“Para revestir a sua Igreja de nova beleza virginal, ele adornou Santa Escolástica com as joias da inocência e para ti a tornou mais aceita com a amável simplicidade da pomba. Irmã do glorioso pai São Bento, esteve unida a ele também na santidade, e sob sua orientação, procurando a ti somente, acima de todas as coisas, produziu abundantes frutos da graça e mereceu gozar para sempre do teu amor.”
É muito comum encontrarmos ao lado de um grande homem carismático a presença feminina, e vice-versa – por exemplo, Francisco de Sales e Chantal, Teresa d’Ávila e João da Cruz –, para recordar que o homem e a mulher são chamados à reciprocidade que constitui mútuo enriquecimento e também na encarnação dos mais altos carismas.
A aventura do irmão tocou-a profundamente e foi a primeira em casa a compreender que não se tratava de uma loucura, mas de um chamado de Deus. Respirou aliviada quando em família se soube que ele vivia em Subiaco com outros monges. Conseguiu segui-lo naquele lugar? Não o sabemos, mas certamente foi procurá-lo. Ela terá admirado aqueles jovens todos de Deus, espalhados nos doze pequenos mosteiros. “Que diferença” – terão dito os monges – “entre esta virgem e as mulheres que nos rodeavam na casa de Florêncio!”. Referiam-se às moças pouco recomendáveis que o padre do lugar chamava à sua casa para incomodar os jovens monges alojados nos arredores.
Escolástica conduzia suas filhas ao longo do árduo caminho da perfeição, caminhando na primeira fila e mantendo-se em estreito contato com seu irmão. Para realizar isso, não tinha necessidade de ficar presa a ele frequentemente, mas bastava-lhe encontrá-lo uma vez ao ano para se atualizar e por sua vez informá-lo a respeito de tudo o que o Senhor andava lhe inspirando.
É de autoria de São Gregório Magno o relato que se tornou famoso do último encontro acontecido entre os dois santos, três dias antes de Escolástica partir para o céu.
Bento costumava receber sua irmã em uma pequena casa, distante aproximadamente duzentos metros abaixo do mosteiro, depois de uma descida íngreme. Era chamada a foresteria, porque servia para acomodar os visitantes e parentes dos monges que não podiam ser hospedados dentro da clausura.
Como todos os anos, também dessa vez – era 7 de fevereiro de 547, na quinta-feira anterior ao primeiro domingo da Quaresma, antes de se iniciar o grande jejum – Escolástica, com o costumeiro grupo de suas coirmãs, apresentou-se para o encontro. Os monges do alto da sua abadia viram-na chegar e avisaram o abade.
Esse dia era sempre um motivo de alegria para Bento, como também de reflexão para os outros monges, porque Escolástica de algum modo também fazia parte da sua família. Na cozinha, caprichavam para preparar uma refeição que causasse boa impressão.
Bento fazia-se acompanhar por outro santo monge, capaz de tomar parte nesse encontro – tinha o sabor de uma sagrada liturgia! – sem se deixar distrair pela curiosidade e pela presença feminina, tão rara naqueles lugares.
Os seus filhos deviam ajudá-lo a descer, pois seu coração já não estava tão forte como antes, e as suas pernas às vezes tremiam.
O encontro foi mais festivo do que de costume e a conversa, espontânea. Os outros assistiam a tudo e não só a presença delas não os perturbava, mas tornava ainda mais luminoso tudo o que os dois diziam.
“O místico colóquio durou todo o dia. Parecia que Escolástica bebia fogo dos lábios do irmão. Quanto mais Bento falava de Deus e da beleza do Paraíso, mais crescia no coração da virgem o incêndio do divino amor.”
Num certo momento, quando Escolástica percebeu que seu irmão queria se despedir, ela lhe disse: “Eu te peço que não me deixes aqui sozinha esta noite; continua a falar-me da vida que não tem fim, até que desponte a aurora, e eu, após ter participado da Missa e da Santa Comunhão, possa retornar para minha cela”.
Aquilo era coisa inaudita para Bento: “Nunca me falaste assim, minha irmã? Não me é permitido passar a noite fora da clausura”.
Escolástica compreendeu que seria inútil continuar a pedir ao irmão, então ela pôs a cabeça entre as mãos e rezou para quem a podia compreender.
Lá fora parecia que o mundo estava acabando: do céu a água caía aos cântaros e a ventania na colina parecia que queria despedaçar até a própria hospedaria.
Bento não conseguia entender e olhava para a irmã em oração e, quando esta levantou os olhos, disse-lhe: “Está bem, meu irmão, retorna se tu assim o achares melhor ao convento e me deixa sozinha aqui esta noite”.
Mesmo que ele quisesse simplesmente pôr o nariz fora da porta era lhe impossível, pois a tempestade recrudescia. Da boca de Bento, saiu uma exclamação de surpresa: “O que fizeste, minha irmã?”. E ela rapidamente respondeu: “Pois bem, eu te supliquei e tu não me quiseste ouvir. Então eu pedi ao Senhor, e Ele, menos rigoroso do que tu, atendeu-me!”. Só mesmo a irmã poderia repreender o patriarca famoso pela sua doçura, fazendo-o entender que a santa disciplina, ao menos alguma vez, deve dar lugar às justas exigências do amor. Num tom brincalhão, Escolástica continuou: “Vai, podes ir, e me deixa aqui, volta para tua clausura”.
Ninguém se moveu. Depois de terem recitado os salmos da noite, retomaram a conversa e a noite passou num piscar de olhos.
Gregório, a essa altura, faz um breve, mas interessante comentário, dizendo que Escolástica “foi mais poderosa, porque era mais forte no amor”.
Ao amanhecer, lá fora resplandecia o sol. Depois da celebração eucarística, as monjas retomaram o caminho e Escolástica chegou a casa, cansada da viagem, mas feliz pelo extraordinário encontro que lhe tinha acendido no coração um forte desejo do Paraíso, do qual o irmão já lhe tinha dado uma antecipação.
No dia seguinte, não pôde fazer outra coisa que repousar e contemplar, mas, no terceiro dia, o seu coração parou de bater.
Da janela da torre, onde tinha a sua cela, Bento viu uma pomba que voava em direção ao céu. Mandou que buscassem o corpo da irmã e o fez depositar na igreja do mosteiro. Pouco depois, também ele se juntou a ela à espera da ressurreição.
“A sepultura não podia manter separados os corpos daqueles que, em vida, tinham sempre permanecido unidos com Deus no mesmo sentimento” – esse é o comentário lapidar de São Gregório.
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