Rosário de Advento
06/12/2012São Sebastião
09/12/2012À luz da liturgia da Igreja e de seus conteúdos podemos resumir algumas linhas do pensamento teológico e da vivência existencial deste tempo de graça.
1. Advento, tempo de Cristo: a dupla vinda
A teologia litúrgica do Advento se encaminha, nas duas linhas enunciadas pelo Calendário romano: a espera da Parusia, revivida com os textos messiânicos escatológicos do AT e a perspectiva de Natal que renova a memória de algumas destas promessas, já cumpridas, ainda que não definitivamente.
O tema da espera é vivido na Igreja com a mesma oração que ressoava na assembléia cristã primitiva: o Marana-tha (Vem Senhor) ou Maran-athá (o Senhor vem) dos textos de Paulo (1 Cor 16,22) e do Apocalipse (Ap 22,20), que se encontra também na Didaché e, hoje, em uma das aclamações da oração eucarística. Todo o Advento ressoa como um “Marana-thá” nas diferentes modulações que esta oração adquire nas preces da Igreja.
A palavra do Antigo Testamento convida a repetir na vida a espera dos justos que aguardavam o Messias; a certeza da vinda de Cristo na carne estimula a renovar a espera da última aparição gloriosa na qual as promessas messiânicas terão total cumprimento já que até hoje se cumpriram só parcialmente. O primeiro prefácio de Advento canta esplendidamente esta complexa, mas verdadeira realidade da vida cristã.
O tema da espera do Messias e a comemoração da preparação para este acontecimento salvífico atinge o auge nos dias que precedem o Natal. A Igreja se sente submersa na leitura profética dos oráculos messiânicos. Lembra-se de nossos Pais na Fé, patrísticos e profetas, escuta Isaías, recorda o pequeno núcleo dos anawim de Yahvé que está ali para esperá-lo: Zacarias, Isabel, João, José, Maria.
O Advento é, pois, como uma intensa e concreta celebração da longa espera na história da salvação, como o descobrimento do mistério de Cristo presente em cada página do AT, do Gênesis até os últimos livros Sapienciais. é viver a história passada voltada e orientada para o Cristo escondido no AT que sugere a leitura de nossa história como uma presença e uma espera de Cristo que vem.
Hoje na Igreja, Advento é como um redescobrir a centralidade de Cristo na história da salvação. Recordam-se seus títulos messiânicos através das leituras bíblicas e das antífonas: Messias, Libertador, Salvador, Esperado das nações, Anunciado pelos profetas… Em seus títulos e funções Cristo, revelado pelo Pai, se converte no personagem central, a chave do arco de uma história, da história da salvação.
2. Advento tempo por excelência de Maria, a Virgem da espera
É o tempo mariano por excelência do Ano litúrgico. Paulo VI expressa isso com toda autoridade na Marialis Cultus, nn. 3-4.
Historicamente a memória de Maria na liturgia surgiu com a leitura do Evangelho da Anunciação antes do Natal naquele que, com razão, foi chamado o domingo mariano prenatalício.
Hoje o Advento recupera plenamente este sentido com uma serie de elementos marianos da liturgia, que podemos sintetizar da seguinte maneira:
– Desde os primeiros dias do Advento há elementos que recordam a espera e a acolhida do mistério de Cristo por parte da Virgem de Nazaré.
– a solenidade da Imaculada Conceição se celebra como “preparação radical à vinda do Salvador e feliz principio da Igreja sem mancha nem ruga (“Marialis Cultus 3).
– dos dias 17 a 24 o protagonismo litúrgico da Virgem é muito característico nas leituras bíblicas, no terceiro prefácio de Advento que recorda a espera da Mãe, em algumas orações, como a do dia 20 de dezembro que nos traz um antigo texto do Rótulo de Ravena ou na oração sobre as oferendas do IV domingo que é uma epíclesis significativa que une o mistério eucarístico com o mistério de Natal em um paralelismo entre Maria e a Igreja na obra do único Espírito.
Em uma formosa síntese de títulos. I. Calabuig apresenta nestas pinceladas a figura da Virgem do Advento:
– é a “Cheia de graça”, a “bendita entre as mulheres”, a “Virgem”, a “Esposa de Jesus”, a “serva do Senhor”.
– é a mulher nova, a nova Eva que restabelece e recapitula no desígnio de Deus pela obediência da fé o mistério da salvação.
– é a Filha de Sião, a que representa o Antigo e o Novo Israel.
– é a Virgem do Fiat, a Virgem fecunda. É a Virgem da escuta e acolhe.
Em sua exemplaridade para a Igreja, Maria é plenamente a Virgem do Advento na dupla dimensão que a liturgia tem sempre em sua memória: presença e exemplaridade. Presença litúrgica na palavra e na oração, para uma memória grata dAquela que transformou a espera em presença, a promessa em dom. Memória de exemplaridade para uma Igreja que quer viver como Maria a nova presença de Cristo, com o Advento e o Natal no mundo de hoje.
Na feliz subordinação de Maria a Cristo e na necessária união com o mistério da Igreja, Advento é o tempo da Filha de Sião, Virgem da espera que no “Fiat” antecipa o Marana thá da Esposa; como Mãe do Verbo Encarnado, humanidade cúmplice de Deus, tornou possível seu ingresso definitivo, no mundo e na história do homem.
3. Advento, tempo da Igreja missionária e peregrina
A liturgia com seu realismo e seus conteúdos põe a Igreja em um tempo de características e expressões espirituais: a espera, a esperança, a oração pela salvação universal.
Preparando-nos para a festa de Natal, nós pensamos nos justos do AT que esperaram a primeira vinda do Messias. Lemos os oráculos de seus profetas, cantamos seus salmos e recitamos suas orações. Mas nós não fazemos isto pondo-nos em seu lugar como se o Messias ainda não tivesse vindo, mas para apreciar melhor o dom da salvação que nos trouxe. O Advento para nós é um tempo real. Podemos recitar com toda verdade a oração dos justos do AT e esperar o cumprimento das profecias porque estas ainda não se realizaram plenamente; se cumprirão com a segunda vinda do Senhor. Devemos esperar e preparar esta última vinda.
No realismo do Advento podemos recolher algumas atualizações que oferecem realismo à oração litúrgica e à participação da comunidade:
– a Igreja ora por um Advento pleno e definitivo, por uma vinda de Cristo para todos os povos da terra que ainda não conheceram o Messias ou não reconhecem ainda ao único Salvador.
– a Igreja recupera no Advento sua missão de anúncio do Messias a todas as gentes e a consciência de ser “reserva de esperança” para toda a humanidade, com a afirmação de que a salvação definitiva do mundo deve vir de Cristo com sua definitiva presença escatológica.
– Em um mundo marcado por guerras e contrastes, as experiências do povo de Israel e as esperas messiânicas, as imagens utópicas da paz e da concórdia, se tornam reais na história da Igreja de hoje que possui a atual “profecia” do Messias Libertador.
– na renovada consciência de que Deus não desdiz suas promessas -confirma-o o Natal!- a Igreja através do Advento renova sua missão escatológica para o mundo, exercita sua esperança, projeta a todos os homens um futuro messiânico do qual o Natal é primícia e confirmação preciosa.
À luz do mistério de Maria, a Virgem do Advento, a Igreja vive neste tempo litúrgico a experiência de ser agora “como uma Maria histórica” que possui e dá aos homens a presença e a graça do Salvador.
A espiritualidade do Advento resulta assim uma espiritualidade comprometida, um esforço feito pela comunidade para recuperar a consciência de ser Igreja para o mundo, reserva de esperança e de gozo. Mais ainda, de ser Igreja para Cristo, Esposa vigilante na oração e exultante no louvor do Senhor que vem.