Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
Dentro da Quaresma celebramos a solenidade da Anunciação do Senhor. Nesse anúncio aparece o grande “sim” de Maria! Isso nos remete a pensar sobre o nosso sim hoje. A história do chamado de Deus a Santíssima Virgem Maria nos ajuda a compreender e a responder à nossa vocação. Pois, Nossa Senhora é a “Carta” que Deus dá aos corações mais simples para compreender a grandeza do chamado que Ele nos faz. Na simplicidade da Menina de Nazaré está escondida a grande Mãe de Deus, que está nos Céus à espera de cada um de nós. Maria é modelo para toda a Igreja, por isso, sua resposta ao chamado de Deus é também modelo para todos nós. Estas escondem a grandeza e a sublimidade da sua vocação, que nos ajudam a compreender e assumir o desígnio de Deus para todos nós.
Ao celebrarmos a festa da Anunciação do Senhor, ouvindo a disponibilidade da Virgem Maria aos planos de Deus colocando-se a serviço do Reino, nos vem à mente e ao coração o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que nos indica que somos chamados a fazer como Jesus: “Eu vim para servir”.
A Virgem Maria é a “Carta de Deus” que nos ajuda a descobrir como o Senhor age no mistério da Salvação e, consequentemente, em nossa vocação. Não há nada que desoriente a mente humana como a simplicidade das obras divinas se comparada com os efeitos que se conseguem […] O “sim” da Virgem de Nazaré ao chamado de Deus é traduzido com o latim “fiat”, que significa “faça-se”, mas no original a palavra grega não expressa uma simples aceitação resignada, mas um vivo desejo. É como se dissesse: Eu também desejo, com todo o meu ser, o que Deus deseja; faça-se logo o que Ele quer. Nossa Senhora concebeu Cristo no seu coração antes de concebê-Lo no seu corpo. O “sim” de Maria ao anúncio do Anjo nos ajuda a dar a nossa resposta diante da nossa vocação, do chamado de Deus. O Senhor espera de nós, como esperou de Maria, não somente a aceitação da nossa vocação, mas também o vivo desejo de realizá-la plenamente. Pois, o próprio Jesus desejou ardentemente realizar a vontade do Pai. E nessa solenidade aparecem essas duas respostas: a de Maria e a de Jesus!
Tendo em vista a nossa vocação, enquanto recebemos de Deus, somos convidados a fazer como Maria. Ser uma humilde serva do Senhor! Isso vale para todos, mas, sobretudo, para os que têm alguma responsabilidade de serviço na Igreja. Devemos ser aquele que serve, pois é nisto que consiste a realização de toda a vocação.
Nas “Cartas pastorais” enviadas aos seus discípulos Timóteo e Tito, o apóstolo Paulo se concentra com cuidado na figura dos ministros, mas também sobre a figura dos fiéis, dos idosos, dos jovens. Concentra-se em uma descrição de cada cristão na Igreja. Ora, é emblemático como, junto aos dotes inerentes à fé e à vida espiritual – que não podem ser negligenciadas porque são a própria vida – são elencadas algumas qualidades puramente humanas: o acolhimento, a sobriedade, a paciência, a mansidão, a confiança, a bondade de coração.
É este o alfabeto, a gramática de base de cada ministério! Deve ser a gramática de base de cada um de nós. Sim, porque sem esta predisposição bela e genuína a encontrar, a conhecer, a dialogar, a apreciar e a se relacionar com os irmãos de modo respeitoso e sincero não é possível oferecer um serviço e um testemunho realmente alegre e credível.
O apóstolo exorta a reviver continuamente o dom que foi recebido (Cf. 1 Tm 4, 14; 2 Tm 1, 6). Isto significa que deve estar sempre viva a consciência de que não se é mais inteligente, melhor que os outros, mas somente em força de um dom, um dom de amor dado por Deus, no poder do seu Espírito, para o bem do Seu povo. Esta consciência é realmente importante e constitui uma graça a pedir todos os dias!
A consciência de que tudo é dom, tudo é graça, também nos ajuda a não cair na tentação de colocar-se no centro da atenção e de confiar apenas em si mesmo. São as tentações da vaidade, do orgulho, da suficiência, da soberba. A consciência de sermos por primeiro objeto de misericórdia e da compaixão de Deus deve nos levar a ser sempre humildes e compreensivos nos confrontos dos outros. Estando na consciência de ser chamado a proteger com coragem o depósito da fé (Cf. 1 Tm 6, 20), nos colocaremos em escuta dos irmãos. Somos conscientes de ter sempre algo a aprender, mesmo com aqueles que podem ser ainda distantes da fé e da Igreja. Com os próprios irmãos, depois, tudo isto deve levar-nos a assumir uma atitude nova, com o compromisso da partilha, da corresponsabilidade e com a comunhão.
Assim como a Virgem Maria é a “Carta de Deus”, somos chamados a ler com os olhos de fé. Não nos enganemos com a simplicidade das suas palavras, pois o que se realizou a partir dela foi a salvação de toda a humanidade, em Jesus Cristo. Como a Mãe do Senhor, coloquemo-nos em prontidão para o serviço de Deus. À semelhança de Maria, aceitemos a nossa vocação, o nosso chamado, com o ardente desejo de realizá-la plenamente. Acreditemos que o Senhor nos chama para uma alta vocação e digamos o nosso “sim”, o nosso “amém”.
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