Estamos nos aproximando de um tempo muito importante para nossa vida cristã: tempo de conversão e de retorno à vida batismal: tempo da Quaresma, com sua espiritualidade e suas práticas ascéticas e místicas.
Para nós no Brasil temos a Campanha da Fraternidade que neste ano nos chama a ver os pecados de nossa sociedade com relação ao tráfico humano. Sobre esse assunto já escrevi e tivemos em nossa Arquidiocese a preparação para o lançamento da mesma na Quarta-feira de Cinzas.
O Papa Francisco também já nos orienta mundialmente sobre o que ele deseja da Igreja Católica neste ano: “Fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza” (cf. 2 Cor 8,9). Esse mesmo teor ele nos indica para a reflexão e prática como tema da Jornada Mundial da Juventude que ocorre em nível diocesano no Domingo de Ramos: “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu” (Mt 5,3). E com essa proposta, já indica os próximos temas dos anos seguintes, dentro do “Sermão da Montanha”.
O nosso convite é para que neste tempo vivamos intensamente a vida de silêncio, conversão – preparando-nos para celebrar festivamente a Páscoa da Ressurreição.
A palavra “Quaresma” vem do latim “quadragésima”, isto é, “quarenta”, e está ligada a acontecimentos bíblicos, que dizem respeito à história da salvação: jejum de Moisés no Monte Sinai, caminhada de Elias para o Monte Horeb, caminhada do povo de Israel pelo deserto, jejum de Cristo no deserto. Como outrora, o povo de Deus caminhou 40 anos no deserto, rumo à Terra prometida (Terra de Canaã), e Jesus se retirou 40 dias no deserto, preparando sua paixão, morte e ressurreição, assim, os cristãos, hoje, acompanham os passos do Divino salvador, preparando devotamente a santa Páscoa.
A Quaresma é um tempo de Preparação Penitencial para a Páscoa, e tem dois momentos distintos: o primeiro vai da Quarta-feira de Cinzas até o Domingo da Paixão e de Ramos, e o segundo, como preparação imediata, vai do Domingo de Ramos até à tarde de Quinta-feira Santa, quando se encerra então o tempo quaresmal. Aí começamos a celebrar o Solene Tríduo Pascal.
O tempo da Quaresma é tempo privilegiado na vida da Igreja. É o chamado tempo forte, de conversão e de mudança de vida. Sua palavra-chave é: “metanóia”, ou seja, conversão. Nesse tempo se registram os grandes exercícios quaresmais: a prática da caridade e as obras de misericórdia. O jejum, a esmola e a oração são exercícios bíblicos até hoje recomendáveis na imitação da espiritualidade judaica. No Brasil, como dissemos, realiza-se a Campanha da Fraternidade, com sua proposta concreta de ajuda aos irmãos (temos a coleta da solidariedade), focalizando sempre um tema da vida social.
Seis são os domingos da Quaresma, sendo o sexto já o Domingo de Ramos. A Quaresma tem o seu domingo da alegria: o 4º domingo, chamado “Laetare”.
A Espiritualidade Quaresmal é caracterizada pela:
Escuta da Palavra de Deus: a Palavra de Deus é a luz que ilumina nossos passos, chama à conversão e reanima nossa confiança na misericórdia e bondade de Deus. Vamos ouvir o que Deus quer nos dizer nesta Quaresma através de sua Palavra!
Oração: na Quaresma devemos intensificar a vida de oração pessoal e comunitária. Lembramos as reuniões da CF e da via-sacra em família ou nas comunidades como momento forte de oração comunitária. Pela oração entramos em sintonia e intimidade com Deus e discernimos sua vontade.
Caridade: na Quaresma somos chamados ao exercício da caridade fraterna e solidariedade com os irmãos. Caridade que se expressa, sobretudo, através da esmola. A esmola é um exercício de libertação do egoísmo. A partilha dos bens materiais é um gesto de caridade cristã que enobrece a alma humana. Lembramos que neste ano a Arquidiocese vive o “ano da caridade”, e este gesto deveria ser ainda mais intensificado. Porém, dar esmola não é apenas dar dinheiro, roupas e alimentos… É fazer-se doação e entrega aos irmãos no serviço de construção da fraternidade que é expressão do evangelho. O Papa Francisco nos recorda de comprometer-se com o outro, “olhar o outro” com quem estou partilhando. A Igreja no Brasil promove neste período a Campanha da Fraternidade, que é um grande chamamento e mobilização em favor de uma sociedade fraterna, justa e solidária. Neste ano temos como tema: Fraternidade e Tráfico Humano e o lema: É para a liberdade que Cristo nos libertou (Gl 5,1).
A Campanha da Fraternidade, desde 1964, tem como objetivo unir os cristãos de todo país e pessoas de boa vontade num grande mutirão pela fraternidade e solidariedade entre as pessoas. Reflexões em comunidades, gestos concretos, aprofundar o tema, viver a conversão e profetizar em nosso tempo: eis passos importantes para a CF.
Jejum: o jejum e a abstinência de carne são gestos exteriores que expressam nosso esforço de conversão e mudança interior. Porquanto, a Quaresma é tempo de retomar o caminho do Evangelho, de renovação espiritual, de morte ao pecado e de cultivo da vida nova ou vida da graça.
Assim sendo, preparemos com entusiasmo Cristão a nossa santa Páscoa através da oração, do jejum e da caridade! Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa são dias especiais para manifestarmos esse gesto, além de todos os demais dias de Quaresma, em especial, às sextas-feiras.
Confissão: o gesto da celebração penitencial quando reconhecemos nossos pecados e experimentamos a misericórdia de Deus deve ser outro gesto que não pode faltar neste tempo. Para isso as paróquias fazem mutirões de confissões, quando os padres de uma mesma região se unem para atender as pessoas de uma paróquia, dando assim oportunidade de todos se confessarem.
A mística deste tempo tem uma riqueza imensa. O Papa Francisco nos ajuda neste ano com o tema: “Fez-se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza”(cf. 2 Cor 8, 9)
Ele nos pergunta em que consiste em ser pobre? “Em que consiste então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu modo de nos amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado meio morto na beira da estrada (cf. Lc 10, 25-37). Aquilo que nos dá verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor de compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu ‘jugo suave’ (cf. Mt 11, 30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua ‘rica pobreza’ e ‘pobre riqueza’, a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogênito (cf. Rm 8, 29)”.
O Papa Francisco nos convida a viver e a testemunhar a pobreza: “Poderíamos pensar que este ‘caminho’ da pobreza fora o de Jesus, mas não o nosso: nós, que viemos depois d’Ele, podemos salvar o mundo com meios humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo”.
O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna.
São muitas riquezas a serem aprofundadas neste tempo que se aproxima. Desde já vamos nos preparando! Um grande acontecimento tem que ser bem preparado. É este o sentido que queremos viver desde já!
Que nesta Quaresma que se aproxima possamos fazer experiência da misericórdia, tornarmo-nos misericordiosos e agentes de misericórdia com um coração e vida de pobre, comprometendo-nos com a libertação das pessoas subjugadas por tantas situações de tráfico humano. Eis que se aproxima a oportunidade de vivermos o “tempo de conversão”.
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