“Ó, Senhor Deus, que me marcaste com a luz santa do teu rosto. Faz que eu creia fielmente com fé reta e fervorosa, coroada de obras de vida, que eu me apegue a ti e em tal união persevere imutavelmente até o fim. Ó, Senhor Jesus Cristo, afasta de mim com a eficácia da tua presença, na virtude do Espírito Santo, todas as insídias do inimigo, despedaça em mim todos os laços do pecado e pela tua misericórdia mantém distante de mim toda cegueira do coração. Pela tua graça a minha conduta seja tal que mereça ser templo de Deus, habitação do Espírito Santo.”
É inconcebível hoje que uma menina de 5 anos entre para o convento e aí permaneça por toda a sua vida, como aconteceu com Gertrudes no mosteiro de Helfta, na Saxônia (região da atual Alemanha).
Naqueles tempos, todavia, era uma honra, sendo os mosteiros femininos os únicos lugares em que as moças podiam receber uma educação cultural de alto grau, porque as escolas surgidas à sombra das catedrais e dos mosteiros masculinos recebiam só candidatos homens. Que depois uma moça em certo momento abraçasse a vida monástica ou retornasse para a sua família isso era uma escolha sua, pessoal, ao menos em teoria.
Da infância e da juventude de Gertrudes sabemos somente aquilo que ela mesma nos deixou escrito. Nasceu a 6 de janeiro de 1256, talvez em Eisleben, na Turíngia (também na atual Alemanha). Não sabemos o nome dos pais. Provavelmente, não pertenciam à nobreza do país.
UMA INTELIGÊNCIA INCOMUM
No mosteiro de Helfta, encontrou-se desde menina sob a direção de Mechtilde, diretora das escolas e depois mestra das noviças. Desenvolveu-se muito bem tanto nos estudos clássicos quanto no canto e na arte da miniatura. Tinha uma engenhosidade multiforme e versátil de que ela desfrutava com incrível paixão. Por sua própria vontade decidiu tornar-se monja: havia entendido que Deus a queria inteiramente para si no mosteiro e sem nenhuma hesitação deu o seu “sim”, mas mesmo como monja continuou nos amores da sua juventude: o estudo e a arte.
Assim, terminou o 25º ano de idade quando – como nos narra ela mesma nos seus escritos – todo o saber adquirido no campo sagrado e profano, que durante anos lhe havia agradado tanto, não lhe dizia mais nada à mente e, o que mais a espantava, a própria vida religiosa com os seus ritmos de trabalho e as suas práticas litúrgicas, que até aquele momento eram para ela como o desenvolver-se harmonioso de uma melodia, tinham-se tornado de uma monotonia exasperante.
Gertrudes assistia impotente à derrocada inexorável de todos os seus ideais e entrava na escuridão mais negra até a desesperar da própria salvação. Tudo isso no ano de 1280, mas no dia 27 de janeiro de 1281 Jesus lhe disse: “Quero te salvar e te libertar. Até agora comeste com os meus inimigos o pó da terra e absorveste dos espinhos terrenos algumas gotas de mel. Vem para mim, quero inebriar-te com o rio da minha delícia divina”.
A resposta de Gertrudes foi imediata: “Eu louvo, adoro, bendigo como posso a vossa sábia misericórdia… porque vós, meu Criador e meu Redentor, vos esforçastes por reduzir uma cabeça indomável ao vosso suave jugo, preparando-me um medicamento tão bem adaptado à minha fraqueza”.
E continuava orando: “Ó, meu irmão e esposo Jesus, coloca sobre mim o teu selo de modo que nada eu procure neste mundo, nada eu deseje e nada ame fora de ti. E tu, ó Senhor, digna-te unir-me a ti com uma união espiritual, tanto que me torne tua verdadeira esposa por um amor indissolúvel que a morte mesma não consiga despedaçar”.
À PROCURA DA SABEDORIA
A “cabeça indomável”, que antes se deliciava unicamente no estudo profano e na arte, então estava à procura contínua do esposo. Para encontrá-lo, estudava e meditava com paixão à Sagrada Escritura e os grandes padres da Igreja. Seus autores preferidos eram Agostinho, Gregório Magno, Bernardo de Claraval e Hugo de São Vítor.
Mas, sobretudo, entregou-se com mais empenho à oração: “Ó, Deus amor, como estás próximo daqueles que te procuram; como és doce e amável para aqueles que te encontram! Ensina-me tu mesmo os rudimentos da tua ciência a fim de que o meu coração se aplique contigo em um único estudo. Que eu não seja deixada sempre assim sozinha na escola da tua caridade como um pintinho ainda fechado na casca do ovo; faz, pelo contrário, que em ti, por ti e junto de ti avance e progrida dia após dia, de virtude em virtude, produzindo cada dia por ti, ó meu amado, um fruto novo no teu amor”.
VIVENDO A CARIDADE OPEROSA
Apercebeu-se, porém, de que também o estudo das ciências sagradas e a própria oração, sem a prática cotidiana da caridade, podiam só alimentar sua vaidade e seu orgulho. Prodigalizou-se então no servir o próximo com todos os meios. Estava pronta para abandonar também os momentos de êxtase para atender às necessidades de uma irmã ou para ir ao parlatório para receber as pessoas do mundo que vinham sempre mais numerosas a pedir conselhos e a se fazer dirigir espiritualmente.
Não quis ter para si nem mesmo os frutos do seu estudo e escreveu para as suas coirmãs pequenos tratados espirituais e sínteses dos escritos que lia e o fez na língua do povo, para que pudessem ser úteis também a quem não conhecia o latim.
Todavia, todo esse material se perdeu. Restam-nos só duas obras: O mensageiro do divino amor e Os exercícios espirituais. Escreveu-os, quando se apercebeu de que a doença já havia minado o seu físico, para atender a uma divina inspiração na qual o Redentor lhe ordenava: “Quero ter nos teus escritos um testemunho certo do meu divino amor”.
A EXPERIÊNCIA MÍSTICA
Em O mensageiro do divino amor, Gertrudes narra sua experiência mística. As iluminações divinas, penetrando o coração dessa mulher, transformaram-no intimamente e harmonizaram nela de maneira maravilhosa os dons naturais e sobrenaturais, fazendo-a uma autêntica “mensageira” do amor de Deus para os homens.
Os exercícios espirituais, em vez disso, são um canto de gratidão a Deus pelos acontecimentos salientes da vida cristã e monástica, como o Batismo, a vestição, a profissão religiosa e a preparação para o encontro definitivo com o esposo.
Gertrudes, na sua espiritualidade, alcançou amplamente a espiritualidade beneditina – Sagrada Escritura, patrística e liturgia –, mas introduziu uma nota caracteristicamente sua, porque a revestiu de um afeto humano extraordinário que nunca degenera em sentimentalismo. Ela percorreu as correntes espirituais que mais tarde dariam origem à devoção ao Sagrado Coração de Jesus.
Dirigindo-se a Jesus, escrevia: “Quiseste conceder-me a inestimável familiaridade da tua amizade abrindo-me de diversos modos aquele nobilíssimo escrínio da tua divindade que é o teu coração divino e oferecer-me nele, em grande abundância, todo tesouro de alegria”. Não sem razão, Gertrudes é chamada a “Teóloga do Sagrado Coração”, que precedeu São João Eudes e Santa Margarida Maria Alacoque. Pela segurança e pela profundidade dos seus escritos teológicos, pelo conhecimento íntimo das almas e pela firmeza de caráter, foi também comparada com a grande reformadora do carmelo e é chamada, por isso, de Teresa da Alemanha.
Escrevia em Os exercícios espirituais: “Amor, amor, abre para mim tão pequena as entranhas da tua bondade; derrama sobre mim todas as fontes da tua benigníssima paternidade; rompe os diques dos abismos da tua infinita misericórdia. Absorve-me o profundo da tua caridade, submerge-me o abismo da tua indulgentíssima piedade. Que eu me perca no dilúvio do teu amor vivo, como se perde uma gota do mar na sua imensidade, como se apaga uma centelha do fogo no ímpeto de um rio transbordando suas águas”.
Gertrudes, perdida no coração de Deus, pareceu perder-se também nos meandros da história. Não sabemos, de fato, com exatidão a data precisa da sua morte, acontecida em 1301 ou 1302.
Até mesmo seu túmulo desapareceu quando, em 1346, o seu convento foi destruído. Seus escritos, porém, redescobertos em 1536, tiveram uma grande difusão, alimentando a vida cristã de muitas pessoas.
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