argarida possuía o espírito de compunção em grau eminente. Quando falava das inefáveis doçuras da vida eterna suas palavras eram acompanhadas de uma graça maravilhosa. O seu fervor era muito grande em tais ocasiões, a ponto de não poder deter as abundantes lágrimas. Possuía uma terna devoção e ao vê-la a pessoa se sentia penetrada de vivo arrependimento. Ninguém observava mais exatamente o silêncio na igreja, ninguém mostrava um espírito mais atento à oração.
Quando se leem histórias de rainhas ou princesas elevadas às honras dos altares pela piedade popular, sempre se fica um pouco cético, temendo-se que a fantasia do povo simples tenha criado a santidade de quem normalmente tinha só a ventura de ter nascido em uma corte e a honra de um suntuoso mausoléu em uma igreja artística.
De Margarida da Escócia, porém, podemos estar certos de que alcançou a autêntica santidade: chegou até nós a vida escrita por um contemporâneo com particularidades historicamente certas e existe a beatificação pelo Papa Inocêncio IV em 1251, em Assis, na atual Itália, na Basílica de São Francisco, beatificação que já então exigia um processo canônico regular.
OS PRIMEIROS PASSOS
Margarida nasceu na Hungria aproximadamente no ano 1046, filha de Eduardo Aetheling e de Ágata, irmã da rainha daquele país. Eduardo tinha chegado à Hungria através da Suécia. Quando, efetivamente, o dinamarquês Canuto II se apoderou do reino britânico, mandou os possíveis pretendentes ao trono para o rei Olaf para que os fizesse morrer. Olaf os recebeu com todas as honras e não quis matá-los, mas, quando Canuto ocupou, poucos anos depois, a Suécia, Olaf e os dois príncipes fugiram para a Hungria. Ali Eduardo casou-se com a irmã da rainha e teve três filhos: Margarida, Cristina e Edgard.
A família vivia tranquila em uma terra que não considerava verdadeiramente estrangeira. Eduardo não pensava de maneira alguma em arranjar intrigas políticas para conquistar um reino quando, por ocasião da morte de Canuto, em 1054, foi chamado para a pátria por Eduardo III, conhecido como “o Confessor”, por sua vida santa, para preparar-se para sucedê-lo no reino.
Não subiu, porém, ao trono porque morreu três anos depois. Nem mesmo seu filho, Edgard, conseguiu subir ao trono, porque ainda era muito pequenino por ocasião da morte de Eduardo III em 1066. O reino foi dado pelos nobres e pelos bispos a Haroldo II, que encontrou a oposição do normando Guilherme I, o Conquistador, e foi posto em fuga na batalha de Hastings, no ano 1066.
Diante de tantas sanguinolentas confusões, Edgard, com suas irmãs, fugiu para a Escócia, para junto de Malcolm III. Esse não era absolutamente um santo, mas era cognominado “o Sanguinário” por ter destruído toda a família de Macbeth, conde de Moray, que havia tentado lhe usurpar o trono. Apesar desse passado pouco recomendável, o rei escocês acolheu bem a família real dos britânicos e, enamorado da figura feminina de Margarida, pediu-a em casamento.
RAINHA DA ESCÓCIA
Margarida tinha recebido uma fina educação na Hungria durante a sua infância; sabia ler e escrever, estava a par da vida da Igreja e simpatizava com a reforma gregoriana apoiada e promovida por Cluny. Não era uma menina ignorante, mas uma mulher de 24 anos já conhecedora da vida. Era o caso de aceitar a mão de um rei que tinha o cognome não simpático de “Sanguinário”? E recusá-la o que significaria para seu irmão e para sua irmã? Pensou em dizer “não” e aceitou.
Mais tarde, seu biógrafo podia anotar: “Malcolm escolheu uma esposa da estirpe mais nobre, uma esposa mais nobre ainda pela sabedoria e religiosidade. Ela influi favoravelmente sobre o rei, que abandonou seus hábitos selvagens. E transformou tudo aquilo que lhe estava ao redor. Diante dela não eram permitidos discursos maus”.
Malcolm, que não era tão sanguinário quanto se pensava, deixou moldar seu ânimo pela sua esposa, ouvindo-lhe conselhos. Embora falasse três línguas, não sabia ler e beijava com devoção os livros que sua mulher usava para orar ou para instruí-lo.
MULHER DE GOVERNO E MESTRA DE VIDA CRISTÃ
Margarida organizou a corte com a maestria de uma diligente castelã e cercou seu marido de conselheiros sábios. Admiradora de Cluny, construiu um mosteiro e fez vir uma comunidade de monges. Querendo depois introduzir no reino a reforma gregoriana, promoveu vários sínodos, tomando parte neles também pessoalmente. Em um deles foi perguntado seu parecer a respeito da Comunhão para os pecadores arrependidos. Na severa mentalidade celta, educada pela prática penitencial dos monges irlandeses, parecia impossível dar a Eucaristia a uma pessoa que tivesse caído em um gravíssimo pecado. A rainha, que recebia frequentemente a Eucaristia e que tinha uma boa formação teológica, respondeu sabiamente que todos, no fundo, somos pecadores, mas, se uma pessoa se arrepende, confessa os seus pecados e muda de vida tem direito de receber o Senhor das Misericórdias.
Sob sua influência foram escolhidos bispos que diagnosticavam ordenados sacerdotes celibatários, fazendo florescer em toda parte a vida cristã dos escoceses, tanto no aspecto religioso quanto no cultural, porque onde havia um bispo surgia também uma escola e obras de assistência para os pobres.
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