“Tu o tornaste ilustre pela santidade e insigne pelos milagres, tornaste-o eminente mestre da vida monástica, e o indicaste a todos como doutor da sabedoria espiritual no amor à oração e ao trabalho. Guia iluminado dos povos à luz do Evangelho, e elevado aos céus por uma senda luminosa, ele ensinou aos homens e mulheres de todos os tempos a te procurar, ó Pai, no caminho reto e às riquezas eternas por ti preparadas.”
Gregório Magno é o único escritor que nos conta, nos seus Diálogos, com credibilidade a vida de Bento, mesmo que com critérios históricos diferentes dos nossos. “Havia um homem”, diz o cardeal beneditino Schuster, “que selecionava o que lhe contavam, este era certamente Gregório, acostumado a desconfiar, a peneirar, avaliar suas palavras e as dos outros”.
Bento nasceu por volta de 470 em Núrsia, a cerca de oitenta quilômetros de Roma, de uma família rica que pôde enviá-lo para a capital, acompanhado de sua ama-de-leite de confiança, para se aperfeiçoar nos estudos sem perder os bons costumes.
O “paraíso” de Bento
Mas, houve um acontecimento verdadeiramente extraordinário na vida desse patriarca do monaquismo que não pode ficar oculto. Não só porque Gregório Magno fala dele claramente e o seu testemunho é digno de fé, mas também porque explica o sucesso que teve nos séculos o espírito beneditino. Fazemos aqui o relato segundo a reconstituição feita pelo cardeal Schuster: “No dia 29 de outubro de 540, em um bonito dia de outono, chegou a Montecassino o Diácono Servando. Era abade do mosteiro de São Sebastião de Alatri. Acompanhavam-no alguns monges daquele mosteiro. São Gregório nos informa que Servando se distinguia pela eminente doutrina espiritual. Compreende-se agora facilmente a amizade santa que havia entre aquelas duas grandes almas. Discorrendo sobre o paraíso e a Trindade augusta, os dois abades passaram santamente juntos aquele suave dia de outono. Ao anoitecer, Bento preparou para os hóspedes monges camas no dormitório comum monástico: estavam cansados da viagem; ao Diácono Servando, porém, ele ofereceu o seu próprio quarto no primeiro andar da torre. Era como o escritório particular do santo, onde uma simples escada de mão dava acesso à cela superior onde ele tinha o leito de palha. Enquanto a noite ainda estava alta e os monges dormiam agradavelmente no dormitório em frente da porta de entrada da torre, o santo patriarca havia já antecipado por conta própria a hora da oração em vigília. Por aquele gosto pela natureza que possuem os grandes amigos de Deus, orava junto à janela. Pouco a pouco, com os olhos fixos nas estrelas, aprofundando-se na divina contemplação, o santo sentia que seu coração se inflamava. Estava na janela, porque agora na pequena cela se sentia sufocado. Para ele, o firmamento estrelado era como a cortina bordada que velava o Santo dos Santos. Em certo momento, sua alma se sentiu transportada para a outra parte do véu para contemplar sem mistérios o rosto daquele que ‘habita numa luz inacessível’”.
Os autores místicos, a começar por Gregório Magno, trataram longamente sobre a natureza dessa elevação do santo patriarca.
São Boaventura afirma que o vidente contempla Deus e tudo conhece nele.
O Papa Urbano VIII, em uma bula sobre São Bento, afirma que o santo, embora estando aqui na terra, mereceu ver seu Criador e cada criatura em Deus.
Lendo a narração do biógrafo (São Gregório), São Bento não se referiu a outra coisa que ter visto o orbe inteiro como imerso pelo mar de luz do Criador. Para contemplar essa visão, já não foi a criatura que se tornou menor como diante de um mapa-múndi escolar, mas a alma por si mesma se sentiu como que imersa em Deus e dilatada, de maneira que em um único olhar pôde contemplar, como que recolhida sob si e em um simples raio de luz, toda a obra divina no mundo criado.
Deve-se destacar que São Bento era de tal modo preparado e fortalecido para esse altíssimo gênero de mística comunicação com o céu que seu organismo não foi submetido nem ao êxtase nem ao desfalecimento. Ele permaneceu de pé diante da janela, muito consciente, tanto que chamou várias vezes e com voz forte o diácono que dormia no quarto inferior para que corresse e também ele pudesse contemplar a visão.
A voz alterada do santo patriarca despertou-o rapidamente e maravilhou a Servando, o qual sempre o tinha conhecido como uma pessoa calma e igual a si mesmo. Compreendeu que deveria ter acontecido alguma coisa extraordinária, tanto que, impressionado, levantou-se da cama, subiu a escada e correu para perto do santo. Este, da janela, mostrou-lhe a luz que ainda clareava o céu do lado de Cápua e lhe falou tudo o que havia visto. Acrescentou que, naquele mesmo momento, os anjos haviam levado para os céus, em forma de um globo inflamado, a alma do Metropolita Germano.
Como São Paulo, depois do seu arrebatamento ao céu, deve ter-se sentido profundamente transformado na mente e na vontade, assim também aconteceu com o patriarca cassinense depois de ter contemplado em um único e simples raio da luz divina tudo quanto está abaixo do Bem Infinito. Ele também deve ter começado uma vida nova e então compreendido a natureza humana na sua única e simples causa, que é Deus.
Sua alma se dilatou no Senhor, como bem explica São Gregório: “Arrebatado em Deus, sua mente se dilatou e ele viu sem dificuldade toda a criação”. A visão foi breve, mas os efeitos não puderam mais ser apagados de seu espírito. Ele, na regra, faz referência precisamente a essa espécie de impossibilidade de traduzir em fala humana tudo aquilo que sentia em seu coração. Também o abade cassinense viu, como Paulo, coisas inenarráveis.
É importante registrar como São Gregório, depois daquele sublime rapto do patriarca, logo faz seguir a prodigiosa Regula monasteriorum (Regra dos mosteiros), quase que insinuando que foi por causa daquela suprema luz que o códice monasterial primeiro foi contemplado e depois escrito sobre folhas de papiro.
Depois desse tempo, em São Bento cresce a saudade do céu. Durante os sete anos que ainda viveu não fazia outra coisa senão falar e suspirar pelo paraíso, tanto que outros santos, seus contemporâneos, apesar dos muitos perigos viajavam a Montecassino simplesmente para ter a satisfação de saborear as alegrias do céu conversando com o pai Bento.
Desde a noite em que contemplou a divina luz no céu, sua fisionomia também foi transformada. O homem de Deus tinha aspecto sereno e porte angelical. Envolvia-o uma atmosfera de luz celeste, de tal modo que, vivendo ainda na terra, compreendia com afeto que sua casa estava no céu.
Se Bento foi favorecido por uma visão celeste, isso não foi para premiar sua virtude heroica ou para satisfazer sua curiosidade intelectual, mas para que seu carisma tivesse a força de reproduzir no mosteiro a vida do céu e contribuir para restabelecer a harmonia da criação.
Comments0