O instrumento do canto é o corpo. Não há canto sem o corpo humano. É comum, nos dias de hoje vermos repetidamente ideias que separam a espiritualidade do corpo. A palavra “inspiração” é linda, mas jamais deverá ser confundida com impulsos provenientes de outros lugares que não o da criatividade genuína. Pablo Picasso disse certa vez: “Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando”; ou seja, o artista deve trabalhar muito, deve manter a consciência corporal em dia.
Deus é o Criador, O Autor, por isso, tem a autoridade da criação. O primeiro passo é entender a obra do autor. Nenhuma inspiração pode ser divina quando colide com a perfeição da criação. Podemos escolher como organizar os sons, mas não podemos criá-los. O som é o que é. A escala que usamos é grega, uma divisão da corda pitagórica em sete sons. Os árabes e os orientais possuem escalas diferentes. No entanto, a origem dos sons está na criação. Daí vem a necessidade de conhecer muito bem o próprio corpo e os sons produzidos por ele durante a execução da música na liturgia.
Orígenes disse que “O homem e a natureza louvam juntos ao Senhor, unidos como em um mesmo coro”. Vemos que há uma triste coincidência entre o narcisismo do homem e a destruição da natureza. É a desafinação do homem com a harmonia da vida. A ecologia é preocupação urgente!
Assim, o primeiro passo na música litúrgica é o respeito pelo ouvido do outro, o cuidado em preparar com ternura e amor a música que estará totalmente voltada à Eucaristia. Entender a Eucaristia é entender toda a origem e fim da vida.
São Jerônimo disse: “Alguns perguntarão: ‘Como podem o Sol, a Lua e as estrelas louvar a Deus?’. Louvam, não afastando-se de seu trabalho. Seu próprio serviço é louvor para Deus”. Que beleza magnífica possui o louvor das criaturas ao Senhor (Dn 3,57-88.56) cantado nas Laudes aos domingos. Bendito sois, Senhor, no firmamento dos céus! Sois digno de louvor e de glória eternamente!
Música litúrgica é entrega total, é colocar o corpo e a mente ao serviço de Deus, reconhecendo o Criador dentro de si, no pulsar do coração, no suor do trabalho. A música que não produz suor no rosto não é digna de estar na liturgia. É o amor que transborda do peito e eleva os louvores a Deus por meio da voz que representa a liberdade de quem deseja a casa do Pai. E como amar a Deus sem amar ao próximo? O ouvido do próximo é o caminho para o exercício dos sons que louvam a Deus. O louvor está pronto na natureza! Nossa tarefa é trabalhar o amor dentro do coração e expressá-lo com o canto como afirma Orígenes: “Nós cantamos hinos a Deus, sol supremo, e a seu Unigênito Verbo e Deus, e louvamos a Deus e a seu Unigênito, da mesma forma que o Sol a Lua, as estrelas e toda a milícia do céu. Pois de todos eles está composto o coro divino que juntamente com os homens justos louva com hinos a Deus e ao seu Unigênito”.
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