem até o fim a sua missão. Porque são pontos de encontro. Mas os encontros de verdade acontecem bem mais fundo, onde afloram os sentidos da fé: no coração.
Adaptação de artigo publicado originalmente pelo portal Catequistas em Formação.
Comments0