A Páscoa, celebrada com fervor pelos cristãos, transcende o mero simbolismo religioso. Mais do que comemorar a ressurreição de Jesus Cristo, a data convida à reflexão sobre a capacidade humana de renascimento, de superar obstáculos e encontrar a redenção.
Nesta edição da Revista Ave Maria, mergulhamos em histórias inspiradoras de pessoas que, à semelhança de Cristo, experimentaram a morte simbólica e a gloriosa ressurreição. Homens que outrora submersos em vícios, violência e desilusão encontraram a redenção em casas de recuperação, comunidades de vida, igrejas e organizações não governamentais (ONGs). Testemunhas vivas da esperança, essas almas resgatadas do abismo dedicam suas vidas a auxiliar outros a trilhar o mesmo caminho de transformação.
No turbilhão das ruas escuras, onde a fome dói e a alma se desfaz em pedaços, há uma luz que brilha. Felipe Tiago Pereira, natural de Campos Gerais (MG), um sobrevivente das sombras da adição, encontrou sua própria ressurreição nas profundezas da desesperança. Com 33 anos e profissão de serralheiro, sua história é uma narrativa de perdas e redenção, um testemunho de como a fé e a comunidade podem erguer até mesmo os caídos mais profundos.
“Eu venho de uma família estruturada com seis irmãos, pai e mãe, pessoas trabalhadoras e que me criaram com princípios. Sempre trabalhei, estudei e acho que por diversão conheci o mundo das drogas na adolescência, por curtição usava em festas em fins de semana, mas as coisas foram saindo do controle. Cheguei num ponto bem crítico da minha vida quando comecei a usar a cocaína”, compartilha Felipe.
O uso de drogas se torna compulsivo ao longo dos anos, levando a períodos de reabilitação seguidos de recaídas. Após um período de estabilidade, atinge o ponto mais crítico da dependência de drogas: “Ficar vinte dias na rua foi o ponto mais baixo da minha vida. Ali vi realmente a maldade que há nas ruas”, relembra ele.
Enquanto enfrentava os obstáculos mais íntimos e desesperadores, Felipe encontrou a coragem para pedir socorro: “Acho que buscar ajuda sempre acaba sendo uma decisão própria e também sempre tem algo que nos influencia”. Esse impulso o levou à Comunidade Aliança de Misericórdia, onde redescobriu a essência de sua fé e a força da comunidade.
“Fiquei certo tempo dentro da igreja evangélica, onde conheci a mãe do meu filho e tal”, relembra Felipe sobre sua jornada espiritual. “Quando chego à Aliança de Misericórdia é um novo começo e vim porque uma pessoa fez uma novena por mim”, acrescenta ele. Ali ele encontrou uma família espiritual que o ajudou a reconstruir sua vida, passo a passo.
A Aliança de Misericórdia é um movimento eclesial constituído como associação privada de fiéis, reconhecida e sediada na Arquidiocese de São Paulo (SP). Foi fundado no ano 2000 pelos padres João Henrique e Antonello Cadeddu e Maria Paola. A família Aliança de Misericórdia acolhe e une as forças de homens e mulheres, celibatários e casados, leigos e clérigos, que de várias formas e níveis chamados por Deus tornam-se “filhos da misericórdia” para evangelizar as ovelhas perdidas (cf. Lc 15,4-7), confiantes na potência do Espírito Santo, realizando todas as obras de misericórdia que as próprias forças permitirem.
O momento da verdadeira ressurreição veio quando Felipe escolheu permanecer na casa de acolhida Sítio Sagrado Coração de Jesus, em Barbacena (MG). “Significa que esse permanecer não partia somente de mim”, reflete ele, reconhecendo a intervenção divina em sua jornada. Esse despertar o inspirou a dedicar sua vida a ajudar outros a encontrar o mesmo caminho de redenção.
“Quis de alguma forma me dedicar mais ao trabalho para a casa”, compartilha Felipe sobre seu desejo de retribuir. Hoje, ele trabalha na monitoria da casa com os missionários, organizando e delegando as funções aos irmãos acolhidos.
Sua mensagem é de esperança, de que não importa quão fundo alguém tenha caído, sempre há uma oportunidade para ressurgir. “Não fique de braços cruzados, esperando acontecer”, exorta Felipe. “Jesus está de braços abertos esperando cada um de nós”, conclui ele, sua voz cheia de convicção e fé. Em suas palavras ecoa a promessa de que, mesmo nas trevas mais profundas, a luz da ressurreição nunca se apaga.
Vilmar dos Santos, um homem de 44 anos, natural de Santos Dumont (MG), encontrou-se perdido em um labirinto de alcoolismo, prostituição e desespero. Sua jornada de vida o levou ao ponto mais baixo, onde se viu sozinho e abandonado no coração tumultuado do Rio de Janeiro (RJ), longe da família e de qualquer esperança.
Em entrevista, Vilmar compartilhou sua história de ressurreição, destacando os momentos de desafio e redenção que o levaram à sua nova vida na Comunidade Aliança de Misericórdia, no projeto Cidade Rahamim, em Salto (SP). “Meu nome é Vilmar dos Santos e aos 16 anos já tinha uma vida adulta, mas essa liberdade trouxe minha desgraça. Eu me envolvi com álcool, prostituição e brigas, perdendo completamente o rumo”, revela Vilmar, descrevendo os anos de sua queda espiritual.
Foi somente em 2014, após uma vida mergulhada no inferno do vício e da autodestruição, que Vilmar encontrou a luz no fim do túnel. “Sempre soube que precisava de ajuda, mas, não sabia como pedir. Foi então que alguém da Comunidade Aliança de Misericórdia se aproximou de mim e me ofereceu ajuda. Decidi deixar tudo para trás e fazer um caminho com Deus”, explica Vilmar, descrevendo o momento de sua decisão de mudar de vida.
Na Casa de Acolhida São José, em São José dos Campos (SP), Vilmar encontrou não apenas abrigo físico, mas também um renascimento espiritual. “Ali, pela primeira vez, experimentei o cuidado de Deus. A Aliança de Misericórdia foi o sopro da vida em mim”, compartilha ele, refletindo sobre o papel vital da espiritualidade e da comunidade em sua recuperação.
O ápice de sua jornada ocorreu em 2021, quando Vilmar sentiu-se verdadeiramente ressuscitado: “Foi em São José dos Campos que percebi que Deus me ressuscitou. A fé mudou minha trajetória e agora acredito na cura da minha vida”.
Motivado por sua própria experiência de transformação, Vilmar decidiu dedicar sua vida a ajudar outros a ressuscitar. “Ouvir falar da construção da Cidade Rahamim despertou em mim o desejo de fazer parte desse sonho. Quero ajudar aqueles que passaram pelo mesmo que eu”, afirma ele, demonstrando seu compromisso com a missão de amor e serviço.
Hoje Vilmar é um membro ativo da comunidade em Salto, trabalhando na manutenção de obras e na agricultura da Cidade Rahamim. “Deixei para trás o homem velho e busco melhorar a cada dia. A graça acontece no caminho”, diz ele, compartilhando sua mensagem de esperança para aqueles que ainda lutam.
A história de Vilmar dos Santos é um testemunho vivo da ressurreição e da renovação que podem acontecer mesmo nos momentos mais sombrios da vida. Sua jornada de redenção é um lembrete poderoso de que com fé, amor e comunidade é possível encontrar o caminho de volta à luz, não importa quão perdidos possamos parecer.
Douglas Alves Gonçalves tem 33 anos e hoje é pedreiro. É natural de São Paulo (SP), mas, quando criança, morou com a sua avó em Minas Gerais devido à separação dos pais. Desde pequeno, Douglas não tinha uma presença efetiva dos seus familiares e já passava o dia nas ruas e as noites também. Foi onde teve os primeiros contatos com as drogas, cheirando esmalte, cola e para conseguir o dinheiro para o vício começou a fazer pequenos roubos e furtos. Com isso, vieram as primeiras detenções, antes mesmo de completar 18 anos: “Até que eu conheci o crack, andando nas ruas do centro de São Paulo, na tão conhecida Cracolândia. Ali foi o começo do precipício, pois a partir do momento em que comecei a usar fui ficando cada vez mais viciado”. Mesmo depois da maioridade, Douglas continuou em uma vida desregrada, sendo preso pela polícia por várias vezes e a cada dia mais afastado totalmente de sua família e mais imerso no mundo do crime e das drogas.
Certo dia, ele conheceu o Arsenal da Esperança, uma casa que acolhe homens em situação de rua fundada em São Paulo, em 1996, por Ernesto Olivero e a Fraternidade da Esperança SERMIG. Nessa primeira casa de acolhida, Douglas fez curso de pedreiro e até já começava a realizar pequenos trabalhos e receber remuneração por eles, mas ainda estava no vício e usava todo o dinheiro para comprar drogas.
“A assistente social me chamou para conversar. Desabafei: precisava de ajuda, não estava conseguindo mudar de vida. Ela me deu o endereço da Missão Belém, que na época ficava no Brás. ‘Vá lá, eles vão te ajudar’, disse ela. Foi assim que conheci a Missão Belém, por meio da assistente social do Arsenal da Esperança”, diz ele.
Fundada em 2005 pelo Padre Gianpietro Carraro e pela Irmã Cacilda da Silva Leste, a Missão Belém é um movimento religioso católico, também erigido como associação privada de fiéis na Arquidiocese de São Paulo. Os membros do movimento se propõem a reviver o mistério de Belém: Jesus que nasce pobre no meio dos pobres, para os pobres, numa mísera gruta, acolhido com carinho por Maria e José.
Por meio da espiritualidade, da reza do Terço, da participação da Eucaristia, gradualmente Douglas foi se reabilitando e deixando de lado o vício nas drogas. Hoje já são mais de dez anos em que ele participa do movimento; já foi servo e agora é um pai de casa que lidera e ajuda outros irmãos que, como ele um dia chegou ali, buscam ajuda para mudar suas vidas.
Atualmente, Douglas reside no prédio do Projeto Vida Nova, na Praça da Sé, no centro de São Paulo. O local acolhe diariamente por volta de cinquenta a sessenta pessoas em situação de rua, de 1.200 a 1.500 por mês. O acolhimento inclui banho, troca de roupa, café e encaminhamento para casas de restauração da Missão Belém.
“O portão está sempre aberto para acolher quem busca ajuda. A pessoa é recebida, toma banho, troca de roupa, toma café e é encaminhada para uma das casas da Missão Belém”, explica Douglas.
As histórias de superação narradas nesta reportagem servem como um lembrete constante de que a redenção é possível para todos. Que a Páscoa, símbolo da ressurreição de Cristo, inspire-nos a ser instrumentos de transformação na vida daqueles que mais precisam.
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