Iniciamos no Domingo de Ramos, com a entrada triunfal de Jesus na cidade de Jerusalém, a Semana Santa, também chamada de Semana Maior. Nela se celebram os momentos mais importantes da salvação do povo de Deus. O ápice do ano litúrgico são dias centrais em que vivenciamos o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, um mistério que é repetido todas as vezes que celebramos a Eucaristia. Quando vamos à Missa, não vamos apenas para rezar, mas para renovar este mistério. “É como se fôssemos ao Calvário para renovar o mistério pascal”, expressou o Papa Francisco em sua catequese durante a audiência-geral em 31 de março de 2021.
O Evangelho de São João, capítulo 3, versículos 16-17, apresenta: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”. Com tal entrega, Cristo santificou essa semana por cada um de seus seguidores, hoje também chamados de cristãos. Viver intensamente esse período e santificá-la é compromisso e resposta de gratidão de cada um de nós.
O Catecismo da Igreja Católica define que “A Páscoa não é simplesmente uma festa entre as outras: é a ‘festa das festas’, ‘solenidade das solenidades’, como a Eucaristia é o Sacramento dos sacramentos” (1169). Santo Atanásio a denominava “o Grande Domingo”, assim como a Semana Santa é chamada no Oriente “a Grande Semana”.
É a festa cristã que celebra a ressurreição de Jesus Cristo. No Antigo Testamento, recordamos que os judeus já comemoravam a Páscoa para relembrar sua libertação da escravidão do Egito.
A Páscoa aponta para nós o sacrifício de Cristo por nós no Calvário e o cumprimento de sua missão.
Em toda a história da Igreja, celebramos a Semana Santa e seu Tríduo Pascal, um dos momentos mais festivos e solenes do ano litúrgico, ápice e centro da vida celebrativa.
O Tríduo Pascal começa na tarde da Quinta-feira Santa com a Missa da Ceia do Senhor e termina na tarde de Páscoa com as vésperas solenes. Na Sexta-feira Santa se celebra a morte do Jesus e no Sábado Santo se recorda o repouso de Cristo no sepulcro.
“Nesse tríduo recordamos e revivemos o momento principal em que Deus aceitou o ato de amor do seu Filho, de se entregar por nós morrendo injustamente na cruz, sendo resgatado pelo Pai na morte e dando-nos o seu Espírito. Foi por esse mistério que nos tornamos filhos de Deus e ganhamos de herança a comunhão que havíamos perdido pelo pecado de Adão e Eva”, destacou em entrevista o Padre Alex José Adão, mestre em Teologia Sistemática com especialização em Liturgia e pároco na Igreja Sagrada Família em Três Corações (MG).
O sacerdote da Diocese da Campanha (MG) descreveu que ao longo do ano litúrgico é possível perceber ecos do Tríduo Pascal: “Primeiramente aos domingos, como proclamamos nas missas do domingo da Epifania: ‘Em cada domingo, Páscoa semanal, a Santa Igreja torna presente este grande acontecimento, no qual Jesus Cristo venceu o pecado e a morte’”.
Em muitas comunidades e muitas pessoas em particular têm também o costume de fazer penitências e orações penitenciais às sextas-feiras, como no dia da paixão. “Além disso, temos durante o ano outras festas, tais como Exaltação da Santa Cruz, Corpus Christi, Nossa Senhora das Dores, que recordam um aspecto ou outro das celebrações do Santo Tríduo”, comentou o especialista em Liturgia.
O religioso do sul de Minas recorda que pela tradição do povo mineiro não podem faltar também os sermões e as procissões durante a semana, mas principalmente na Sexta da Paixão à noite: o sermão do descimento da cruz, a procissão do enterro e a veneração da imagem do Senhor morto: “São expressões da devoção popular, mas que podem ser bem aproveitadas para a evangelização”.
Segundo o padre, “Em cada comunidade e a cada fiel poderiam encontrar também nesses dias uma forma de viver melhor os quatro pilares da ação evangelizadora: além da dimensão do pão (liturgia e oração), também a dimensão da Palavra de Deus, a questão da missão e da caridade”.
A Igreja conta com uma herança inestimável, que deve enriquecer a espiritualidade dos fiéis e encaminhá-los para celebrar, na liturgia, a memória do mistério pascal do Cordeiro: trata-se das manifestações de piedade e devoção popular. O povo de Deus vive e celebra esse momento com todo fervor, sem receio de demonstrar em gestos simples, porém profundos, quanto sente a presença de um Deus que se revela na paixão, morte e ressurreição de Jesus.
Em algumas comunidades, para além da liturgia própria desse tempo, realizam celebrações como Santo Ofício das Trevas, procissão do encontro de Nossa de Senhora das Dores e Bom Jesus dos Passos, meditação das sete dores de Nossa Senhora, meditação das sete palavras de Jesus Cristo na Cruz, encenação da paixão de Cristo.
“No Brasil essas expressões são muito fortes, nós as chamamos de devoção popular. E isso já faz parte da cultura do nosso povo. De norte a sul do país nós vemos que a Semana Santa apresenta inúmeras manifestações populares. E o Documento de Aparecida lembra que devemos aproveitar esses momentos fortes de expressão popular como um grande momento de evangelização”, destacou em entrevista o Padre Silvio Costa Oliveira, mestre em Teologia Bíblica e Cultura Judaica pela PUC-SP, administrador paroquial da Paróquia Nossa Senhora do Retiro, em Pirituba, São Paulo (SP).
Há uma profunda identificação do povo com as expressões devocionais próprias desse tempo. É natural ver as pessoas se emocionando, por exemplo, com o encontro de Nossa Senhora das Dores com o Cristo sofredor. Querem tocar, beijar as chagas, enxugar as lágrimas da mãe que chora e sofre junto com seu filho. Muitas vezes é na dor de Nossa Senhora que muitas mães hoje choram a perda de seus filhos para a violência, para o vício das drogas e até mesmo para doenças inesperadas, como o câncer ou vítimas de uma pandemia, como a atual que ainda vivemos.
É por meio da piedade e nos gestos e palavras de Cristo que guardam o silêncio e as lágrimas de Maria. Vivem intensamente a fé que ninguém poderá roubar!
Segundo o padre, que também é jornalista, é notável perceber o aumento da presença de fiéis nas celebrações da Semana Santa, sobretudo na sexta-feira, na participações em procissões do Senhor Morto e na via-sacra. O alerta é para que os cristãos não fiquem presos apenas ao sentimentalismo ou à dor dos acontecimentos da paixão de Cristo, mas que a vivência pascal remeta sempre à ressurreição: “O grande dado de tudo isso apenas terá sentido quando termina no mistério de Cristo, que vence a morte, ou seja, começamos com a dor, mas terminamos na alegria da ressurreição”, diz Padre Silvio.
A paixão, morte e ressurreição de Cristo voltarão a ser encenadas no espetáculo Drama da paixão, na Sexta-feira Santa, na cidade de Santana do Parnaíba (SP). Trata-se do segundo maior espetáculo a céu aberto do Brasil, que em 2022 completará 25 anos de existência.
Desde 1997, a encenação é realizada na cidade com o apoio da Prefeitura Municipal. Depois de dois anos sem espetáculo ao vivo, neste ano a encenação irá ocorrer novamente, numa área junto à barragem Edgar de Souza, nas margens do rio Tietê. O tema da encenação será “A bravura de Ester”. Por conta dos cuidados sanitários por causa da pandemia, a plateia deverá ser restrita. Nos anos anteriores à pandemia, o espetáculo recebia cerca de 10 mil pessoas por dia.
Segundo explicou a diretora de Cultura, da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Agacir Eleutério, com a encenação de uma passagem do Antigo Testamento, o espetáculo se renova todos os anos. “Para o público é um novo espetáculo a cada ano. Essa é a grande diferença da encenação da paixão em Santana de Parnaíba”, comentou em entrevista.
Dirigido desde o início pelo diretor de teatro Edmilson Andrade, o evento se tornou a segunda maior encenação do país, ficando apenas atrás do teatro de Nova Jerusalém, no interior de Pernambuco. Porém, ao contrário de Nova Jerusalém, o espetáculo de Santana de Parnaíba é gratuito.
Toda essa vivência pascal, nas celebrações litúrgicas que se entrelaçam com os atos de piedade popular, tais como procissões, vias-sacras, encenações da paixão de Cristo, ajuda os cristãos a renovarem sua vida de fé, sua participação na comunidade e empenho evangelizador na sociedade. “Por isso, o cristão deve vivenciar a Páscoa a partir da Quarta-feira de Cinzas, iniciando uma caminhada quaresmal de conversão pessoal e de participação intensa nas celebrações litúrgicas e nos atos de piedade. Somente assim o seu canto de aleluia pascal brotará com força do íntimo de seu coração”, ensina o Padre Ulysses da Silva, do Santuário Nacional em Aparecida (SP).
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