Imortalizada na voz de Gilberto Gil, Andar com fé pode ser considerada um símbolo para representar o desejo da maioria dos brasileiros para 2022. “Que ela não costumar faiar” muitos cristãos têm a absoluta certeza. Ela nos acompanha, está presente em todos os momentos e, como indica uma das estrofes da canção, “Vai onde quer que eu vá/a pé ou de avião”. A crença por dias melhores fica ainda mais evidente quando provações e graves problemas de saúde foram superados. A torcida pelo término de uma pandemia – que ainda insiste em se manter entre nós – é um dos desejos mais frequentes pela intervenção divina. E aqueles que conseguiram superar as adversidades no ano que passou seguem agora ainda mais fortalecidos e com a confiança renovada. Para eles, a fé é o que conduz os passos e abre os caminhos a todo momento.
Apesar dos votos de esperança para 2022, não é possível desconsiderar a realidade. Os desafios são muitos. Altos índices de desemprego e inflação, além de questões políticas e sociais como a fome e falta de moradia, indicam graves problemas na sociedade brasileira. Acima de tudo, a solidariedade e o espírito agregador necessitam ser colocados em prática. A fé por tempos melhores começa também quando a ajuda ao próximo se torna uma realidade.
Para o Padre Eder Luiz Pereira, administrador paroquial da Paróquia São Miguel e Almas, de Santos Dumont (MG), o ano de 2022 será marcado pela esperança e a fraternidade. “O Papa Francisco tem nos direcionado nestes tempos difíceis. A esperança para superar o pessimismo e a falta de fé e a fraternidade a fim de unirmos forças como irmãos, no cuidado com o outro e no retorno à vida comunitária”, explica, antes de concluir: “Penso que me tornei mais humano, mais sensível ao outro e compassivo, mesmo com minhas limitações e misérias. A vida foi a maior conquista, ou melhor, sobreviver em meio ao risco de morte deste tempo”.
A fé em Cristo Jesus foi essencial para ajudá-lo a permanecer firme nesse processo. “Tal como uma árvore que estabelece raízes profundas, quando vêm os fortes ventos ela pode até se mover, mas não é arrancada. Confesso que os fortes ventos me abalaram, muitos questionamentos vieram à tona, principalmente diante das realidades de impotência, as quais me deixaram em crise”, lembra Padre Eder. Celebrar as missas com a igreja vazia, tendo somente os agentes da Pastoral da Comunicação e alguns outros ajudantes, não foi tarefa fácil, “Assim como os momentos em que as palavras não foram suficientes para consolar os que perderam entes queridos, os profissionais da linha de frente, os sofredores”, analisa.
Segundo ele, o poder da oração, a força da comunidade e a fraternidade presbiteral ajudaram a superar os momentos difíceis, tendo como centro a força em Cristo. “Penso que os planos de Deus sempre serão investidos para salvar a humanidade, tal como enviou seu único Filho, Jesus, como expressão do seu amor, a fim de não perder nenhum dos seus. Deus espera de nós o crescimento na fraternidade, no amor ao próximo e que também será um tempo de reconstrução. Após esta pandemia não seremos os mesmos, precisaremos recomeçar em vários quesitos e também ressignificar outros”, prevê.
O ano que passou foi de muitas provações para o Padre Eder, especialmente ao receber o diagnóstico com o teste positivo para a covid-19 (do inglês coronavirus disease-19, doença do coronavírus surgida em 2019) justamente no dia de seu aniversário. Os sintomas foram se agravando e, cada vez mais debilitado, ele precisou ser internado às pressas. “Grande parte do meu pulmão já estava tomado. A divina providência cuidou de tudo. Do transporte para outra cidade ao acolhimento dos profissionais de saúde que cuidaram de mim. Quantos irmãos e irmãs não tiveram a mesma oportunidade ou tiveram, mas não resistiram”, reflete.
Durante os quinze dias de internação, a maior parte do tempo foi dedicado a orações e reflexões sobre o valor da vida. “Já estava ansioso para retornar à paróquia e continuar a missão, ainda mais porque se aproximava a Semana Santa. Uma grande emoção foi celebrar o Tríduo Pascal, unindo a minha dor e a de tantos e tantas à dor de Cristo, na certeza da ressurreição, da vida nova que Ele me concedia”, recorda.
“A fé é explicada popularmente por muitos como ‘primeiro você coloca o pé e depois Deus coloca o chão’. A simplicidade significa uma grande verdade para nós, cristãos: quem confia em Deus não está desamparado. Ele não nos garantiu vida fácil e nem que seríamos isentos dos sofrimentos, mas nos prometeu uma coisa, que Ele nunca nos deixaria sozinhos. Penso que confiar no Deus que caminha conosco nos ajudará a crescer no relacionamento com Ele, no amor aos irmãos e na superação dos desafios”, conta.
A caminhada com a fé é o que move também a vida da professora e historiadora Leticia Maia Dias, de 27 anos. Ela teve um ano de dificuldades, que mesclou a realização do sonho de ingressar no doutorado com a descoberta de um câncer de tireoide. A data ela lembra bem, dia 23 de agosto. Leticia fez uma tireoidectomia, cuja biópsia apontou metástases nos gânglios linfáticos. Dois meses depois, ela foi operada novamente para realizar um esvaziamento cervical. No entanto, ao contrário da primeira cirurgia, a segunda deixou Leticia bastante debilitada e com muitas dores, fazendo com que ela precisasse retornar ao hospital. A professora também foi obrigada a recusar uma vaga de trabalho pela qual esperava há anos, mas que precisou ser descartada em função do estado de saúde e pela dificuldade de movimentação após a cirurgia. “Eu nunca havia vivenciado nada parecido. Sempre fui muito saudável e o diagnóstico realmente foi uma surpresa”, relembra.
Apesar de todas as dificuldades, Leticia não tem dúvidas de que Deus foi misericordioso. “Passei no doutorado para o curso de História na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais], minha última biópsia não apontou a existência de mais metástases e tenho fé de que no momento certo e da forma certa, Ele providenciará um trabalho na minha área”, torce.
A fé e a devoção em Nossa Senhora foram essenciais para que ela passasse pelo tratamento sem desistir. “Acredito que o grande ensinamento deste ano tenha sido aprender a lidar com as minhas limitações humanas e aceitar com fé as situações que não posso mudar. Deus sabe de todas as coisas e nunca nos desampara, por isso, é preciso agradecer todos os dias pelo dom da vida”, reflete.
Sobre as perspectivas para o Brasil, Leticia, que é historiadora, é cética em relação a melhoras no país, sobretudo após o agravamento da crise em função da pandemia do novo coronavírus e pelo cenário político. “Não devemos depositar nossas esperanças nos homens, que são falhos, mas apenas em Deus, que nos conhece e nos ama incondicionalmente e é perfeito”, crê. Para ela, enquanto cristãos, é necessário buscar entendimento e, principalmente, agir conforme o grande ensinamento deixado por Jesus: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos: “Somente assim teremos sempre nossas esperanças renovadas e conseguiremos ter força para enfrentar e superar o cenário de desemprego, carestia, desigualdades, mortes e desunião que tem marcado nosso país nos últimos anos”.
Ainda assim, andar com fé em 2022 deve ser um exercício diário para ajudar todos a seguir em frente. Para Leticia, colocar nossas vidas nas mãos de Deus, que é o princípio, o meio e o fim de tudo, é essencial: “A fé e a oração nos aproximam de Deus e nos ajudam a viver conforme seus ensinamentos. São muitas as situações nas quais pensamos em que não há mais solução, em que sentimos medo, desânimo e temos dificuldade em acreditar que dias melhores virão, deixando, assim, que nossas fragilidades humanas se sobressaiam. Entretanto, a fé nos planos divinos deve sempre guiar nossas ações, pensamentos, palavras, comportamentos e sonhos, não só neste ano que se inicia, mas em todos da nossa existência”. E sigamos com fé!
Comments0