Elias é profeta peregrino, que se levanta e parte, que vence a tentação de acomodar-se na aparente tranquilidade da espiritualidade de consolações. A vida do profeta nunca mais foi serena após o encontro com o Senhor e Sua Palavra que impele a sair e proclamar o Absoluto de Deus.
Elias surge repentinamente, qual personagem já conhecido e sem a narrativa de sua infância ou de um chamado prodigioso, como ocorre com Moisés e Samuel, por exemplo. Para Elias, não haverá sarça que arde sem se consumir, donde a voz de Deus se fará ouvir. Não há um chamado que interpela Elias em sua infância ou um mensageiro de Deus que lhe diga da eleição do Senhor. Porém há um nome que anuncia a vocação. Há um ardor, como de um fogo, que se manifesta na auto proclamação do profeta: “Pela vida do Senhor, o Deus de Israel, a quem eu sirvo” (1Rs 17,1). Elias declara que depende somente do Senhor que o envia e conduz. Os pormenores da vocação do profeta: quando, como e onde o Senhor o chamou, não importam aqui. A urgência da missão vai revelar a solidez da vocação, do encontro com o Senhor, a quem Elias serve. E dos encontros que daí se seguirão no itinerário do profeta. O itinerário do profeta Elias é marcado por encontros: vai ao encontro de Acab, da viúva de Sarepta, de Abdias, dos profetas de baal, de Eliseu. Elias defronta-se com a idolatria, a fome, a solidão e a morte, o poder real corrompido e injusto, a desolação. Elias encontra-se com o Senhor, fonte de seu sustento e missão. Encontra força e coragem para enfrentar os maus, encontra vigor e esperança no alimento trazido pelo Anjo. Reencontra a voz de Deus na brisa suave e refaz o caminho de volta ao cenário de atuação profética que dá sentido à sua vida.
Elias sabe que ele nada é sem o Senhor a quem serve. Mesmo sem compreender plenamente, o profeta deixa-se conduzir pela Palavra do Senhor: “A palavra do Senhor lhe foi dirigida” tantas vezes… Elias ouve e atende à palavra que lhe consome de ardor e lhe descortina o caminho. Elias é profeta peregrino, que se levanta e parte, que vence a tentação de acomodar-se na aparente tranquilidade da espiritualidade de consolações. A vida do profeta nunca mais foi serena após o encontro com o Senhor e Sua Palavra que impele a sair e proclamar o Absoluto de Deus. Palavra que exige tomada de decisão: servireis ao Senhor ou servireis a baal? (1Rs 18,20-21). Palavra que não se emudece diante dos cruéis abusos de poder e dos crimes perpetrados por Jezabel, Acab e a corte corrupta (1Rs 21,1-29).
Elias encontra-se com Deus e Sua Palavra. Neste encontro se localiza a vocação e a missão do grande profeta de Israel, homem contemplativo e cheio de zelo pela glória do Senhor. Com impressionante coragem, advinda desta fonte de vida que é o próprio Deus por Quem o profeta vive em obséquio, Elias desafia os profetas de baal (1Rs 18,20-40). Deles caçoa. Na batalha do Monte Carmelo, Elias encontra-se com o Israel dividido, vacilante e de postura ambígua: serviam a Deus e serviam a baal. Mas ambos os cultos são inconciliáveis. É hora de decidir: ou bem Israel serve ao seu Senhor ou estará fadado ao nada, ao sem sentido de sua existência, portanto, à ruína completa. Ao encontrar o povo sofrido e contaminado pelo falso culto, Elias o reconduz à fidelidade à Aliança.
Elias também terá seu encontro com as próprias fraquezas, com seus medos e apreensões (1Rs 19,1-8). À ameaça dirigida contra sua vida, o profeta desfalece e foge. Como não lembrar aqui das palavras de São Tiago: “Elias era um homem fraco como nós” (Tg 5,17). Pelo menos, sujeito às mesmas fraquezas. Pedirá que sua vida chegue ao termo. E isto é impressionante! O profeta sucumbe, o vencedor dos profetas de baal cai vencido pelas próprias limitações. O guardião da fidelidade à Aliança está extenuado. Mas justamente aí, deste lugar aonde não deveria ter ido, pois para lá a palavra do Senhor não o convocou; exatamente deste lugar e desta prostração se erguerá Elias, alimentado pelo Anjo, e seguirá à montanha do Senhor, onde vai encontra-se com seu Deus, refazendo o caminho do antigo Israel, ao reverso: da terra prometida ao deserto e do deserto ao monte onde Deus vai passar. Elias volta às origens para reencontrar-se com Deus e com sua missão.
“Que fazes aqui, Elias?”, pergunta-lhe o Senhor por duas vezes. Elias responde uma e outra vez que está consumido de zelo pelo Senhor Deus de Israel (1Rs 19,9-14). Acusa a falta dos israelitas, a idolatria, e reafirma sua própria fidelidade. Pensa ser o único que guarda a reta fé. No entanto, está equivocado. E o Senhor lhe fará ver que mais de sete mil homens não se curvaram a baal. Elias vai aprender, de modo mais profundo e sereno, que o Senhor é quem zela pelo Seu povo e dele cuida. Cuida através dos profetas e justos, é verdade. Mas é o Senhor quem salva, não Elias.
O profeta ardoroso e cheio de ímpeto zeloso descobre Deus na passagem da brisa suave, num sussurro que mal se ouve, no murmúrio do silêncio. Elias descobre a ausência de Deus nos elementos barulhentos: terremoto, furação, fogaréu. Calado o tumulto destes sinais tradicionais da manifestação de Deus, Elias encontra o Senhor na presença que o surpreende, a suave brisa que lhe cala o coração. Daí retornará o mesmo e não mais o mesmo. Tudo mudou! Este encontro com Deus, a partir da desolação e da fraqueza, o fez saborear algo da presença de Deus como nunca antes tivera experimentado. Do Horeb retomará a missão, reencontrará seu povo e vai preparar quem dê seguimento à proclamação do Deus vivo, Eliseu.
Que o Pai Elias nos dê coragem e nos alcance a graça de sempre viver na presença de Deus. Vivendo em face ao Senhor, vivamos reconhecendo seu rosto nos irmãos que partilham a mesma herança espiritual e profética. Vivamos no serviço a quem traz o rosto desfigurado pelas muitas idolatrias que ferem a multidão dos pequenos e sofredores. Que ao celebrarmos os 300 anos de ereção canônica da Província que evoca Santo Elias em seu título, sigamos serenos e firmes na proclamação: “Vivo é o Senhor em cuja presença estou”, em cuja presença estamos como frades, monjas, irmãs, terceiros carmelitas, devotos de Nossa Senhora do Carmo e valorosos colaboradores. Santo Elias Profeta, Pai e Guia da Ordem do Carmo, rogai por nós.
Frei Jerry de Souza Fonseca, O.Carm.
Formador
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