Aos ler os Salmos devemos estar preparados para um mergulho na sabedoria e na vida do povo de Israel. Nos salmos sapienciais temos uma busca para responder a questões do cotidiano e da existência humana, numa busca da felicidade, do cumprimento da Lei, perpassando pelo sofrimento e pelos clamores por justiça.
O salmista parte da vivência concreta, na qual responde as questões da existência humana, descobrindo como Deus se fez presente na história, e como age em nossas vidas. Os salmos sapienciais são palavras de sabedoria que, de forma didática, procuram orientar o caminhar do ser humano.
A busca da felicidade (centro da vida) pela observância da Lei é promessa de ter vida realizada, prosperidade e descendência, mas, na prática, o povo constatava o contrario, o ímpio com vida em abundância. Diante das injustiças sociais se erguem em protesto, levantam queixas dos seus descontentamentos, das situações de contradição.
Os Salmos foram escritos no período do império em que o cumprimento da Lei surge como forma de continuidade, segurança e sobrevivência. Nesse período, o cumprimento da Lei é viver feliz. Surgem conceitos, de puro e impuro, justos e ímpios, visando controlar a vida em todos os sentidos, num esquema de rituais e fonte de dívidas aos pobres e mulheres. E, nesse momento, a sabedoria da solidariedade passa sofrer com a sabedoria dita oficial vinda de Jerusalém, que possui as Leis em livros e no Templo.
A Teologia dos Salmos deve levar em conta o lado social, visto que os fiéis e justos seguiam a Lei, mas são marcados pelo sofrimento, pobreza e escravidão que gera uma insatisfação existencial. No tempo de Esdras e Neemias: trabalhavam na organização do império, na justiça como observância da Lei de Deus (lei do rei), na teocracia, numa teologia da retribuição, mas o povo compreendia que a salvação não ocorre de maneira isolada ou solitária, mas dentro da comunidade.
Deus age de forma gratuita, e a convivência entre as pessoas da família na fraternidade é uma das maneiras de garantir as bênçãos e a vida, visto que Deus que caminha junto com justos e realiza a aliança com o povo nas suas vidas.
No Salmo 37, por exemplo, seu contexto mostra-nos o destino dos justos (a vida) e dos ímpios (a morte), mas na realidade do Salmo ocorre o contrário, o sábio se direciona aos justos mostrando que devem ter paciência diante da realidade e apresentando que a vida dos injustos é transitória.
O Salmo diz para o justo permanecer praticando o bem e evitar o mal, visto que Deus é aliado dos justos que possuirão a terra, terão prosperidade e descendência. Na verdade, o justo tem como motivação a confiança em YHWH que é o triunfo futuro, visto que as terras foram tomadas e sem campo os camponeses e as camponesas estão sem honra e cidadania. Estamos no século V a.C., num momento de revoltas em Judá entre os que retornaram do exílio e queriam liberdade não somente religiosa, mas também política. Momento este que as pessoas excluídas expressam sua indignação com a teologia oficial, pois as promessas de abundância e felicidade ao justo eram para essa vida, mas ocorria o contrário, estavam na miséria e sofrimento.
Entre o limite de vida e morte, os justos se negam ver a Deus somente num Templo, pois o amor entre irmãos e irmãs é mediação para amar e conhecer a Deus. Acreditam no amor e na sabedoria do coração (pessoa no seu todo) agindo conforme o desejo de Deus; buscam a felicidade. A alegria do justo não provém da teologia da retribuição, mas na confiança total em Deus que é sua salvação, acreditando na aliança e na esperança pela terra.
A leitura dos Salmos é um convite para ver a realidade, meditá-la e dela retirar novos rumos realizados pela ação humana. Seguindo os Salmos não podemos silenciar diante das realidades de morte, mas, pela nossa fé na vida, fazer a mudança do cotidiano, sendo fiel ao projeto de Deus que é comunitário, igualitário de partilha e solidário.
Frei Renê Vilela, O.Carm.
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