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Quando a pergunta vem viciada, a resposta já fica comprometida. A vida eterna não é uma realidade independente, que existe como uma coisa que se ganha ou se perde depois da morte em troca de ações realizadas. Assim como um prêmio da loteria esportiva, que se obtém com a cartela preenchida corretamente.
A vida eterna já se inicia aqui na terra e se constitui fundamentalmente pelas relações que criamos. O teólogo J. Ratzinger, hoje Bento XVI, escreveu: “todo amor quer eternidade – o amor de Deus não só a deseja, como a realiza e é” (RATZINGER, J.Introdução ao cristianismo: preleções sobre o símbolo apostólico. São Paulo: Herder, 1970. p. 302). E na encíclica Deus Caritas Est retoma ideia semelhante: “O primeiro é que entre o amor e o Divino existe qualquer relação: o amor promete infinito, eternidade – uma realidade maior e totalmente diferente do dia a dia da nossa existência”; “O amor visa à eternidade”. Traduzindo em linguagem simples, a eternidade não se ganha nem se perde, mas é o amor que vivemos aqui e ultrapassa o tempo e espaço para dentro da infinitude de Deus. Então toda pessoa que ama não ganha o céu, é já a eternidade feliz iniciada.
E Jesus Cristo? Ele manifestou tal realidade em grau máximo e nos possibilitou vivê-la, mas não necessariamente em relação explícita a ele. Desconhecendo a Jesus, mas amando, alguém participa da fé nele. E por isso já vive incoativamente a eternidade na medida do amor.
A fé que salva é aquela que está informada de amor. Aceitar Jesus significa sair de si, cuidar do outro, realizar o que ele nos ensinou no evangelho, mesmo sem saber que se trata dele. Que Jesus dirá aos que entrarão na sua glória eterna? Que ele teve fome, sede, foi peregrino, esteve nu, enfermo e preso e foi socorrido. Quando? Todo pequeno serviço que se fez a um dos irmãos menores foi a ele que se fez (Mt 25,31-40). Aí está a melhor definição da fé em Jesus Cristo. O serviço da caridade.
Nessa perspectiva, a pergunta soa bem diferente. O correto seria perguntar: alguém que foi radicalmente egoísta, que não amou seu irmão, poderá salvar-se, quer seja cristão de batismo, quer não? A resposta soa: não. Não porque Deus o condene, mas porque ele se constituiu um ser sem amor. E ser-sem-amor é idêntico a inferno. Vale o contrário. Quem saiu de si, amou os irmãos, foi fundamentalmente próximo aos demais, se salva, quer seja cristão, quer não? Sim. Mais: ele já é céu aqui na terra e, depois da morte, revelar-se-á plenamente a verdade de tal vida.
Cristão que não ama não estabelece nenhuma relação de amor e de eternidade com Deus. Portanto, não pode conviver com um Deus que é amor, porque não quer amar. Um não cristão que ama está em íntima relação com o Deus que é amor e, por conseguinte, já começou a ser céu e o será eternamente. Mais correto é dizer que somos céu e não que vamos ao céu. E só se é céu pelo amor. E o contrário. Não perdemos a vida eterna, não vamos para o inferno, como se fosse um lugar, mas nos tornamos inferno, porque não amamos.
E santo Agostinho nos recorda que “somos o que amamos”. Se amamos somente a nós mesmos, somos solidão individual. Se amamos os irmãos, somos comunidade de amor. E a vida eterna não é nada mais que comunidade de amor entre nós na força do amor de Deus que nos sustenta no ser para sempre.
* Doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma. Há mais de três décadas vem se dedicando ao magistério e à pesquisa teológica. Tem vários livros publicados no Brasil e no exterior. É vigário da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes em Vespasiano, na Grande Belo Horizonte-MG.
SÓ SE SALVA E GANHA A VIDA ETERNA QUEM ACEITA JESUS? NESSE CASO, SÓ OS CRISTÃOS SERÃO SALVOS?
Pe. J. B. Libanio, sj*
Quando a pergunta vem viciada, a resposta já fica comprometida. A vida eterna não é uma realidade independente, que existe como uma coisa que se ganha ou se perde depois da morte em troca de ações realizadas. Assim como um prêmio da loteria esportiva, que se obtém com a cartela preenchida corretamente.
A vida eterna já se inicia aqui na terra e se constitui fundamentalmente pelas relações que criamos. O teólogo J. Ratzinger, hoje Bento XVI, escreveu: “todo amor quer eternidade – o amor de Deus não só a deseja, como a realiza e é” (RATZINGER, J.Introdução ao cristianismo: preleções sobre o símbolo apostólico. São Paulo: Herder, 1970. p. 302). E na encíclica Deus Caritas Est retoma ideia semelhante: “O primeiro é que entre o amor e o Divino existe qualquer relação: o amor promete infinito, eternidade – uma realidade maior e totalmente diferente do dia a dia da nossa existência”; “O amor visa à eternidade”. Traduzindo em linguagem simples, a eternidade não se ganha nem se perde, mas é o amor que vivemos aqui e ultrapassa o tempo e espaço para dentro da infinitude de Deus. Então toda pessoa que ama não ganha o céu, é já a eternidade feliz iniciada.
E Jesus Cristo? Ele manifestou tal realidade em grau máximo e nos possibilitou vivê-la, mas não necessariamente em relação explícita a ele. Desconhecendo a Jesus, mas amando, alguém participa da fé nele. E por isso já vive incoativamente a eternidade na medida do amor.
A fé que salva é aquela que está informada de amor. Aceitar Jesus significa sair de si, cuidar do outro, realizar o que ele nos ensinou no evangelho, mesmo sem saber que se trata dele. Que Jesus dirá aos que entrarão na sua glória eterna? Que ele teve fome, sede, foi peregrino, esteve nu, enfermo e preso e foi socorrido. Quando? Todo pequeno serviço que se fez a um dos irmãos menores foi a ele que se fez (Mt 25,31-40). Aí está a melhor definição da fé em Jesus Cristo. O serviço da caridade.
Nessa perspectiva, a pergunta soa bem diferente. O correto seria perguntar: alguém que foi radicalmente egoísta, que não amou seu irmão, poderá salvar-se, quer seja cristão de batismo, quer não? A resposta soa: não. Não porque Deus o condene, mas porque ele se constituiu um ser sem amor. E ser-sem-amor é idêntico a inferno. Vale o contrário. Quem saiu de si, amou os irmãos, foi fundamentalmente próximo aos demais, se salva, quer seja cristão, quer não? Sim. Mais: ele já é céu aqui na terra e, depois da morte, revelar-se-á plenamente a verdade de tal vida.
Cristão que não ama não estabelece nenhuma relação de amor e de eternidade com Deus. Portanto, não pode conviver com um Deus que é amor, porque não quer amar. Um não cristão que ama está em íntima relação com o Deus que é amor e, por conseguinte, já começou a ser céu e o será eternamente. Mais correto é dizer que somos céu e não que vamos ao céu. E só se é céu pelo amor. E o contrário. Não perdemos a vida eterna, não vamos para o inferno, como se fosse um lugar, mas nos tornamos inferno, porque não amamos.
E santo Agostinho nos recorda que “somos o que amamos”. Se amamos somente a nós mesmos, somos solidão individual. Se amamos os irmãos, somos comunidade de amor. E a vida eterna não é nada mais que comunidade de amor entre nós na força do amor de Deus que nos sustenta no ser para sempre.
Fonte: Revista Vida Pastoral
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