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A Transfiguração do Senhor é celebrada na Igreja oriental desde o século V, fixada em seu calendário solene como uma das grandes festas litúrgicas em honra de Nosso Senhor Jesus Cristo, e celebra-se em 06 de agosto. Essa data é celebrada com comemorações populares no ocidente, como Bom Jesus (com várias denominações), Santo Cristo, Santíssimo Salvador, Salvador do Mundo, e tantas outras invocações. Foi nessa data significativa que voltou para a casa do Pai, o Beato Papa Paulo VI, protetor da vida por nascer (EV) que será canonizado em outubro próximo.
A Transfiguração do Senhor está entre as grandes festas e solenidades da Igreja oriental, vem precedida com a oração das vésperas solene, seguido da grande vigília de oração, é evidente que para os nossos irmãos orientais esta festa tem uma importância extraordinária pois traduz profundamente a teologia da divinização do homem.
A motivação pela qual se celebra em 06 de agosto provavelmente está associado a festa da dedicação da Igreja do Monte Tabor, mas também porque é o dia do grande meio-dia, o apogeu da luz do verão. Tem também a questão de ser quarenta dias antes da Festa da Exaltação da Santa Cruz. Segundo uma tradição esse acontecimento teria ocorrido quarenta dias antes da crucifixão.
Na tradição histórica do povo bíblico neste dia os frutos da estação eram abençoados no altar do Senhor, algumas vezes simbolizados pela Uva. Mesmo sendo de origem palestina, a festa da Transfiguração do Senhor também se estendeu às Igrejas Armênia e Siríaca; somente depois começou a fazer parte das festas da Igreja Ocidental, e foi introduzido no calendário católico ocidental por volta do ano de 1457, pelo Papa Calisto II (cf. Missal Romano).
Neste dia celebramos a Transfiguração do Senhor e Nosso Salvador Jesus Cristo, além de católicos e ortodoxos, para esta solenidade se unem os irmãos anglicanos e luteranos, iluminados e irmanados pelo mesmo espírito, unidade que congrega a mesma inspiração e carisma do seguimento de Jesus Cristo.
A Igreja ao celebrar a Transfiguração do Senhor recorda o episódio da própria transfiguração narrado no Evangelho, acompanhando mais de perto os aspectos cronológicos da vida de Jesus Cristo, sua história.
O episódio da Transfiguração chegou até nós através dos relatos dos Evangelhos Sinóticos (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36), mas também através de uma alusão contidas na Segunda Carta de São Pedro Apóstolo (1.16 a 18) proposta pela forma litúrgica como uma leitura do livro do profeta Daniel (7-9-10.13-14), se a festa for celebrada na semana.
O profeta Daniel, na primeira leitura (Dn 7,9-10.13-14), nos prepara para a compreensão da Transfiguração de Jesus através da forma literária bíblica da visão apocalíptica, que, graças ao conhecimento da história do Evangelho, podemos entender a profecia de forma cristológica. Em sua visão noturna, Daniel fala de um ancião de ” roupas brancas como a neve” e do cabelo “branco como a da lã”, (cf. Dan 7,9), ambas as características ele atribui a esse ancião de muitos anos que se senta em seu ardente trono, em torno do qual existe o tribunal celestial ao seu serviço. A estes é apresentada uma pessoa que chegou com as nuvens do céu, “como um filho do homem” (cf. Dan 7, 13), a quem é dado um poder eterno, glória e seu reino que permanecerá para sempre; todos os povos o servirão.
Esta profecia está em uma chave cristológica, porque lemos a expressão filho do homem em referência a Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, filho do homem e Filho de Deus. O próprio Jesus Cristo usou o nome filho do homem para ajudar os ouvintes a refletir sobre sua pessoa e missão.
É interessante lembrar que durante o julgamento perante Pilatos, Jesus se declara o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, e por isso ele foi acusado de blasfêmia, que irá levá-lo à morte ignominiosa da cruz.
Na carta apostólica de Pedro (2Pd 1, 16-19), uma leitura alternativa para hoje, podemos ouvir de uma testemunha mais que ocular, sua experiência de fé, que se torna para nós a esperança daquilo que nos espera na vida eterna, quando seremos como ele, como Ele é, tudo resplandecente de luz.
No Evangelho de Marcos (Mc 9, 2-10), estamos no contexto que antecede a paixão de Jesus, que, antes de subir para a última hora da Galileia a Jerusalém, reunido com seus discípulos amados, Pedro, Tiago e João, para levá-los a uma alta montanha: a tradição da Igreja identifica como sendo o Monte Tabor. Aqui, Jesus foi transfigurado diante deles seu rosto e suas roupas tornaram-se brilhantes e brancas, de modo que nenhuma lavadeira poderia fazer o mesmo.
Neste evento prodigioso, Moisés e Elias (a Lei e os Profetas) apareceram conversando com Jesus. Diante de tudo isto, Pedro se voltou para Jesus para expressar sua admiração e seu temor pelo que ele e os outros dois discípulos tinham visto e em que eles estavam participando: Rabino, que quer dizer (mestre) é bom estarmos aqui: vamos fazer três tendas, uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias. Uma nuvem chegou, símbolo da presença divina como a que acompanha os judeus, (cf. Êxodo 16, 16), que os envolveu com sua sombra, da qual veio uma voz: “Este é o meu Filho amado: escutai-o!”, repetindo o que Deus, o Pai, já havia revelado por ocasião do batismo de Jesus no Jordão, a primeira teofania da Trindade. “Filho Amado” é um dos mais importantes títulos cristológicos, inspirados por (Isaías 42, 1), onde o termo “amor” significa o Servo de Javé, enquanto o convite: “ouvir”, lembra (Deuteronômio 18,25), onde Moisés anuncia a vinda do profeta do fim dos tempos ao qual o povo deve ouvir.
Essa voz e a sombra da nuvem lançaram os discípulos em grande medo, de modo a prostrá-los ao chão. Mas quando os discípulos olharam em volta, não viram senão só Jesus. Esta presença, é o único essencial, é a coisa mais importante a ser encontrada no final de uma grande experiência. Ao descerem da montanha, Jesus ordenou que não contassem a ninguém sobre a experiência teofânica vivida, exceto depois que o Filho do Homem ressuscitou dos mortos, o que eles não compreenderam.
O texto bíblico de Marcos começa com a expressão temporal depois de seis dias que a liturgia da Palavra de hoje não mantém fim de não criar vínculos com o que precede este episódio e, assim, para não dispersar a atenção da dimensão litúrgica que esta solenidade propõe.
Neste contexto de explicação, ele lembra que seis dias é o intervalo de tempo entre a confissão de Pedro, que na cidade de Cesaréia de Filipe proclamou Jesus como o Filho de Deus, e o anúncio de Jesus como o Filho amado de Deus que aconteceu no monte da transfiguração. É, portanto, uma confirmação, e foi o que fortaleceu a fé dos três discípulos, para que um este testemunho fosse transmitido através da tradição apostólica em todo o mundo Cristão.
Por esta razão, Deus revela no Monte da glória do seu Filho, como ele faz nas margens do Jordão, no início do ministério público de Jesus. Esta é uma característica do modo de agir de Deus que se aproxima do homem e se reúne no Monte para elevar a coragem que em breve será colocada à prova através da paixão e morte de Jesus a quem seus discípulos ajudarão com grande medo e desapontamento.
Jesus toma a iniciativa de levar consigo Pedro, Tiago e João em uma alta montanha, em um lugar recluso, sozinho (cf. Mc 9,2). Eles são os mesmos discípulos que testemunharão os milagres mais significativos e, finalmente, sua agonia. A alta montanha recorda a teofania do Sinai, na qual Moisés desfrutava da glória de Deus, a mesma que agora no Tabor, é refletida no rosto e nas vestes brancas de Jesus, enquanto a nuvem representa a presença de Deus e sua transcendência. Moisés e Elias são representados nos ícones que retratam a Transfiguração em uma convergência física, um olhar para a pessoa de Jesus, como para sublinhar o cumprimento da antiga aliança, agora inaugurada por Jesus dando-lhe um sentido novo e transformador.
A luz é a forma mais perfeita de comunhão porque permite o conhecimento mútuo. Está claro como a transfiguração, com o tema da luz, foi logo escolhida como a leitura básica para a catequese litúrgica em preparação para o batismo (cf. Liturgia do II Domingo da Quaresma): Moisés na sarça ardente, Elias na carruagem de fogo; Pedro, Tiago e João no monte Tabor; os apóstolos com Maria no Cenáculo de Pentecostes, e Paulo no caminho de Damasco.
A Transfiguração é, portanto, uma teofania, uma manifestação tanto da vida divina de Cristo como da Trindade. Nesse sentido, o episódio da vida de Jesus é considerado como o batismo de Jesus no Jordão. A voz do Pai declara Jesus como seu filho amado; o Filho está brilhando de luz, símbolo de sua descida divina; o Espírito envolve os discípulos à sombra da nuvem, tornando-se o portador da voz que testemunha a identidade de Jesus.
Jesus foi transfigurado aos olhos dos seus discípulos, e até mesmo os olhos dos discípulos foram transfigurados, no sentido de uma transformação de sua capacidade de ver, contemplar, para ser capaz de encontrar em Cristo a glória de Deus através do Espírito Santo. Esses discípulos são aqueles que participaram de momentos particulares na vida de Jesus: curas, pregação e depois paixão. É precisamente para fortalecer a fé destes, tendo em vista o escândalo da cruz, que Jesus os escolheu por causa da humilhação de enfrentar a morte e sendo desfigurado pela dor na cruz, eles podem, em seguida, lembrar-se de ter contemplado a natureza divina de Jesus, mesmo por um momento, a fim de acreditar além da morte que parece cancelar a vida.
A Transfiguração é um suporte para a fé, a fim de sustentar a fraqueza de seus apóstolos, uma ajuda gradual diante do mistério de Cristo até a Páscoa. É um lampejo de luz do Reino de Deus que é o próprio Cristo, a luz da Páscoa e do Pentecostes, o tempo da Transfiguração do mundo.
Se Moisés e Elias representam a antiga aliança, aqueles que foram escolhidos para se encontrarem com Deus em favor do povo, Pedro e os dois irmãos Tiago e João representam a nova aliança, aqueles que trarão a mensagem do amor de Deus através de Jesus Cristo.
A transfiguração, podemos vê-lo como uma janela aberta sobre a divindade de Jesus, a participação em sua essência intra-trinitária, ou pelo menos a manifestação que é experimentada por nós pelo que Ele é dentro da Trindade. Esta é a vida que o Filho sempre viveu, antes que o mundo fosse, vida assumida no corpo de carne que Jesus nascido de Maria, e oculta durante sua vida terrena. É, portanto, uma antecipação do que seremos quando formos glorificados na ressurreição, o que seremos quando Cristo transformar nosso corpo mortal e torná-lo semelhante ao seu corpo glorioso, para participar da beleza de Deus.
Em nossa jornada de cada dia estamos gradualmente transformados pela ação do Espírito de Cristo, que, através dos sacramentos, especialmente da Eucaristia, a presença perfeita de Jesus Cristo transfigurado no pão e no vinho que pela transubstanciação se tornam o seu Corpo e do seu Sangue para a remissão dos pecados e para a nossa salvação. Jesus transfigurado já é o que o cristão é chamado a se tornar através de seu batismo e por consequência sua vocação e missão no mundo.
A vida Cristã se compreende como um processo histórico de transformação real em Cristo, parafraseando o prefácio próprio desta solenidade, que revelou a sua glória tanto para preparar os seus discípulos para suportar “o escândalo da cruz” como para antecipar o esplêndido destino da Igreja ao longo de sua história.
Assim, a transfiguração é uma lição de fé para nós também, e é também uma lição de esperança, quando a proclamação da paixão e da morte se aproxima quando a tristeza e o sofrimento entram em nossa existência e somos capazes de Transfigurar com Jesus Cristo para ressurgir transformados e iluminados.
Por Cardeal Orani João Tempesta, Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ) (Via CNBB)
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