Desde criança, a palavra “saudade” exerceu fascínio sobre mim. Mesmo que não soubesse ao certo o seu significado, vivia falando que estava com saudades da escola, dos meus amigos, da minha casa, dos meus brinquedos tão simples. Não sei se em algum momento ouvi alguém falar que essa palavra remetia à ausência de alguém ou de alguma coisa ou se por experiência intuí que assim seria. O que sei é que, desde menino, aprendi que quando sentimos falta podemos dizer que estamos com saudade.
O tempo passou, tornei-me um homem feito e tive a oportunidade de morar em outro país onde, para meu grande desconforto, em seu vocabulário não existia a palavra “saudade”. Como poderia expressar o meu sentimento sem ter essa palavra que me acompanhava desde criança? Como dizer da falta que fazia a minha terra, meus amigos e familiares? Não tinha jeito. Não podia. Outra palavra não dizia do meu sentimento, aquela terra não era minha e aquele povo, por mais que fosse maravilhoso, era outro povo. Senti-me como o povo de Israel que à beira dos rios da Babilônia chorava de saudade de sua casa, de seu modo de vida, e se recusava a cantar outros cantos que não os de sua terra.
Fico pensando: a saudade é algo tão presente em nossas vidas que ganhou espaço nas canções, nos poemas e em vasta literatura. Acredito que nos quase dois anos em que a humanidade está acometida pela pandemia da covid-19 (do inglês coronavirus disease-19, doença do coronavírus surgida em 2019) esse sentimento foi ainda mais forte. Fomos impedidos de viajar, de trabalhar presencialmente, de ir à escola, de celebrar a vida com jantares e encontros com os que amamos, fomos privados de quase tudo que fazia parte da nossa rotina.
O que dizer ainda de tantos amigos, conhecidos e familiares que partiram sem que pudéssemos nos despedir? Seria essa uma saudade em dobro? O que fazer com essa presença cheia de ausência que invade o nosso peito e transborda por nossos olhos em lágrimas? Não sei ao certo. Acredito que um caminho seja rezar a saudade. Afinal, como Exupéry, em sua obra O pequeno príncipe, às vezes corremos o risco de chorar quando nos deixamos cativar. Esse é o preço que o amor e a partilha de vida cobram de nós.
Essa dor deve ser paulatinamente transformada em gratidão e para isso não há outro jeito, é necessário vivenciá-la.
Recordar o vivido com gratidão, olhar o passado com ternura, perdoar as ofensas proferidas e seguir. Prosseguir com esperança! Certamente, a pungência dessa dor não nos deixará em paz por alguns dias, mas logo começará a ser cada vez mais leve.
Estamos todos feridos de algum modo, despatriados dos nossos lugares de trabalho, de estudo, de vivência, longe dos que amamos e sofrendo a ausência dos que se foram. Isso não podemos mudar, pois a saudade chega inevitável como o sol em uma manhã de verão. O que nos resta é a gratidão pelo vivido, pelo partilhado e a esperança de uma vida nova, mais maduros e humanizados.
Que o Senhor nos ajude a suportar essa saudade e a prosseguirmos decididamente!
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