ACONTECE NA IGREJA Amor Bíblia Carmelitas Carmelo Catecismo Catequese Catequista Catequistas CNBB Coronavírus Deus ESPAÇO DO LEITOR Espiritualidade Espírito Santo Eucaristia Família Formação Fé Igreja Jesus juventude Maria MATÉRIA DE CAPA Natal Nossa Senhora do Carmo O.Carm. Ocarm Oração Ordem do Carmo Papa Francisco Pentecostés provocarmo Páscoa Quaresma Reflexão SANTO DO MÊS Sociedade Somos Carmelitas somoscarmelitas São Martinho Vida vocacional Vocação vocação carmelita
Algo desconfortável ocorre com a vida consagrada. Murmurações, fofocas, indisponibilidade, afetos doentios, excesso de exibição virtual e, o mais cruel, um cansaço marcado pelo egocentrismo. No entanto, no princípio não era assim. Por isso, precisamos daquela conversão que nos pede o Evangelho: mudar a direção, enveredar por um outro caminho.
Por que chegamos a tal ponto? Foi uma inculturação errada que fizemos no mundo. Éramos para encarnarmos na cultura, a fim de tornarmos credível a mensagem do Reino aos nossos contemporâneos, mas nossa imersão foi num tecido social diferente daquele que optou Jesus em sua vida. Jesus optou pelo nada, a fim de oferecer Deus aos homens. O cansaço, seja pessoal ou institucional, é o resultado do excesso de atenção a nossa própria imagem, fato que nos faz viver fragmentados. Nosso tempo gira em torno de nossa vida burocrática, no entanto há um tempo a ser vivido diferente e é aquele dedicado a descobrir o “mundo do outro”. Há duas correntes degenerativas da modernidade que nos agarraram sem que percebêssemos: o ateísmo prático e o niilismo.
O ateísmo prático revela um aspecto assustador da vocação. Trata-se da profissão de fé num valor transcendental que, lá no fundo, custa a própria pessoa em acreditar. O indivíduo professa-o publicamente, mas não leva uma vida à altura dos valores espirituais. O fundamento da vida não é mais crer num princípio supremo, pois tudo é explicado a partir de um pragmatismo ou historicismo, ou seja, só vale aquilo que o próprio homem pode construir. Deus vai saindo do horizonte, tornando-se distante e sem muita relevância. Por exemplo, no púlpito eu prego sobriedade de vida, simplicidade, confiança na providência divina, mas entro em pânico quando sou privado de bens e de lugares que eu gostaria de ter e de estar. O consagrado para sentir-se seguro adota um estilo de vida caro e se incultura numa sociedade de aparências, frequenta círculos luxuosos e gasta pouco tempo com a massa ferida que representa o corpo de Cristo hoje. Esse ateísmo prático nos faz enxergar que a melhor vida é a do vizinho, pois aparentemente ele tem o que eu gostaria de ter. O tempo não é mais para experimentar Deus, mas deve ser ocupado com atividades de desempenho que me dão satisfação e reconhecimento.
Talvez um bom caminho para abrirmos nossos olhos acerca dos efeitos nefastos dessa erva daninha é despertarmos para a mística de abandono em Deus. Se cultivamos mais simplicidade de vida, então nos reconciliamos com aquelas tensões que roubam a paz. Madre Teresa dizia: “É fácil amar a Deus por aquilo que Ele nos dá. Eu quero amar a Deus por aquilo que Ele tira”. Abandonar-se é exercitar a confiança, sobretudo quando as noites nos assustam. Uma segunda via alternativa para nutrirmos um senso crítico com o ateísmo prático é a oblatividade. Nossas províncias religiosas concentram-se muito em projetos de autopreservação, mas poderíamos ser mais felizes se não elaborássemos filosofias que bloqueiam a missão, ou seja, novas presenças que nos põem diante de rostos desconhecidos, novas comunidades apostólicas mais centradas na fraternidade e em encontros que nos humanizam.
O ateísmo prático conduz a pessoa para um outro abismo: o niilismo. Nada, nenhuma certeza espiritual serve para sustentar a vida. Enquanto o ateísmo prático se apoia em explicações materiais, o niilismo pretende convencer o sujeito que sua vida não vale a pena, então deixa-se as coisas acontecerem como mera sucessão de fatos, sem sentido algum. Para um consagrado, isso se reflete na falta de profecia, no deixar-se absorver por uma maioria esmagadora que tem medo de sonhar e de arriscar. Se a vida não vale, então vamos seguindo sem rumo, sem saber aonde chegar e sem dar importância à vocação.
Os consagrados, que caíram na armadilha do niilismo, são extremamente pessimistas. Não apoiam as novas gerações em seus projetos. Contentaram-se com o bem-estar oferecido pela rotina conventual e nem querem ouvir algo de novo que pode romper o status quo da vida congregacional, pois sabem que isso pode exigir mais fé deles. O niilismo tornar-se sistêmico quando uma família religiosa deixa de acreditar no poder de seu carisma.
Na vida consagrada o niilismo tem uma irmã gêmea, ela se chama acédia. Perde-se o apetite em viver. Não se tem emoção e ninguém quer mais vibrar com nada. A acédia é tão cruel que tira o colorido da vida, tornando-nos como cadáveres abandonados que foram esquecidos de ser sepultados. A acédia e o niilismo apagam o fogo que fazia arder a paixão pelo carisma, pela missão, minando nossa ousadia de avançar para as águas mais profundas da evangelização. Muito conforto, tudo organizado, nada nos falta, enfim a famosa manutenção são alguns dos graves sintomas que ilustram uma vida consagrada cansada e deprimida.
Há uma fórmula para nos acordar desse sono da indiferença: “Deus está!”. Aqui assumimos o sentido último e nos deixamos guiar por uma nova possibilidade de futuro. Isso significa retomar o caminho da fé, mas agora de um modo mais radical, como aquele que impulsionou Jesus para o mistério do Pai e do Reino. Essa fé arde, nos inquieta e nos questiona. É um despertador de nosso delírio de confortos, de poder. Essa fé é uma reviravolta existencial, pois faz ver diferente e com mais esperança.
Cada um se dê conta desse sinal vermelho, pois só uma parada mais demorada poderá ajudar a abrir o coração para o essencial da nossa consagração. É bom fazer travessias e é maravilhoso quando descobrimos que são os sinais dos tempos que nos pedem um novo modo de viver a nossa consagração no mundo.
Comments0