Por: Maria Helena Brito Izzo
Psicóloga e terapeuta familiar. Fonte: Revista Família Cristã
Ao longo de sua existência, cada ser humano precisa, às vezes, ficar só. Essa solidão é necessária para que a pessoa possa olhar-se, perceber-se, entender-se e estruturar-se, mesmo que estes sejam momentos difíceis e dolorosos.
No entanto este estar só não significa, de forma alguma, o verdadeiro sentimento de solidão, que se manifesta como uma situação muito mais sofrida e penosa, indicando que algum aspecto importante da vida não está sendo suprido satisfatoriamente, podendo trazer conseqüências drásticas para a saúde física e mental do indivíduo.
Esse estado de solidão traduz-se por um sentir-se estrangeiro no mundo, sem nenhuma identificação com ele e nenhum elo com as outras pessoas. Às vezes, isso causa uma depressão tão grande, que pode levar à loucura ou à morte, è deve-se entendê-lo não como uma situação física, mas como uma sensação psicológica.
Para exemplificar o que é essa sensação, pode-se imaginar a vida de uma pessoa qualquer. Suponha-se uma adolescente que é alegre, comunicativa e que nunca se sentiu sozinha, mesmo quando está a sós em seu quarto. Um dia, por exemplo, ela descobre que está grávida; não sabe o que fazer e não tem coragem de repartir seu problema com mais ninguém.
Mesmo cercada por seus pais, amigas e professores, ela se sente, pela primeira vez em sua vida, terrivelmente só. Seu segredo a separa das outras pessoas, e até o fato de contá-lo ou não para alguém depende de uma decisão unicamente sua. Ninguém poderá ajudá-la.
Certamente, esse tempo a sós é importante para que ela possa situar-se diante da nova situação. Se ela tiver confiança em si mesma e nas pessoas que a cercam, conseguirá abrir-se, repartindo seu problema e aliviando-se do peso que carrega sozinha. Se não encontrar essa confiança nem a compreensão dos outros, poderá se isolar mais, construindo uma barreira à sua volta, consolidando sua solidão.
Dentro dela poderá se formar um muro que a separará definitivamente das outras pessoas, modificando sua convivência com elas.
Por isso, o psicólogo clínico Olegário de Godói define a solidão como uma torre que a pessoa constrói em volta de si mesma. Só que, quando a torre fica pronta, a pessoa percebe que se esqueceu de fazer portas e janelas, vendo-se completamente isolada, incomunicável dentro dela.
UMA CONDIÇÃO DE TODO SER HUMANO
Toda pessoa é limitada por seu próprio corpo. Fisicamente, ela termina onde acaba sua pele e, durante toda sua vida, carrega a si mesma, mas não pode carregar ou conter nenhum outro. “Ontologicamente, por sua própria natureza física, o ser humano é solitário. Entra no mundo, faz sua trajetória por ele e também o deixa completamente sozinho.
Há certas situações que são vivenciadas apenas dentro de cada um, e, por maior que seja a união entre duas pessoas, há o limite do próprio corpo, que impede a interação total entre elas” — explica dr. Olegário.
Ao mesmo tempo, o ser humano é também essencialmente gregário, como qualquer outro animal. À natureza fez dele um ser social, presenteando-o, dessa forma, com o recurso que lhe permite superar a solidão. Cada indivíduo, portanto, tem necessidade de se relacionar com os outros, de fazer parte de um grupo, de sentir-se unido ao todo, repartindo-se com seus semelhantes, para não cair num isolamento nocivo e destrutivo.
O meio que possibilita satisfazer essa necessidade humana é a comunicação, que só ocorrerá de maneira plena e verdadeira quando estiver fundamentada no amor.
Quanto maior a capacidade, a liberdade e as oportunidades de comunicação — de repartir sentimentos, emoções e impressões pessoais —, menos solitária a pessoa se sentirá. “O homem supera sua solidão ontológica quando vive num ambiente favorável às relações, que o deixa à vontade para trocas e diálogos. Mas, quando vive num meio adverso, que tolhe sua capacidade de comunicação, sente clara e aterradoramente sua condição existencial solitária” — diz o psicólogo.
Eis, portanto, o segredo capaz de abrir as portas da torre habitada pêlos solitários. Porém a comunicação não constitui uma tarefa tão fácil e simples. Existem inúmeros fatores que impedem ou dificultam sua concretização, sustentando um exército de pessoas que vivem sozinhas e solitárias no mundo.
MEDO: A MAIOR BARREIRA
Muitos indivíduos fracassam na difícil e complicada missão, dada a todo ser humano, de sair de si mesmo em busca do outro. Inúmeros e diferentes motivos contribuem para que isso ocorra com freqüência.
De um lado, busca-se a interação com alguém, que sempre se apresenta como um outro mundo, estranho, indecifrável e misterioso, do qual teme-se a aproximação. De outro, grande parte das pessoas não aprendeu a expressar seus próprios sentimentos, seu “eu” verdadeiro, escondendo-se o tempo todo de si mesmas e dos outros.
Às vezes, é o receptor que interpreta erroneamente a mensagem recebida e, baseando-se em seus próprios códigos, cria barreiras à comunicação. Em outras ocasiões, o emissor é quem não consegue enviar mensagens límpidas e claras, revelar suas reais intenções e fazer-se entender.
As crianças e os jovens, por exemplo, são naturalmente muito espontâneos em seus contatos pessoais, não colocando obstáculos à comunicação. Mas essa espontaneidade vai sendo podada com o tempo; padrões de comportamento vão sendo impostos e barreiras vão sendo construídas. O medo de se expor demais, de não ser bem aceito e compreendido, e tantos outros medos cortam a autenticidade da comunicação e atrapalham os relacionamentos, isolando as pessoas umas das outras. Pode-se até dizer que são esses medos as principais causas da solidão.
“Quando alguém se comunica, comunica a si mesmo” — argumenta dr. Olegário.
“Comunicar-se, portanto, significa dar-se, revelar-se, o que constitui sempre um risco. Existe, então, muito medo de dar-se, ficando a comunicação num nível superficial, ilusório, que não tira ninguém da solidão.”
Por isso, um indivíduo pode sentir-se solitário, mesmo que viva no meio de muitas pessoas. Quando não há profundidade nos relacionamentos e acolhimento entre as pessoas, a comunicação não as satisfaz. A proximidade física, por si só, não significa nada. É necessário construir pontes de diálogo, no qual cada um sente-se valorizado, compreendido, aceito e recebido sem interpretações distorcidas, falsas ou preconceituosas.
RETIRANDO UMA PEDRA…
A sensação de solidão não surge de uma hora para outra. Esta é uma torre construída com uma pedrinha colocada hoje, um tijolo amanhã, até que o indivíduo se percebe preso lá dentro.
Muitas vezes a torre foi construída pêlos outros ou por uma circunstância, e a pessoa foi jogada lá dentro sem querer. Por isso é necessário ficar atento, destruindo a primeira pedrinha que aparecer, pois a solidão, com certeza, trará danos profundos para a vida e a saúde.A socialização, fator importante para que cada um aprenda a conviver e a confiar nos outros, nem sempre ocorre de maneira adequada, contribuindo para que se formem pessoas arredias e solitárias.
Muitas proibições, falta de amor e compreensão dos pais favorecem a tendência ao isolamento. Uma doença prolongada, responsabilidades assumidas muito cedo ou superproteção também podem impedir o desenvolvimento normal da socialização.
Existem, também, alguns indivíduos que são naturalmente mais introvertidos, e qualquer condição adversa leva-os a retraírem-se ainda mais. Esses costumam criar um mundo à parte: vivem fantasias intensas, que acreditam ser reais; apegam-se a bichinhos de estimação; comunicam-se com livros, objetos ou visões, para se defenderem de sua dolorosa solidão.
No entanto, deve-se evitar tal isolamento, não permitindo que os medos ganhem espaço, buscando ajuda de alguém e abrindo portas para o encontro com outros. Todos os seres humanos precisam de companhia, e não se pode ficar a vida inteira escondendo-se. Por isso, é necessário um pouco de coragem para sair do esconderijo, mostrando-se aos outros.
“Se não encontramos receptividade em um determinado meio, sempre haverá uma outra platéia onde seremos bem aceitos” — propõe dr. Olegário —, “sempre haverá alguém disposto a nos ouvir, a compartilhar conosco alguns momentos e emoções verdadeiras, mas é preciso sair em sua busca.”
“NÃO É BOM QUE O HOMEM ESTEJA SÓ”
Na verdade, sair sozinho de uma situação de solidão constitui uma tarefa quase impossível.
Mesmo depois de dar o primeiro passo, a pessoa solitária precisa da ajuda de uma outra, que se interesse por ela, que a trate com carinho e lhe inspire confiança. Sentindo essa mão amiga, consegue-se abandonar definitivamente a torre do isolamento. Por isso, os especialistas concordam que o amor é um fator essencial, pois só ele propicia a verdadeira comunicação, libertando as pessoas.
“Não é, de forma alguma, saudável viver solitário” — garante dr. Olegário, e recomenda: “Deve-se evitar a solidão como um câncer da alma, pois o homem não foi criado para estar só. Sua condição ontológica, que o confina dentro da própria pele, faz dele uma unidade isolada, como um grão de areia. Mas o grão de areia só se realiza plenamente quando é praia”.
Finalmente, o psicólogo aconselha algumas atitudes, que podem ser tomadas por todos, como medidas preventivas contra a solidão. A primeira delas consiste em desenvolver os talentos, a inteligência e as habilidades, alargando o próprio mundo e adquirindo elementos que permitirão entrar em contato com outros mundos. Outra é participar de grupos — políticos, religiosos, esportivos ou culturais — que tenham a ver com a própria personalidade, criando oportunidades para encontros e convivências. Além disso, buscar dentro de si mesmo alegria e espontaneidade, que, com certeza, atrairão a amizade e companhia das outras pessoas.
Sem dúvida, esses comportamentos constituem antídotos eficazes e uma porta sempre aberta, impedindo o isolamento. Não se pode esquecer que todo ser humano foi criado para relacionar-se com seus semelhantes, com o mundo que o rodeia e com seu Deus.
A solidão indica que essa importante função humana não está sendo cumprida e que uma necessidade natural não está sendo satisfeita. Por isso ela é contrária à vida, que brota, se desenvolve, floresce e se renova com a comunicação, a partilha e o amor.
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