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Meditando profundamente sobre o texto da Audiência Geral do Papa Francisco, na Praça de São Pedro, em 13 de maio último, podemos colher muitas lições capazes de ajudar as famílias a obterem com pequenos gestos grandes resultados para a felicidade no lar.
Na verdade, naquele encontro, o Santo Padre retomou três palavras-chaves que ele mesmo já havia proposto em outras ocasiões que são: “com licença”, “obrigado” e “desculpa”. Simples, mas se oportunamente usadas podem evitar muitos problemas; se não utilizadas são capazes de levar, junto a outros fatores, até ao fim de um matrimônio, como, não raras vezes, acontece nos nossos dias, independente da área geográfica ou da posição social dos envolvidos…
O Santo Padre Francisco afirma que esses vocábulos “encerram em si uma grande força: o vigor de proteger o lar, até no meio de inúmeras dificuldades e provações; ao contrário, a sua falta gradualmente abre fendas que até o podem fazer ruir”. Elas provêm da boa educação de cada pessoa herdada, por sua vez, em um lar bem estruturado e esta pode, por sua vez, viver e passar esses valores a seus filhos e filhas para que também eles os retransmitam à sua prole e assim sucessivamente. É a corrente do bem!
O Papa lembra-se de que São Francisco de Sales (1567-1622) ensinou ser a boa educação meia santidade. Mas por que meia? Porque se não for nascida da autenticidade do coração “leva a um formalismo das boas maneiras que pode tornar-se uma máscara que oculta a aridez do espírito e o desinteresse em relação ao próximo”. E continua Francisco: “Costuma-se dizer: ‘por detrás de tantas boas maneiras escondem-se maus hábitos’. Nem sequer a religião está imune deste risco, que leva a observância formal a decair na mundanidade espiritual”.
Esse ponto é chave, dado que não é tão incomum encontrarmos aqueles que se apegam ao mero ritualismo ou formalismo e se esquecem do essencial que é o amor a Deus e ao próximo, especialmente o mais próximo que convive dentro do mesmo lar, mas nem sempre é bem tratado como deveria. Primeiro porque é um ser humano portador de especial dignidade, segundo porque Deus o (a) colocou em nossa vida como esposo(a), filho(a), sogro(a), genro ou nora e devemos acolhê-los com as suas virtudes e defeitos, assim como eles nos aceitam com as nossas grandezas e limitações. A vida é assim.
No entanto, como diz São João, aquele que não ama o irmão a quem vê, como pode amar a Deus a quem não vê? (cf. 1Jo 4,20). Se ele é somente formal com o próximo também o é na sua relação com Deus e vice-versa. Usa dos detalhes, e não do todo inserido em um contexto maior, como pretexto para demonstrar, nas boas maneiras, uma grande piedade ou devoção que na realidade, pode esconder, nas aparências de piedosismo, uma relação superficial com Deus e com os irmãos. Não será nenhuma grande novidade se, amanhã ou depois, o lar ou a prática religiosa dessa pessoa, infelizmente, vier a desaparecer. Era uma casa construída sobre a areia movediça (cf. Mt 7,24-27).
Aliás, o Papa tem como “diabólica” essa ação farisaica ao escrever que “o diabo que tenta Jesus ostenta boas maneiras – é mesmo um senhor, um cavalheiro – e até cita as Sagradas Escrituras, parece um teólogo. O seu estilo parece correto, mas tem a intenção de desviar da verdade, do amor de Deus. Quanto a nós entendemos a boa educação nos seus termos autênticos, onde o estilo das boas relações está solidamente arraigado no amor pelo bem e no respeito pelo próximo. A família vive dessa delicadeza do bem-querer”.
Chegamos assim ao âmago da catequese papal começando pela palavra “com licença”. Sempre que vamos entrar na casa ou em um espaço restrito, devemos pedir permissão. Ora, para entrar na vida de alguém, seja como esposos, no matrimônio, seja como amigo, requer-se ainda mais esse pedido de licença. “Entrar na vida do outro, mesmo quando faz parte da nossa existência, exige a delicadeza de uma atitude não invasiva, que renova a confiança e o respeito. Em síntese, a confiança não autoriza a presumir tudo”, mas, sim, a paciência de esperar que o outro “abra a porta do seu coração”.
Recordando Apocalipse 3,20 no qual se lê que o próprio Deus não entra na vida de ninguém sem que a pessoa consinta, o Papa assegura: “Até o Senhor pede licença para entrar! Não esqueçamos! Antes de fazer algo em família: ‘com licença, posso fazer isto? Queres que eu faça assim?’ Uma linguagem bem educada, mas cheia de amor. E isso faz bem às famílias”.
O segundo ponto é a gratidão por meio do “obrigado” em uma civilização que, como recorda Francisco, parece julgar bonito falar palavrões e pensa ser sinal de fraqueza ser bom e educado fazendo uso de uma linguagem cortês. Aliás, o palavrão nunca deve ser usado em nenhum contexto, por pior que ele seja. Daí o próprio Senhor Jesus ter asseverado que toda pessoa prestará contas de cada palavra ociosa que tiver pronunciado e os teólogos, ao longo da história da Igreja, sempre entenderam que ela se refere ao palavrão e Deus dela pedirá contas no dia do Juízo (cf. Mt 12,36).
Ao contrário, porém, desse mundanismo reinante, “devemos tornar-nos intransigentes sobre a educação para a gratidão e o reconhecimento: a dignidade da pessoa e a justiça social passam ambas por aqui. Se a vida familiar ignorar este estilo, também a vida social o perderá”. Não é demasiado lembrar que a gratidão está na Sagrada Escritura. Daí ter o próprio Jesus, no episódio da cura dos dez leprosos (Lc 17,11-19), ter censurado os nove ingratos que foram sanados, mas não voltaram agradecê-lo, ao passo que louvou aquele estrangeiro (não bem visto entre os judeus daquele tempo e nem entre muitos de nós hoje, haja visto a luta da Europa com os imigrantes…) cheio de gratidão por ter voltado dizer, talvez: “Muito obrigado, Senhor, estou limpo!”
Também o grande Apóstolo Paulo nos recomenda que sejamos agradecidos (cf. Hb 12,28) ou que em tudo demos ação de graças a Deus (cf. 1Ts 5,18), não só pelo que julgamos bom, mas também pelas cruzes presentes em nossas vidas. Elas são instrumentos de santificação. Só seremos co-herdeiros de Cristo se passarmos com Ele pela via da cruz (cf. Rm 8,17). Se em alguns tempos, nossa vida parece sem cruz, não nos preocupemos, mas, sim, busquemos ajudar o nosso próximo a levar a cruz dele como verdadeiros cirineus do século XXI que auxiliam o Cristo sofredor na pessoa do próximo a ter uma jornada menos penosa, dentro ou fora da família.
A terceira palavra proposta pelo Papa é a “desculpa”. Quanto ela é necessária, mas também como se nota a sua ausência em nossa sociedade um tanto áspera, grosseira, mal educada que parece preferir agir na base do grito, do palavrão e da truculência, não só verbal, mas até armada, mesmo contra pequenas ofensas recebidas.
Volta-se a um estágio de vida anterior à lei do “olho por olho; dente por dente”. Quer-se o império da vingança a qualquer custo dentro e fora de casa. Afinal, é no lar que a criança aprende a educação ou a deseducação, o perdão ou a vingança, a fineza no falar e agir ou a truculência estúpida dos palavrões, gritos e agressões físicas gratuitas contra quem pensa diferente dela. Se na escola, na rua, no trabalho, em programas de TV ou na internet essa mesma pessoa tiver a desgraça de encontrar um mau mestre tudo estará ainda mais arruinado e o Evangelho poderá se apagar de sua vida como fruto do péssimo exemplo recebido de terceiros.
O cristão autêntico, porém, apesar de suas falhas, sabe reconhecer com o Pai-Nosso, oração que o próprio Cristo nos ensinou, que só podemos recorrer ao perdão de Deus a partir do momento em que somos plenamente capazes de também perdoarmos os nossos ofensores. Fora disso, a vida cristã se encontra seriamente comprometida. Daí dizer o Papa: “Não é sem motivo que na prece ensinada por Jesus, o ‘Pai-Nosso’, que resume todas as questões essenciais para a nossa vida, encontramos essa expressão: ‘Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido’ (Mt 6,12). Reconhecer que erramos e desejar restituir o que tiramos – respeito, sinceridade, amor – torna-nos dignos do perdão. É assim que se impede a infecção. Se não soubermos pedir desculpa, quer dizer que também não seremos capazes de perdoar”.
Relembra-nos ainda Francisco que mesmo nos momentos mais difíceis em que nos desacordos familiares chegam a “voar pratos”, é preciso insistir no pedido de desculpas e no perdão recíproco no mesmo dia. “Ouvi bem: esposa e esposo, brigastes? Filhos e pais, entrastes em forte desacordo? Não, está bem, mas o problema não é este. O problema é quando este sentimento persiste, inclusive no dia seguinte. Por isso se brigastes, nunca termineis o dia sem fazer as pazes em família. E como devo fazer as pazes? Ajoelhar-me? Não! A harmonia familiar restabelece-se só com um pequeno gesto, só com uma coisinha. É suficiente uma carícia, uma palavra. Mas nunca permitais que o dia em família termine sem fazer as pazes. Entendes isto? Não é fácil, mas é preciso agir deste modo. Assim a vida será mais bonita”.
Ora, tudo isso nos lembra, a título de conclusão, duas passagens importantes: uma é de São Paulo ao escrever aos efésios recomendando: “Não pequeis. Que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento. Não vos exponhais ao diabo” (Ef 4,26-27) e a outra dos ensinamentos dos Padres da Igreja (escritores cristãos dos primeiros oito séculos) na palavra de Santo Ambrósio de Milão que diz: “Pecar é comum a todos os homens, mas arrepender-se é próprio dos santos” (Apologia David ad Theodosium Augustum II 5-6 apud Pergunte e Responderemos n. 452, janeiro de 2000, p. 6).
Que esse desejo de santidade decorrente do nosso Batismo e fortalecido pelos demais sacramentos, especialmente da Confissão e da Eucaristia, invada o nosso coração, a nossa família e a sociedade em geral com a graça de Deus. Amém.
Por Cardeal Orani João Tempesta – Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
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