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“É impossível dizer toda a alegria e a satisfação que se manifestaram aqui, tão logo chegaram até nós as alegres notícias da vossa coragem, e vimos que servistes de guia aos irmãos na confissão, como também que a confissão do chefe foi posta em relevo pela conformidade com os sentimentos dos irmãos… Rezemos cada qual por nossa parte, um pelo outro, nos momentos de perseguição, sustenhamo-nos com uma caridade recíproca e, se a um de nós Deus conceder a graça de morrer rápido e de preceder o outro, que a nossa amizade continue junto ao Senhor, que a oração dos nossos irmãos e das nossas irmãs não cesse de ser dirigida à misericórdia do Pai.”
A história entrelaçou admiravelmente a vida desses dois santos que tiveram de lutar não só contra os perseguidores, os inimigos externos em relação à Igreja, mas também contra os inimigos internos, os hereges. Por isso, permaneceram unidos também na celebração da liturgia romana.
Após a morte do Papa Fabiano em janeiro de 250, a comunidade de Roma foi governada por seus presbíteros e diáconos. O imperador Décio, decidido a fazer que o cristianismo desaparecesse, havia dito que lhe agradaria mais a notícia do comparecimento de um rival para disputar-lhe o império do que a da eleição de um novo Bispo de Roma. Eleger um novo Papa significava, portanto, vê-lo morrer no dia seguinte.
Convinha esperar que a tempestade passasse, como de fato aconteceu, quando, na primavera do ano seguinte, Décio teve de ir à Mésia para resistir à investida dos godos, morrendo no campo de batalha. A comunidade aproveitou-se desse fato para reunir-se e eleger o novo Papa. Entre os aspirantes ao alto cargo estava um certo Novaciano, experiente em filosofia estóica e em teologia, que se havia introduzido no clero romano no tempo de Fabiano. Mas, a comunidade, no entanto, mais atenta às virtudes dos candidatos do que à palavra fácil dos eruditos, escolheu como Papa o romano Cornélio.
Novaciano perdeu o controle e, segundo a narrativa de Eusébio de Cesareia em sua História eclesiástica, reuniu o grupo dos seus amigos e enviou dois deles “a uma pequena e obscura localidade italiana para fazer virem dali três bispos incultos e simples” e se fez consagrar bispo, repetindo assim o cisma como nos tempos de Fabiano. De Roma, tanto Cornélio quanto Novaciano enviaram cartas às outras Igrejas, próximas e distantes, para comunicar sua eleição, provocando desorientação onde quer que fosse. O bispo de Cartago, Cipriano, em nome de todo o episcopado africano, encaminhou dois enviados seus a Roma para verificar in loco como realmente estavam as coisas. Quando de seu retorno, tendo tomado conhecimento da verdade, escreveu em defesa do legítimo Papa.
Infelizmente, Novaciano, fazendo-se passar por paladino dos verdadeiros mártires e combatendo a práxis pastoral dos Papas e do próprio Cipriano de Cartago que, após uma côngrua penitência, readmitia na comunhão eclesial aqueles cristãos que durante a perseguição não tinham tido a força de confessar heroicamente a fé, tinha conseguido ganhar discípulos em muitas igrejas do Ocidente e do Oriente. Cornélio, com a grandíssima maioria do clero do seu lado, convocou então um concílio em Roma. Dele tomaram parte cerca de sessenta bispos – um número extraordinário para aquele tempo – e, por unanimidade, condenaram Novaciano e adotaram como própria a práxis penitencial da Igreja de Roma.
Pouco antes, também Cipriano havia reunido um concílio para os bispos africanos e havia escolhido a mesma linha de procedimento. Os cânones desse concílio foram incluídos nos do concílio romano e enviados a todas as igrejas.
Toda essa confusão ocorreu de março de 251 a junho do ano seguinte, quando o imperador Galo decretou novamente a perseguição contra os cristãos, que, segundo ele, com sua impiedade haviam se tornado responsáveis pela terrível peste que estava dizimando a população do império.
O primeiro cristão a ser preso foi exatamente Cornélio, mas, quando o povo tomou conhecimento do que estava acontecendo, dirigiu-se maciçamente para o tribunal onde o estavam julgando, para professar juntamente com ele a própria fé. Entre os que afluíram, havia muitos lapsi reintegrados à comunhão eclesial, que então não queriam mais perder a ocasião de demonstrar com o martírio sua fidelidade a Cristo.
Os juízes, antes indignados e depois temerosos de um motim popular, não condenaram o Papa à morte, mas, simplesmente o exilaram na cidade vizinha de Centocelle, a atual Civitavecchia.
Tão logo soube da notícia, Cipriano escreveu-lhe uma carta comovente, cheia de admiração pelo intrépido testemunho dado pelo pastor e por sua comunidade tão corajosa. Cornélio colhia os frutos do amor misericordioso que havia fortalecido os fracos, dando-lhe testemunhos fiéis.
Em Centocelle, o Papa viveu ainda um ano, até junho de 253. Somente em 258 seus despojos foram transladados para Roma e sepultados no cemitério de São Calisto.
Seu nome completo é Cecílio Cipriano Táscio. Havia nascido por volta do ano 210, de família rica, na África Proconsular, muito provavelmente em Cartago. Não tendo necessidade de ganhar a vida com o suor da sua fronte ou com o uso das armas, havia se dedicado aos estudos, tornando-se retórico requintado e talvez também advogado; ao mesmo tempo, não negava a si mesmo os prazeres da vida, segundo o costume dos homens de sua classe social.
Entrando em contato com o cristianismo, admirou sua doutrina, que não podia deixar de reconhecer como verdadeira, assim como a vida exemplar dos seus seguidores, mas não se sentiu em condições de abraçar um caminho que exigia tanto empenho. Justificava-se, dizendo: “Como é possível uma transformação radical? Como é possível rejeitar repentinamente tudo aquilo que cresceu comigo e, com o tempo, tornou-se minha segunda natureza?”.
Tinha então 40 anos ou, segundo outros, 25, e entrou em uma crise profunda, como ele mesmo contava: “Quando suspirava nas trevas e na noite profunda, era arremessado daqui e dali no mar borrascoso do mundo, sem ter conhecimento do escopo da minha vida, longe da verdade e da luz, e assim, na minha miséria moral, parecia-me inalcançável aquilo que a graça do Senhor me prometia para a minha salvação”. Por felicidade, encontrou o Padre Ceciliano, de mentalidade aberta e coração grande, o qual, delicadamente, mas com firmeza, preparou-o para o Batismo. Cipriano conservou para com ele uma gratidão perene.
Com o Batismo sua vida mudou radicalmente e ele mesmo estava maravilhado com isso. A descoberta de um Deus que é Pai e a nova relação de amor que experimentava para com ele, e que mais tarde expressou admiravelmente em seu comentário ao Pai-Nosso, fazia-o exclamar: “Recebi do céu um novo espírito; o segundo nascimento (o Batismo) me transfigurou em um homem novo; o que antes me parecia duvidoso adquiriu consistência novamente, abriu-se o que estava fechado, as trevas clarearam, o que antes era difícil tornou-se fácil”.
Em seu coração de estudioso acendeu-se um grande amor pela Palavra de Deus e pelos escritos daqueles que tinham sabido penetrá-la. Seu autor preferido era Tertuliano, a quem chamava seu mestre, pelo radicalismo com que estava empenhado na vivência do Evangelho.
Não querendo deixar-se continuar inoperante, Cipriano vendeu boa parte dos seus bens e deu o produto aos pobres, porque “desde seus primeiros passos na fé acreditou que não podia haver coisa mais digna de Deus do que a observância da continência, persuadido de que somente reprimindo a concupiscência da carne com o exercício vigoroso e constante de uma castidade íntegra coração e inteligência podem tornar-se idôneos para acolher a verdade em sua plenitude”.
Texto extraído da seção “Santo do Mês”, da Revista Ave Maria, na edição de setembro de 2017.
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