“Queremos dizer que uma outra forma de enfrentar as polarizações é possível, viável e necessária. Ela se encontra no diálogo”. A frase é do bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado, em entrevista ao jornal O Globo, publicada no último sábado. Dom Joel aborda o contexto da Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) 2021, cujo tema é “Fraternidade e diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade”.
Dom Joel situa que o contexto de polarização na sociedade brasileira foi um dos motivos que levou à sugestão e depois à decisão de abordar o tema diálogo. A proposta da CNBB ao Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), responsável pela preparação da iniciativa ecumênica, foi a abordagem da questão do diálogo “como postura humana e social indispensável para se conseguir tudo que as campanhas anteriores vinham propondo”.
“De fato, vivemos uma triste e generalizada situação em que, por um lado, temos uma sociedade culturalmente plural, mas, por outro, uma forte inaceitação de quem pensa diferente. A solução que parece estar sendo mais divulgada e aceita é a da violência, com consideração do diferente como inimigo e, consequentemente, alguém até mesmo a ser abatido. Foi, portanto, para tratar dessa barbárie que o tema do diálogo foi escolhido”.
É nesse contexto que a Campanha da Fraternidade deseja apresentar o diálogo como forma “possível, viável e necessária” para enfrentar as polarizações.
E o grande foco da campanha deste ano também se aplica à realidade dos ataques que surgem pelas redes sociais. “Numa sociedade que se queira democrática, todos têm direito à manifestação. Importa que assumam a responsabilidade pelo que vierem a dizer e fazer. Aqui está, a meu ver, a grande diferença entre falar, mostrar, indicar e, do outro lado, acusar, atacar e sugerir boicotes. Se queremos o bem e a paz, não vamos conseguir com ataques e outras posturas violentas. Só vamos conseguir com o diálogo, tema da campanha”, ressalta dom Joel Amado.
Ao abordar questões como a violência a grupos vulneráveis da sociedade, a CFE 2021 chama atenção da sociedade brasileira de que não é possível construir um país, uma sociedade de indiferentes, segundo dom Joel. “Sabemos que a indiferença mata, pois não se mata apenas por comissão, mas também por omissão, por braços cruzados, por virar as costas. Se, por um lado, sempre houve indiferentes na face da Terra, qualquer pessoa observa e sente na pele que esta indiferença está se tornando um estilo de vida, uma opção que solidifica o egoísmo e gera a violência. Basta ver a lamentável situação dos fura-filas na vacinação contra a Covid-19”.
As violências citadas pelo Conic no texto-base, de acordo com dom Joel, compõem uma lista que “deve ser lida em abertura a tantas outras situações de pessoas sofrendo”.
Perguntado sobre os impactos das campanhas negativas em relação à Coleta Nacional da Solidariedade, realizada no Domingo de Ramos, dom Joel recordou que o Fundo Nacional de Solidariedade, composto por uma parte dos recursos arrecadados na data, “é uma experiência muito significativa na vida da Igreja no Brasil, e se constrói exclusivamente da generosidade que se manifesta na coleta feita no Domingo de Ramos”.
Do valor entregue nas coletas das comunidades, 60% fica com a diocese arrecadadora e 40% são enviados para a CNBB para atender em média 200 projetos anualmente. “O importante é destacar que tudo isso só acontece se houver a generosidade das pessoas. Em 2020, não houve arrecadação. O Fundo zerou por completo. Este ano, como a pandemia não está vencida, corremos o risco de viver a mesma experiência. Isso preocupa porque são situações muito sofridas, por exemplo, a fome”, destacou dom Joel.
As campanhas contra a generosidade das pessoas, nesse caso, além de manifestarem desconfiança em relação à gestão do fundo e à destinação dos recursos, estimulam a que não se pratique a caridade, salienta o secretário-geral da CNBB.
“Isso significa não viver o Evangelho, querer levar outras pessoas a não viverem e fazer com que os mais pobres, que seriam beneficiados com os recursos do Fundo, não sejam atendidos. Eu me pergunto o que existe de cristão nessa atitude”, lamenta.
Mas, dom Joel mostra-se confiante: “Graças a Deus e à generosidade dos brasileiros e brasileiras, havendo possibilidade de se realizar a coleta, os recursos chegarão”.
O que mais preocupa dom Joel, no entanto, é o contexto e as consequências da Covid-19: “temo mais a pandemia que tanto nos tem maltratado. Essa, sim, é preocupante”.
“Não temos vacinas. Não temos plano de vacinação. Ao mesmo tempo, nos assustamos com as vergonhosas aglomerações que vêm acontecendo. Reconheço que as pessoas estão cansadas, deprimidas mesmo. Isso, porém, não autoriza que se fechem os ouvidos às orientações dos cientistas. Nessa pandemia, somos todos responsáveis, cabendo, portanto, a cada um fazer a sua parte”, destacou.
De sua parte, a CNBB tem a clara postura de se manifestar em favor das orientações dos cientistas, segundo dom Joel. Essas orientações, como o distanciamento social e o uso de máscaras, por exemplo, não mudaram desde o início da pandemia e, como destaca o bispo, “não mudarão em curto prazo”.
Confira a íntegra da entrevista em https://glo.bo/3buzgm5
Fonte: CNBB
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