“Elias procedeu conforme a palavra do Senhor”, pois Elias saiu da sua terra e da sua parentela, e retirou-se da casa do seu pai para a solidão, determinando então o Senhor algo de melhor para ele, a saber, livrá-lo da morte e conduzi-lo à perfeição da vida. Com efeito, naquele tempo o povo de Israel, enganado pelo rei Acab, adorava a Baal como a um deus dispensador das chuvas, da fertilidade e de todos os outros bens temporais. Não se dava conta aquele povo de que todos estes bens provêm do verdadeiro Deus de Israel, e não de Baal, como o Senhor se queixa pelo profeta: “Ignorou que era eu quem lhe dava o trigo, o vinho e o azeite, e lhe multipliquei a prata e o ouro, com os quais fizeram Baal”. Por isso, querendo Elias demonstrar ao rei Acab e ao povo de Israel que o verdadeiro Deus era o que ele, Elias, adorava, e não Baal, que o rei estava introduzindo a adoração do povo por instigação da rainha, predisse-lhes segunda a palavra do Senhor, que, por mais que invocassem Baal, este não poderia dar a chuva, nem por aqueles anos desceria chuva ou orvalho sobre a terra, até que Elias o suplicasse ao Deus de Israel. E porque, pela falta de chuva, sobreveio uma grande fome no Reino da Samaria, o rei procurava matar Elias. Mas ele, antes que o rei o procurasse, “procedeu conforme a palavra do Senhor”, pois, para não ser encontrado pelo rei, retirou-se por impulso de Deus “da sua terra, da sua parentela e da casa de seu pai” para a solidão, deixando, por conseguinte, as riquezas mundanas, não só pelo afeto, mas também de fato, para não ser impedido de conseguir a perfeição nem pelos cuidados domésticos nem pelas riquezas ou bens terrenos.
E continua: “Viva o Senhor dos Exércitos, em cuja presença estou de pé”. E de fato, bem merecia estrar ante a grandeza da divina Majestade quem tinha fixado a meta do seu espírito em tão alto cume de perfeição que ninguém entre os nascidos de mulher lhe foi superior em plenitude de perfeição, pois, embora o Senhor tenha dito que “entre os nascidos de mulher não surgiu nenhum só maior do que João Batista”, também o Anjo Gabriel testemunhou, sem dúvida, que Elias era igual a João, quando disse a Zacarias que João iria adiante de Cristo com o espírito e o poder de Elias. O seu coração, enquanto no deserto se abrasava de fervente caridade e, na meditação, ardia nele o fogo divino, saboreava com frequência a inefável glória de Deus e sentava-se, isto é, repousava na torrente das suas delícias, na qual o Senhor dessedenta aqueles que o amam, como diz o profeta: “na torrente das tuas delícias os saciarás”. Todavia, embora Elias se esforçasse por repousar assiduamente na contemplação de delícias tão inefáveis, no entanto, oprimido pelo corpo corruptível, não podia nela permanecer por muito tempo. Entrando em si, umas vezes alegrava-se silenciosamente no seu coração, ruminando a saboreada suavidade; outras vezes, porém, gemia intensamente pelo desejo e fome de tornar a saborear a suavidade de tão deliciosa doçura.
E continua ainda: “Os corvos levaram-lhe pão e carne pela manhã e, igualmente, pão e carne pela tarde”; com estes alimentos Elias alimentava no deserto o seu corpo fatigado o necessário para não desfalecer. Não há dúvida que o pão e a carne trazidos pelos corvos era Deus que os enviava, pois, já antes de ele ir para a torrente de Carit, Deus lhe predissera: “Ordenei aos corvos que te alimentem”. Por isso Elias, enquanto esteve em Carit, confiava ao Senhor a sua alimentação e Ele o alimentou. Recebia de Deus tudo o que era necessário para esta vida, porque “procurava em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça”.
Ciente de que, pela fragilidade da própria carne, era afastado daquela misteriosa participação de Deus, derramava em si a própria alma, porque numa devota oração e confissão dos seus pecados proferia perante Deus profundos gemidos de lamentação.
E segue: “E bebia da torrente”, isto é, da água da torrente, abstendo-se do vinho, para transportar a sua alma até aquela salutar sabedoria, sobre a qual está escrito: “A fonte da sabedoria é uma torrente transbordante”. E assim, de novo arrebatado em espírito, ele passava ao lugar do tabernáculo admirável, até à casa de Deus, saciando-se na torrente das suas delícias e inebriando-se da sua abundância.
Do livro Da Constituição dos Primeiros Monges séc. XIV.
(L.I, c.9 – Anal. O.Carm. 3 [1914 – 16] 365-367).
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