Dentro do Ano Santo Jubilar da Misericórdia, o Papa Francisco nos pede que pratiquemos obras de misericórdia. Em comunhão com este vivo desejo do Papa, que em todas as suas viagens internacionais acrescenta a visita pastoral a um local significativo nesse sentido, nossa Carta Pastoral recorda que no mês de janeiro nossa sugestão foi que tivéssemos visitado os presos (versão popular nº 66). Porém, sempre é tempo favorável para esta obra de misericórdia e principalmente para incrementar a Pastoral Carcerária e também a Pastoral com os Menores privados de liberdade. Necessitamos de muitas pessoas que, além da obra de misericórdia, façam parte dessas pastorais.
Condenar uma pessoa à prisão é o resultado do julgamento que a sociedade faz de quem cometeu um delito, visando afastá-la do convívio social para proteger a sociedade de novos crimes e dar oportunidade à pessoa condenada de corrigir-se. Ao perder a liberdade, em nosso país, muitas vezes a pessoa perde sua dignidade humana devido ao estado das prisões. Aqui vai um questionamento sério: será mesmo esse método único de reeducação? Seria a prisão a única maneira de fazê-lo? De quem realmente a sociedade precisa se defender ao ser atacada por pessoas que cometem delitos?
Atualmente, no Brasil as prisões constituem um dos piores lugares em que o ser humano pode viver. A prometida reeducação não acontece e o que ocorre é exatamente o contrário. As pessoas saem “escoladas” para novos delitos. Também a sociedade não se defende das pessoas perigosas, pois elas continuam comandando seus grupos mesmo de dentro dos presídios. Além disso, as prisões encontram-se abarrotadas, sem as mínimas condições dignas de vida, e muito menos de aprendizado para o prisioneiro. Os presos se sentem desestimulados a se recuperarem e se reinserirem na vida em sociedade, e voltam a praticar mais e mais crimes graves. A inexistência de uma legislação adequada e a lentidão dos procedimentos judiciários são as causas básicas da superlotação. Aliás, a morosidade dos processos penais, muitas vezes deixando a pessoa aprisionada mesmo depois de vencida a pena, é um capítulo à parte. Gasta-se uma fábula de dinheiro com prisões e com a justiça, e o país está cada vez mais violento.
Ao fazer a leitura da Escritura na sinagoga de Nazaré, Jesus explicita seu projeto de vida. Assume que veio realizar o que o profeta Isaías havia anunciado sobre o enviado de Deus: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me para proclamar aos aprisionados a libertação, aos cegos a recuperação da vista, para pôr em liberdade os oprimidos, e para anunciar um ano da graça do Senhor”. (Lc 4,18-19).
Coerente com esse programa, Jesus manifesta o carinho cuidadoso de Deus com os extraviados. Ele é o Pastor que deixa 99 ovelhas no abrigo e sai em busca daquela que se perdeu (Mt 18,12); declara ainda que haverá mais alegria no céu por um pecador que faça penitência do que por 99 justos que não precisam de penitência (Lc15,7).
Jesus é compassivo e paciente com os rejeitados. Só tem palavras duras quando alguém se julga melhor do que os outros e faz de suas virtudes ou de sua posição um motivo para negar-se diretamente aos irmãos. Na parábola do fariseu e do publicano que foram ao templo para rezar, Jesus não condenou as virtudes do fariseu, nem justificou as falhas do publicano (Lc 18,10-14). O que Ele não admite é que nosso bom comportamento nos torne orgulhosos, fechados, insensíveis às necessidades e ao valor humano daqueles que têm outra história de vida.
A Igreja não propõe que se elimine o que chamamos de justiça. O Evangelho nos convida a ir além da simples definição e aplicação de uma sentença: ele quer que olhemos para a pessoa e façamos por ela algo mais do que aquilo que uma lei pode exigir. Nossa justiça não pode ser vingança no cumprimento frio das leis. Precisa ser uma justiça regeneradora, curativa. Para nós, cristão, nos lembra de que “se vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus”. (Mt 5,20).
Na parábola do juízo final, Ele faz a lista das obras que abrem a porta do céu e possibilitam entrar na alegria da presença de Deus: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher os desabrigados, vestir os nus, socorrer os doentes, visitar os presos (Mt 25,31-46).
Na Igreja Católica, para fazer este trabalho de visitas aos encarcerados, temos a Pastoral Carcerária. A Pastoral Carcerária é a mais gratuita de todas as pastorais. Ela representa de maneira admirável a imagem de Jesus que vem salvar e morrer sem nada receber. É a presença da Igreja nos cárceres, repetindo continuamente a indagação: o que Jesus faria ou diria nessas situações? Como trataria essas pessoas? Sua ação torna-se parte integrante da atividade missionária da Igreja, constituindo um dever pastoral para todos os cristãos.
Esta pastoral busca promover, de modo eficaz e corajoso, os direitos humanos consolidados no Evangelho e na Doutrina Social da Igreja. Através da palavra, da ação e da colaboração mútua, visa comprometer-se firmemente na defesa dos direitos individuais e sociais do homem e da mulher que padecem nos cárceres. Esse compromisso da Pastoral Carcerária faz meditar as admiráveis palavras do Profeta Isaías: “Eu, o Senhor, te chamei com justiça, e tomei-te pela mão; eu te formei e te fiz como aliança do povo, como luz das nações, a fim de abrires olhos cegos, tirares do cárcere os presos e da masmorra os que moram na escuridão”. (Isaías, 42,6-7).
A ideologia laicista reinante em nosso país, confundindo o povo ao propalar que sendo o Brasil um estado laico nada se poderia conceder às religiões, difunde essa falácia muito difundida por interesses ideológicos. As dificuldades para os católicos visitarem algumas prisões em alguns Estados são notórias. Além disso, o Estado acredita que só aprisionando as pessoas em verdadeiros depósitos humanos resolvem os problemas, quando na verdade estão piorando a situação. Esquecem que o que dá sentido à vida da pessoa são os ideais que norteiam sua vida, em especial os valores da transcendência. Ao dificultar essas visitas religiosas, colocam ainda mais o ser humano preso nas mãos da revolta e da indignidade. Não existe programa de reinserção válido e muito menos de acompanhamento da família. As leis existem, os textos existem, mas infelizmente são letra morta.
Diante desta necessária ação pastoral, somos convidados a unir nossas ações e orações por todos que fazem parte desta pastoral e pelos encarcerados, para que tenham melhores condições e que se sintam tocados por Deus para dar novos significados para suas vidas.
Gostaria aqui de convidar a todos para rezar e se possível fazer uma visita para estes nossos irmãos que se encontram muitas vezes à margem da sociedade. Unamos nossas intenções neste Ano da Misericórdia e façamos, a exemplo do Papa Francisco, que sempre que possível vai ao encontro dos nossos irmãos presidiários. Somos Igreja, e a Igreja tem que estar presente na vida e neste lugar.
Por Cardeal Orani João Tempesta – Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
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