O centro de tudo está na Eucaristia, que é a atualização dos efeitos da Ressurreição de Jesus em nossa vida. E essa força faz-se eficaz em nosso ser (alma e corpo) por meio da iniciativa de Deus, pela Sua permanência conosco. Para isso, no entanto, o Senhor quer contar com a nossa aceitação, que somente é verdadeira quando expressa uma resposta pela forma de atualização e memória.
Contudo, devemos entender o significado de tais palavras à luz da Sagrada Escritura, para compreendermos a real comunicação do que Jesus fez por nós e o que Ele pede de cada um, para aderir a Seu plano de amor e salvação.
Primeiramente, o verbo “permanecer”
Encontramos diversos versículos que tratam da permanência de Deus entre nós. O próprio nome do Emanuel significa Deus conosco.
A identidade bíblica dessa palavra “permanecer” não exemplifica simplesmente o local onde algo ou alguém está. É, além disso, a totalidade do ser numa realidade, onde se deposita ou insere toda a amplitude do que porta aquele que permanece.
“Porque assim diz o Alto e o Excelso, que habita (hb. ??? , shokhên) na eternidade e cujo nome é santo” (Is 57, 15).
A palavra “habitar” é, portanto, em hebraico, shakan, que significa “residir”, “morar”, “continuar”, “permanecer” e “descansar”. A palavra shakan está relacionada a shakab, que significa “descer”, “deitar”. É por isso que o verbo shakan deu origem ao substantivoshekinah, que, apesar de não constar na Bíblia dessa forma, sua ideia já se encontra nas Escrituras, utilizada para se referir à manifestação da glória de Deus, como no caso de Êxodo 24.16;40.35 e Números 9.16-18. Ou seja, onde Deus “habita ou permanece” está Sua presença, glória e esplendor.
Sinais divinos
Jesus atribui a procedência de seus sinais divinos a uma movimentação entre o Pai e Ele, que permanecem um no outro. “Não credes que estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras ” (Jo 14,10).
Outro exemplo que Cristo nos revela é que a verdade só será infusa naqueles que aceitarem a permanência do Espírito Santo em si. “O Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece, mas vós o conhecereis, porque permanecerá convosco e estará em vós ” (Jo 14,17).
Se pois, Deus habita entre os homens, então significa que Jesus aconchegou toda a Sua pessoa, com todo Seu poder e majestade, entre os seres humanos.
Não estamos sozinhos, Ele está entre nós e é nossa constante companhia em todos os momentos, mesmo se não O sentimos. E voltar, tendo vencido a morte e conquistado a ressurreição, insere que esta parte de Seu Ser, está presente, permanece, é continua e reside entre a realidade humana.
Não somos escravos de nenhum tipo de morte, nem física nem eterna. Esse aguilhão das trevas não é o fim de tudo, sua palavra não é a definitiva. Portanto, devemos viver pela esperança de que todas as coisas um dia se farão novas e a alegria brilhará aos nossos olhos.
Para existir, trazendo em nós essas certezas, pede-nos uma adesão à salvação de Jesus, que só poderá ser feita pela atualização e memória.
O que é atualizar e rememorar?
No dia de Páscoa e os que o antecedem, relembramos os feitos que o Cristo empreendeu por amor à humanidade.
O Evangelho de São João, talvez, seja o que significará melhor o entendimento sobre o que vem a ser este “recordar” bíblico. Pelo menos em três passagens, João utiliza o termo recordar. “Os seus discípulos recordaram-se que está escrito: “o zelo pela tua casa consuma-me” (Jo 2,17; cf. Sl 69,10); também, depois da ressurreição, quando seus discípulos se recordaram que Ele os teria comunicado sobre esse acontecimento (cf. Jo 2, 22) e no Domingo de Ramos (Jo 12, 14s; cf. Zc 9, 9).
Assim, João, em seus escritos, quis nos despertar para a realidade de que os acontecimentos do passado não encerram seu sentido no fato, mas caminha para além do tempo e espaço em que ocorreram.
O Antigo Testamento não pronuncia um fato histórico definido apenas pelo seu sentido literal, mas encontra significado na pessoa e missão de Jesus. Também nossa história de vida está carregada de acontecimentos que provam o amor de Deus por nós e de chances que há muito tempo Ele vem nos proporcionando de uma vida nova.
Atualizamos nossa fé quando a recordamos. Trazemos para o tempo presente o sentido e os efeitos do amor de Deus nas ocorrências ordinárias do cotidiano. Para Ele não existe o tempochronos.
A palavra grega “anamnese” foi usada pelo Mestre ao instituir o sacramento da Eucaristia, e quer dizer “fazer de novo”. “Tomou em seguida o pão e depois de ter dado graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim’”(Lc 22,19). Na nossa língua, equivale a: “Façam isso novamente por mim”.
O evangelista João nos ensina a esclarecer o sofrimento do Cristo e o nosso próprio à luz da escolha que fizemos por Ele. Por isso, a cada dia chegamos a uma nova iluminação ao que conhecemos da pessoa de Jesus e de Sua permanência em nossa vida através das alegrias e tristezas, de quando o fardo é leve ou de quando a cruz torna-se pesada demais. Entendemos, talvez no momento, talvez no futuro, o “para que” aquela provação.
O melhor de tudo é que não somente nos vêm a compreensão intelectual. Pela contemplação do mistério de amor de Jesus Cristo, enchemo-nos de força para atravessar qualquer desafio, e este torna-se objeto de ressurreição em nossa vida.
Ao fazer memória das Escrituras Sagradas, das obras e do Calvário de Jesus, elas fazem-se presentes/permanentes nos dias de hoje e em nossa vida. Jesus torna-se vivo e atuante no coração e na alma do crente.
À luz do Espírito Santo, a sabedoria nos chega, mas é preciso estar disposto a atualizar a Palavra e a cruz do Cristo, entranhando-as em nós, pois, dessa forma, podemos dizer verdadeiramente “Cristo ressuscitou em mim! Aleluia!”
Feliz Páscoa para você!
Deus o abençoe!
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