A palavra “crise” é de origem grega (“krísis”) e significava, para os gregos, a ação ou a faculdade de distinguir e de decidir. Eles tinham em mente aqueles momentos em que era preciso escolher entre duas ou mais opções. Escolher, percebiam, é sempre um risco. Para diminuir a possibilidade de uma decisão errada, quem estava em crise deveria pensar, ponderar e julgar. Enfrentar uma crise não significava, pois, necessariamente, algo negativo. Os gregos haviam aprendido que momentos de crise podem ser positivos, se a decisão for tomada após o devido discernimento.
Diante das notícias de corrupção, desvios e favorecimentos que os meios de comunicação despejam diariamente em nossas casas; diante do constante aumento de preço dos artigos e serviços de que necessitamos diariamente; do número crescente de desempregados e da insegurança que envolve a sociedade brasileira, é comum a palavra “crise” dominar conversas, discussões e debates. “Estamos em crise”, repetem muitos. “A crise cresce cada dia”, comentam outros. Isso significa que vivemos um momento necessariamente negativo?
Muitas transformações no mundo aconteceram em momentos de crise. Não poucas invenções ocorreram em tempos de guerra. Decisões que foram tomadas quando tudo parecia perdido modificaram, para melhor, a vida de muitos. É verdade que quando o julgamento não foi adequado e as decisões tomadas foram falhas, as crises enfrentadas produziram consequências negativas, prejudicando a não poucos.
Como vivermos, pois, em tempos de crise e sairmos vitorioso dela? Não existe um manual que nos dê as respostas desejadas. Existe, sim, uma certeza: em momentos de crise, nossos julgamentos devem ter por base valores que são eternos.
Em primeiro lugar, perguntemo-nos: o que, realmente, está guiando a nossa vida? Na base de nossos sonhos de felicidade encontram-se ideias, desejos e metas capazes de realmente nos dar aquilo que buscamos? A fama é passageira: quem se lembra da medalha olímpica daquele corredor que venceu a corrida de 400 metros nas Olimpíadas de Atenas? O dinheiro, buscado por si mesmo, ajuda a pessoa a encher o seu bolso, a dar conforto aos familiares e a obter inúmeros bens. Mas garante a felicidade que tanto desejamos? O poder pode fazer a pessoa ser endeusada e invejada. Compensa, contudo, o sacrifício e, por vezes, o sofrimento que causou a muitos, para ser conquistado?
Para se crescer na crise é necessário que se dê um sentido à própria vida. Encontramos esse sentido na busca do bem comum. Quando a sociedade é construída para favorecer uns poucos; quando massas imensas são vistas como “sobra”, a insatisfação torna-se a companheira de todos. Se pensarmos em nossa própria história, veremos que os momentos que deixaram lembranças mais profundas e alegres em nossa vida foram aqueles em que nos sacrificamos para que a sociedade fosse melhor.
Momentos de crise exigem a retomada da ética. Certa vez, um advogado, professor universitário, depois de estudar detidamente os 10 Mandamentos da Lei de Deus, me disse: “Se todos observassem esses Mandamentos, teríamos uma sociedade perfeita!”
Em momentos de crise é necessário assumirmos o compromisso de oferecer toda a colaboração que for possível para a construção de um mundo melhor. Não importa se, ao nosso redor, outros não se comprometam com isso. O importante, sim, é nos unirmos aos que, como nós, buscam valores que ultrapassam o tempo; estão dispostos a lutar para romper a capa de egoísmo que teima cobri-los; lutam contra o individualismo que sufoca a sociedade; e assumem trabalhos voluntários com tal generosidade que acabam se tornando imprescindíveis na comunidade humana.
Por Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger – Arcebispo de São Salvador da Bahia e Primaz do Brasil
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