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“Fazei o bem, irmãos, a vós mesmos.”
Chamava-se João Cidade e nasceu de uma boa família operária em Montemor-o-Novo, em Portugal, em 1495, três anos após a chegada de Cristóvão Colombo à América. Tinha no sangue o gosto pela aventura, como os portugueses de seu tempo, a tal ponto que, com a idade de 8 anos, desapareceu de casa e não foi mais encontrado. A mãe morreu de desgosto e o pai, viúvo, tornou-se um leigo franciscano.
À PROCURA DE AVENTURA
Tendo ultrapassado os limites de sua pátria, não se sabe como chegou a Oropesa, na Espanha, à casa de Francisco Cid, procurador do conde Francisco Alvarez de Toledo. Para sua sorte foi acolhido como um filho e adquiriu boa instrução básica. Ele correspondeu a tanta confiança, fazendo toda espécie de trabalhos segundo as necessidades da família: pastor, soldado, supervisor do pessoal da propriedade do conde.
As coisas estavam indo bem até que seu benfeitor resolveu lhe oferecer a mão de sua filha. Teria sido um ótimo partido, mas, inesperadamente, despertou em João o espírito aventureiro e ele se alistou no exército espanhol, que partia em guerra contra os franceses para a reconquista de Fuenterrabia.
Os companheiros estimavam-no por sua coragem e honestidade e lhe confiaram a guarda dos ricos despojos conquistados dos franceses. Não se sabe como o cofre foi roubado e ele foi expulso do exército e condenado à forca. Só a intervenção de um personagem influente lhe salvou a vida.
Retornou a Oropesa e retomou seu trabalho, mas o Matrimônio ficou esquecido. Esperava pela oportunidade propícia para retornar ao exército e conseguiu isso no ano de 1532, quando tomou parte na defesa de Viena contra Solimão II.
UM POUCO MAIS AJUIZADO
Quando retornou à Espanha, alguma coisa havia mudado dentro dele. Fez uma peregrinação a Compostela, depois visitou sua cidade natal e finalmente se dirigiu a Sevilha, onde, por alguns anos, trabalhou como pastor, até que no ano de 1535 novamente saiu perambulando pelo mundo. Foi para Ceuta, na África, e aí trabalhou como servente de pedreiro nas fortificações
dessa cidade portuguesa. Realizou uma obra humanitária, pois, com o seu dinheiro, ajudou uma nobre família portuguesa exilada nessas terras e sem nenhum recurso econômico.
Depois de três anos trabalhando como pedreiro, partiu para uma nova meta: Gibraltar. Com o dinheiro que tinha guardado tornou-se comerciante de livros, andando pelas ruas e subúrbios da cidade. Permaneceu em Gibraltar por pouco tempo e em seguida foi para Granada, onde abriu uma verdadeira e própria livraria.
Em Granada, no dia 20 de janeiro de 1539, após ter escutado uma pregação do Beato João d’Ávila, decidiu começar vida nova. Seu fervor de neoconvertido impressionou negativamente a população da cidade, que o tomou por louco e o internou em um hospício. Aí, deu-se conta da situação fora do normal em que eram tidos os doentes mentais e decidiu em seu coração fazer alguma coisa.
O INÍCIO DE SUA OBRA
Assim que saiu do hospício foi em peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, pois desejava que a mãe celeste lhe fizesse conhecer com mais clareza se seus planos vinham de Deus. Retornando a Granada, começou a cuidar dos enfermos. Primeiramente, cuidou dos enfermos na entrada de um palácio nobre; depois, em uma casa mais confortável e finalmente fundou um autêntico complexo hospitalar.
O bispo do local lhe sugeriu usar um hábito, que, mesmo não sendo o usado entre os religiosos, torná-lo-ia conhecido como pessoa consagrada a Deus. João aceitou, pois, desse modo, sua obra não pareceria mais como exótica iniciativa pessoal, mas como obra da Igreja, dando-lhe maior crédito para obter fundos. O bispo, por sua vez, por sua própria conta quis oficializar o nome que jamais o povo lhe tinha dado: “João de Deus”.
Em 1548, fundou outro hospital em Toledo e depois foi a Valladolid para se encontrar com Felipe II, regente de Espanha, e sua corte. Estava cheio de dívidas e não podia pagá-las com a simples ajuda do povo. Apresentou a quem de direito a situação em que se encontrava não por imprudência ou por má administração, mas porque procurava ir ao encontro das necessidades objetivas dos súditos do rei.
IRMÃOS, FAZEI O BEM
Quando João pedia esmolas, dizia sempre “Fazei o bem, irmãos, a vós mesmos!”, para recordar a cada um que quem dá aos pobres empresta a Deus. Daí o nome fatebenefratelli dado aos seus filhos espirituais.
Na verdade, ele não pensava em fundar uma ordem ou congregação religiosa: os seus colaboradores eram leigos que queriam cuidar dos enfermos como ele. Os primeiros foram dois inimigos obstinados que João tinha reconciliado; a eles, aos poucos, foram-se juntando outros e João os chamou simplesmente de “irmãos hospitaleiros”. Quando morreu, aos 18 de março de 1550, não deixou nenhuma regra escrita, somente algumas cartas.
O desenvolvimento das fundações e dos colaboradores depois de sua morte impeliu a Santa Sé a dar aos fatebenefratelli uma regra e uma estabilidade jurídica.AS INTUIÇÕES DE JOÃO
João de Deus, porém, não é lembrado somente por sua santidade, mas também pelas intuições extraordinárias que teve a respeito da saúde. Naquele tempo, os hospitais eram ao mesmo tempo asilos para os idosos abandonados, refúgio para os peregrinos sem casa e abrigo para os doentes que ninguém queria ter em casa. Frequentemente, os indigentes, também os enfermos com doenças contagiosas, eram literalmente amontoados sobre leitos improvisados e quem entrava no hospital corria o risco de ser contaminado por outras doenças mais graves.
João organizou seus hospitais por repartições, segundo as várias doenças, e a cada enfermo era dado um leito limpo e bem arrumado. Partindo do Evangelho, que em cada enfermo se revela o rosto sofredor de Cristo, ele quis dar a cada enfermo uma assistência personalizada que não se limitava a ministrar os remédios, mas estabelecia um relacionamento humano de
confiança recíproca com cada um.
Ainda mais revolucionária foi a sua obra com os doentes mentais. Eles ainda eram considerados como endemoniados e eram frequentemente presos e punidos. João, tendo experimentado na sua pele certos maus-tratos, decidiu que em seus hospitais os dementes fossem tratados simplesmente como pessoas doentes psiquicamente, portanto, com mais necessidade de afeto humano; ou melhor, deveriam ser amados mais do que os outros e jamais castigados ou encarcerados.
A seu respeito foi escrito justamente que “na assistência hospitalar mereceu um lugar que jamais poderá ser esquecido nos séculos”.
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