O estudo mariológico deve buscar aprofundar cada vez a figura de Maria, mas, sobretudo para a missão da Mãe de Jesus e Senhora Nossa que é ser discípula de Cristo. Essa busca se faz importante para que os cristãos católicos não caiam numa exaltação mariana ou mesmo numa mariolatria. “Por ‘mariolatria’ entendemos exatamente o atribuir em surdina à Virgem o culto devido a Cristo” (SCHILLEBEECKX, 1966, p.98).
Apresentamos alguns critérios para rever ou recriar exercícios de piedade mariana conforme frutos do Concílio Vaticano II e as indicações do documento Marialis Cultus: Cunho bíblico: não somente uso de textos da Escritura, mas temas da mensagem cristã (MC 30), Cunho litúrgico: acompanhar o tempo litúrgico e encaminhar para a liturgia (MC 31), Sensibilidade ecumênica: por seu caráter eclesial, no culto a Maria refletem-se as preocupações da própria Igreja, anseio pela unidade dos cristãos, não errar quanto a doutrina católica (MC 32).
Sabe-se que a devoção a Maria enriquece e contribui num caminho mistagógico, “o perfil devocional de Maria é legítimo, dentro do horizonto católico, desde que centrado na figura de Jesus Cristo, nosso mestre e Senhor” (MURAD,2001, p.25). Maria acreditou e por isso é proclamada a bem-aventurada, pela sua fé, Jesus o filho de Deus se encarnou. E também graças a sua esperança assumiu uma busca de responder a vontade do Senhor, num projeto complexo diante dos desafios de seu tempo e da cultura do seu povo (BOFF, 2019, p. 42).
Pelo testemunho da fé de Maria encontramos traços para nossa caminhada, pois Maria “é invocada como a Mãe da esperança que alimenta a fé desses povos e os acompanha na dura travessia. Os nossos povos vivem de esperança, mesmo quando não veem sinais que apontem para dias melhores e para uma vida mais digna” (BOFF, 2019, 89).
Maria, mãe e discípula de Cristo e da Igreja se tornou mestra para o povo de Deus. Maria é para o povo fiel modelo de caminhada de discipulado. “De fato, ela é nosso modelo e mestra exatamente porque é perfeita discípula e imitadora de Cristo” (CANTALAMESSA, 1992, p.131-132). E ao olharmos para a Lumen Gentium vemos que a função maternal de Maria para com os homens, não diminui ou obstrui a mediação única que é Cristo, mas aponta os féis para um contato imediato com Cristo (n.60).
2 – Culto a Virgem Maria fortalece a caminhada espiritual dos fieis
A Exortação Apostólica Marialis Cultus, com as orientações sobre culto a Virgem Maria traz uma a dimensão mariana renovada, recuperando o sentido de Maria para a Igreja. Não se trata de um culto a parte, mas inserido no mistério Pascal de Cristo e também vemos que “nos sacramentos e sacramentais aparecem também invocações e expressões de amor a Maria” (BOROBIO, 2000, p.216). É preciso que se compreenda que a veneração a Virgem Maria nos leva a viver o mistério de Cristo.
Na introdução do Marialis Cultus, a preocupação com a veneração mariana se faz junto com a reflexão da Igreja contemporânea, isto é, não se trata apenas de conter erros doutrinas quanto às devoções e os cultos voltados a Mãe de Deus, mas sobre o mistério de Cristo e da Igreja. É inspirando na figura de Maria, como aquela que se despoja a Deus que também os fiéis que pela sua atitude espiritual a Igreja celebra e vive os mistérios divinos.
Maria é assim modelo de Igreja, na Lumen Gentiun (n. 63) os padres conciliares a apresentam como esse arquétipo da fé, de caridade e da perfeita união com Cristo. O documento conciliar deseja mostrar que também a Igreja deve ser como esposa amadíssima que é inteiramente íntima com seu Senhor. E além da devida orientação cristológica é preciso salientar que nesse mesmo culto, deve-se realçar a pessoa e a obra do Espírito Santo de sua ação santificadora (MC n. 26).
Outro documento que nos dá um suporte para uma compreensão da mariologia após o Concilio Vaticano II, está na encíclica Redemptoris Mater, em que o João Paulo II destaca a presença de Maria na vida da Igreja. Uma presença constante junto com os discípulos de Jesus e com os peregrinos que caminham juntos enquanto povo de Deus. Maria é assim a peregrina da fé, que caminha junto com os peregrinos, isto é, povo de Deus unido a Cristo.
Com uma forte presença junto aos peregrinos, Maria é a mulher de fé, que serve aos irmãos, sendo verdadeira discípula. “O discurso sobre Maria já não está isolado, como se ela ocupasse uma posição intermediária entre Cristo e a Igreja, mas é reconduzido ao âmbito da Igreja, como havia sido na época dos Santos Padres” (CANTALAMESSA,1992, p.132). Para o povo devoto a figura de Maria é entendida e “vista como mãe, como mestra e como modelo, pela sua presença de intercessão e de guia, pela sua fé integra, pela sua caridade operosa, pelo seu testemunho de esperança, ícone da beleza de Deus que salva o mundo” (DEL GAUDIO, 2016, p. 61).
3 – Mariologia e o mundo contemporâneo
A devoção à Virgem Maria nos leva a compreender também o mistério da Igreja, entendida como povo de Deus, que não é apenas uma estrutura hierárquica, mas riqueza de carismas. O que se destaca é a elevação do sentido batismal, ou seja, uma Igreja como sinal onde os discípulos seguem a Cristo. Para o povo cristão, diante dessa realidade contemporânea é preciso desenvolver uma mistagogia, isto é, ser conduzido a viver uma experiência como alguém que adentra o Mistério (TABORDA, 2004, p.599).
A Igreja se tora mistagogica procurando conduzir os fiéis a viverem a experiência em Cristo, sendo que:
A transmissão da fé brota, pois, da superabundância da existência transformada pelo Espírito, vivida nos lugares e nos ambientes mais diferentes através de uma espécie de irradiação do dom de Deus, que impregna a sociedade na qual estamos inseridos (FORTE, 2018, p. 27).
Sabe-se que a Igreja católica no século XX se viu diante de profundas modificações, não somente oriundas do Concílio Vaticano II, mas, diante de inúmeras mudanças no planeta. Transformações e progressos que ocorreram muito velozmente, e no campo religioso, mudanças nas grandes religiões mundiais, buscando se firmar em suas concepções e ao mesmo tempo o nascimento de novos movimentos religiosos, que em consequência trouxe mudanças na dinâmica social (SESBOÜÉ, 2005, p.423). Para uma chamada ‘nova evangelização’, deve-se abrir para realizar a catolicidade da transmissão da fé, que tem como agente o Espírito Santo, para responder e corresponder aos anseios e desafios dos novos tempos e dessa ‘aldeia global’ (FORTE, 2018, p. 30).
E diante de uma diversidade de percepções é preciso que a devoção marina seja orientada para que se viva de forma coerente com que se professa. O culto a Virgem não é uma liturgia isolada, mas frutos da vida sacramental e encaminha os fieis a Eucaristia. Mesmo sendo uma veneração católica é preciso que tenha o cunho ecumênico, isto é, tenha base escriturística com centralidade em Cristo. As devoções realizadas não são ações apenas estritamente religiosas, mas possuem forte apelo antropológico, contando com as ciências humanas (JOHNSON, 2006, p.171).
Não se trata de folclorizar o culto a Maria, nem mesmo a liturgia sacramental, mas com cautela assumir elementos de cada povo, olhando a realidade sócio-cultural e espiritual. Não é apenas realizar uma devoção nativa de um local sem olhar sua abrangência e ligação com a Palavra e com Cristo. Mas é recriar em cada realidade a fidelidade à tradição da Igreja que segue a Cristo (CODINA, 1991, p.180).
Maria corresponde aos anseios humanos e se aproxima da realidade de cada devoto. “Embora Maria de Nazaré seja uma só, multiplicam-se as interpretações sobre sua figura para os tempos de hoje” (MURAD,2001, p.16). Maria conforme Signum Magnum coopera no crescimento dos membros da Igreja, que é Corpo Místico, por meio da intercessão, Maria não esquece seus filhos peregrinos (SM n.2). E os filhos seguem o modelo de Maria, que buscam a imitação de Cristo: Per Mariam ad Jesum (SM n.9).
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