A Província Carmelitana de Santo Elias apresenta o especial “O Decálogo da Esperança”, artigo escrito por Frei Carlos Mesters, O.Carm., que traz uma reflexão sobre os cativeiros da Babilônia e da Covid-19. Dividido em três capítulos, o texto recorda como foi o cativeiro do povo de Deus na Babilônia e o que eles fizeram para encontrar a saída. Fazendo um paralelo com os dias de hoje, o autor nos convida a enfrentar com mais esperança este nosso cativeiro da pandemia do novo coronavírus. Leia o terceiro e último capítulo: “A Boa Nova do Reino de Deus”.
A Luz que chegou em Jesus
A Boa Nova do Reino de Deus
Como os profetas: Jesus não permite que as tradições religiosas desviem o povo da verdadeira experiência de Deus. Ele mantém as práticas antigas, mas lhes dá um novo sentido: a esmola (Mt 6,1-4), as formas de rezar (Mt 6,5-15), o jejum (Mt 6,16-18), as práticas da pureza legal (Mc 7,1-23), a observância do sábado (Mc 2,23-28), a comunhão de mesa com pagãos e pecadores (Mc 2,15-17), o Templo (Mc 11,15-17). Ele chegou a dizer que Deus pode ser adorado em qualquer lugar “contanto que seja em espírito e verdade” (Jo 4, 21-24).
Jesus ultrapassa a letra e revela o espírito da lei que é a prática do amor a Deus e ao próximo (Mt 7,12; Mc 12,29-31). Aos que identificavam a vontade de Deus com a letra da Lei, ele dizia: “Antigamente foi dito, mas eu digo” (Mt 5,21-22.27-28.31-34.38-39.43-44). Para Jesus o objetivo da Lei é o bem-viver do povo: “Eu vim para que todos tenham vida, e vida em abundância” (Jo 10,10)
Como os discípulos de Isaías: Jesus defende os direitos dos pobres e reconhece neles a sabedoria de Deus: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt 11,25-26). Bondade, ternura e simplicidade são as características do modo como Jesus acolhia as pessoas: o velho Zaqueu (Lc 19,1-10), as mães com crianças (Mt 19,13-14), o leproso que grita à beira da estrada (Mt 8,2; Mc 1,40-41), o paralítico de 38 anos (Jo 5,5-9), o cego de nascimento na praça do templo (Jo 9,1-13), a mulher curvada na sinagoga (Lc 13,10-13), a viúva de Naim (Lc 7,11-17), as crianças em todo canto (Mt 21,15-16), e tantas e tantas outras pessoas. É o contrário da atitude de muitos fariseus e escribas que chamavam o povo de ignorante e maldito e achavam que o povo não tinha nada para ensinar a eles (Jo 7,48-49; 9,34)
Como os sábios: Jesus tinha uma capacidade enorme para comparar as coisas de Deus com as coisas mais simples da vida do povo: semente (Mt 13,4-9), fermento (Mt 13,33), tesouro no campo (Mt 13,44), comerciante de pérolas (Mt 13,45), joio e trigo (Mt 13,24-30), rede de pesca (Mt 13,47), cem ovelhas (Mt 18,12), perdoar setenta veze sete (Mt 18,21-22), o rei e seus dois devedores (Mt 18,23-31), os vinhateiros (Mt 20,1-16), o pai e seus dois filhos (Mt 21,28-32), os vinhateiros homicidas (Mt 21,33-41), banquete nupcial (Mt 22,1-14), o mordomo (Mt 24,45-51), as dez virgens (Mt 25,1-13), talentos (Mt 25,14-30), etc., etc., etc.
As parábolas levam as pessoas a refletir sobre a sua própria experiência de vida e a descobrir nela os apelos de Deus. A parábola muda o olhar das pessoas: ela não só tira fotografia, mas também tira raio-X. Ou seja, faz a pessoa perceber o que o olho normal não consegue enxergar. A pessoa torna-se contemplativa. Apesar de Jesus ser um leigo que não tinha estudado na escola oficial, o povo ficava impressionado com o seu jeito de ensinar: “Um novo ensinamento! Dado com autoridade! Diferente dos escribas!” (Mc 1,22.27). Por isso Jesus foi perseguido pelas autoridades.
Todas estas atitudes de Jesus revelam a experiência de Deus que o animava. Jesus irradiava uma nova imagem de Deus como Pai, diferente da imagem de Deus na religião oficial. No AT a palavra Pai para Deus ocorre apenas 15 vezes. No NT, 245 vezes! A origem desta diferença é a novidade da experiência que Jesus tinha de Deus como Pai. O Pai Nosso é o salmo que Jesus nos ensinou a partir da sua experiência de Deus. Pai ou Papai (Abba) era o nome que Jesus usava para dirigir-se a Deus. Expressa sua intimidade com Deus, sua filiação divina, e a nova relação com Deus que caracterizava a vida das comunidades (Gl 4,6; Rm 8,15).
A partir de Jesus, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, que parecia distante e severo, adquiriu os traços de um Pai bondoso de grande ternura! Jesus é o novo caminho através do qual Deus chega até nós e nós chegamos até Deus. “Ninguém vem ao Pai senão por mim!” (Jo 6,44). Jesus é a revelação do Pai: “Quem vê a mim vê o Pai!” (Jo 14,9). “O Pai e eu somos um” (Jo 10,30).
A união de Jesus com o Pai não foi automática, mas fruto de uma longa fidelidade. Não foi fácil. Jesus teve momentos difíceis, em que pedia ajuda aos amigos: “Vigiem comigo! Rezem comigo!” (Mt 26,38,41; Mc 14,38; Lc 22,46). Teve momentos em que gritava: “Afasta de mim este cálice!” (Mc 14,36). Mas venceu por meio da oração. Como diz a carta aos Hebreus: “Durante a sua vida na terra, Cristo fez orações e súplicas a Deus, em alta voz e com lágrimas, ao Deus que o podia salvar da morte. E Deus o escutou, porque ele foi submisso” (Hb 5,7).
Numa época em que a religião oficial insistia no espaço sagrado do Templo e da Sinagoga e nas coisas ligadas ao culto, Jesus recupera a dimensão caseira da fé. O ambiente da Casa exerce um papel central na vida de Jesus. Quando se diz casa, não se trata só da casa de tijolos ou de pedra, nem só da família pequena, mas também do clã, da grande família, da comunidade. Até à idade de trinta anos, Jesus viveu neste ambiente comunitário e caseiro lá em Nazaré. A casa é tão sagrada ou até mais quanto o Templo e a Sinagoga. Nos evangelhos, Jesus nunca aparece oferecendo holocaustos no Templo. Imitando o exemplo recebido de seus pais, todo ano Jesus ia em romaria ao Templo na festa da Páscoa (Lc 2,41)
Durante os três anos que andou pela Galiléia Jesus entrava e vivia nas casas do povo: na casa de Pedro (Mt 8,14), de Mateus (Mt 9,10), de Jairo (Mt 9,23), de Simão o leproso (Mc 14,3), de Zaqueu (Lc 19,5). O oficial reconhece: “Não sou digno de que entres em minha casa” (Mt 8,8). E o povo procurava Jesus na casa dele (Mt 9,28; Mc 1,33; 2,1; 3,20). Quando ia a Jerusalém, Jesus parava na casa de Marta, Maria e Lázaro em Betânia (Jo 11,3.5.45). No envio dos 72 discípulos, Jesus diz que faz parte da missão entrar nas casas do povo e levar a paz (Mt 10,12-14; Mc 6,10; Lc 10,1-9).
Jesus, com sua mãe e com todos os discípulos participou da festa de casamento em Caná da Galileia (Jo 2,1-2). Jesus aceitava o convite para jantar nas casas do povo: de Simão o leproso (Mc 14,3), de Simão o fariseu (Lc 7,36), de Marta e Maria (Jo 12,2), de um outro fariseu (Lc 11,37; 14,12). Foi na sala superior da casa de um amigo em Jerusalém, que Jesus celebrou a última páscoa com seus amigos (Mt 26,18-19). Depois da ressurreição, Jesus entrou em casa com os dois discípulos em Emaús e foi reconhecido por eles no gesto tão caseiro da fração do pão (Lc 24,29-30).
Nos sábados Jesus tinha “o costume” (Lc 4,16) de participar das celebrações na sinagoga. Convidado pelo animador da celebração, fazia a leitura da Bíblia (Lc 4,16) e comentava a leitura com o povo (Lc 4,21-30). O povo gostava de ouvi-lo (Mc 1,22) e reconhecia a sabedoria de Jesus (Mt 13,54). Muitas vezes, as celebrações na sinagoga eram ocasião de discussão e até de briga com os doutores da lei e com os fariseus (Mt 12,9-14; Lc 13,10-12).
No antigo Israel, o clã, a família ampliada, a comunidade, era a base da convivência social. Era a garantia de vida para uma pessoa. Assegurava para ela terra, proteção, defesa, relacionamentos e tradições. Numa palavra, dava identidade às pessoas. A vida em comunidade era a maneira concreta para o povo daquela época encarnar o amor a Deus e ao próximo. Defender o clã, a comunidade, era o mesmo que defender a Aliança entre Deus e o povo.
Na época de Jesus, devida à política dos romanos e ao sistema da religião oficial, a vida comunitária estava sendo desintegrada. À vezes, mais da metade do orçamento familiar ia para os impostos, taxas, tributos e dízimos. Tais políticas excludentes geravam doentes, famintos, marginalizados, viúvas, órfãos, possessos e pobres. Esta situação levava as famílias a se fecharem sobre si mesmas, impossibilitadas de exercer o seu dever de ajuda desinteressada aos parentes do mesmo clã ou comunidade. A própria família de Jesus queria impedir que ele se preocupasse com os outros e queriam levá-lo à força de volta para Nazaré. Achavam que ele tivesse enlouquecido (Mc 3,20-21).
Jesus reage e não quer saber: “Quem é minha mãe e meus irmãos? É todo aquele que faz a vontade do Pai que está nos céus” (Mc 3,34-35) Jesus alarga a família, reconstrói o clã, a comunidade. Ele quer evitar que as famílias se fechem sobre si mesmas e se desintegrem. Ele quer elas se unam entre si em comunidade.
Jesus definiu a sua missão com as palavras do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19; Is 61,1-2). Jesus anuncia o Reino para todos! Não exclui ninguém. Mas o anuncia a partir dos pobres e excluídos. Ele oferece um lugar aos que não tinham lugar na convivência humana. Com amor e carinho acolhe os que não eram acolhidos. Recebe como irmão e irmã aos que eram desprezados e excluídos
* os marginalizados: mulheres, crianças e doentes (Mc 1,32; Mt 8,17;19,13-15; Lc 8,2s);
* os imorais: prostitutas e pecadores (Mt 21,31-32; Mc 2,15; Lc 7,37-50; Jo 8,2-11);
* os hereges: pagãos e samaritanos (Lc 7,2-10; 17,16; Mc 7,24-30; Jo 4,7-42);
* os impuros: leprosos e possessos (Mt 8,2-4; Lc 11,14-22; 17,12-14; Mc 1,25-26);
* os colaboradores: publicanos e soldados (Lc 18,9-14;19,1-10);
* os pobres: o povo da terra e os pobres sem poder (Mt 5,3; Lc 6,20.24; Mt 11,25-26).
Jesus acolhia e promovia as mulheres que eram marginalizadas:
* A moça prostituída é acolhida e defendida por Jesus contra o fariseu (Lc 7,36-50).
* A mulher encurvada é acolhida como filha de Abraão (Lc 13,10-17).
* A mulher adúltera, acusada pelos fariseus, não foi condenada por Jesus (Jo 8,1-11).
* A mulher impura é acolhida sem censura e curada (Mc 5,25-34).
* A mulher samaritana é acolhida e respeitada na sua crença (Jo 4,26).
* A mulher estrangeira de Tiro e Sidônia é atendida por ele (Mc 7, 24-30).
* As mães com filhos pequenos são acolhidas por Jesus (Mt 19,13-15; Mc 10,13-16).
As mulheres, que desafiaram o poder e ficaram perto da cruz de Jesus (Mt 27,55-56.61), foram as primeiras a experimentar a presença de Jesus ressuscitado (Mt 28,9-10). Maria Madalena, considerada possessa, mas curada por Jesus (Lc 8,2), recebeu a ordem de transmitir a Boa Nova da ressurreição aos apóstolos (Jo 20,16-18). Ela é chamada a apóstola dos apóstolos.
Contrariando um grande número de rabinos, que não aceitavam mulheres em seus grupos de estudo, muitas mulheres seguiam Jesus e faziam parte da comunidade de discípulos ao redor de Jesus (Lc 8,2-3; Mc 15,40-41). Aceitar as mulheres como discípulas em igualdade dentro do grupo não deve ter sido fácil nem para os discípulos. Eles tiveram dificuldade em aceitar o testemunho das mulheres sobre a ressurreição de Jesus: “delírio” das mulheres (Lc 24,11).
Em vez de encerrar-se numa sinagoga ou numa escola e exercer a missão de um escriba, Jesus torna-se um pregador ambulante. Onde encontra gente para escutá-lo, ele fala e transmite a Boa Nova de Deus. Em qualquer lugar: nas sinagogas durante a celebração da Palavra nos sábados (Mc 1, 21; 3,1; 6,2); em reuniões informais nas casas de amigos (Mc 2,1.15; 7,17; 9,28; 10,10); andando pelo caminho com os discípulos (Mc 2,23); ao longo do mar, à beira da praia, sentado num barco (Mc 4,1); no deserto para onde se refugiou e onde o povo o procurava (Mc 6,32-34); na montanha, de onde proclama as bem-aventuranças (Mt 5,1); nas praças das aldeias e cidades, onde povo carrega seus doentes (Mc 6, 55-56); na praça do Templo de Jerusalém, nas romarias, diariamente, sem medo (Mc 14,49)!
Jesus vai ao encontro das pessoas, estabelecendo com elas uma relação direta através da prática do acolhimento. Em vez de impor ao povo um conteúdo doutrinário, Jesus propõe um caminho de vida. A resposta é seguir Jesus neste caminho: “Venham e vejam!” (Jo 1,39). “Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso, aprendam de mim…” (Mt 11,28-30).
Jesus não se fecha dentro da sua própria raça e religião, mas sabe reconhecer as coisas boas que existem nas pessoas de outra raça e religião. Ele acolhe lições da parte deles: da Cananéia (Mt 15,27-28), da Samaritana (Jo 4,31-38) e até dos Romanos (Mt 8,5-13). Ele acolhe e conversa com Nicodemos, que era um membro da alta classe judaica, com assento no Sinédrio (Jo 3,1).
Com a mulher samaritana, Jesus consegue estabelecer um bom diálogo construtivo, superando uma das mais difíceis barreiras, que era a religião diferente da outra pessoa. Para a samaritana Jesus era um judeu (Jo 4,9), ou seja, um inimigo religioso, opressor dos samaritanos. Pacientemente, Jesus conseguiu desarmar nela as resistências. É como se respondesse: “Mulher, eu sou judeu, sim, mas não sou teu inimigo!”. Para estabelecer um diálogo com ela, Jesus começa a conversa revelando uma carência que só poderia ser saciada pela mulher: “Dá-me de beber!” Revelar uma carência é uma boa maneira para começar uma conversa. O longo diálogo entre os dois mostra o quanto Jesus estava aberto para a presença das mulheres. O texto de João mostra que os próprios discípulos ficaram surpresos com o diálogo de Jesus com a samaritana (cf. Jo 4,27).
Certa vez, quando Jesus percebeu que os discípulos brigavam entre si para saber quem deles era o mais importante, Jesus os chamou e disse: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate para muitos“ (Mc 10,45). Nesta frase estão os três títulos mais antigos de Jesus que juntos definem a sua missão. Filho do Homem, Servo de Deus e Redentor dos irmãos (resgatador). Os três vêm do Antigo Testamento. Cada título revela um determinado aspecto da missão que Jesus quer realizar.
* Filho do homem: humanizar.
Filho do Homem é o título que Jesus mais gostava de usar. Este nome aparece 84 vezes no Novo Testamento, das quais 83 vezes nos quatro evangelhos e uma vez nos Atos dos Apóstolos (At 7,59). A expressão Filho do Homem vem de uma visão do profeta Daniel (cf. Dn 7,1-28). Nesta visão, os grandes impérios são apresentados sob a figura de animais (Dn 7,4-8), pois são impérios animalescos, desumanizam a vida, “animalizam” as pessoas. O Reino de Deus, ao contrário, é apresentado sob a figura de um ser humano, de um Filho do Homem (Dn 7,13). O Filho do Homem, o povo de Deus, não se deixa desumanizar nem enganar pela ideologia dominante dos reinos animalescos. A sua missão consiste em realizar o Reino de Deus como um reino humano, reino que não persegue a vida, mas sim a promove! Humaniza as pessoas.
Apresentando-se aos discípulos como Filho do Homem, Jesus assume como sua esta missão humanizadora. É como se dissesse: “Venham comigo! Esta missão é de todos nós! Vamos juntos realizar a missão que Deus nos entregou, e realizar o Reino humano e humanizador que ele sonhou para todos!” O Papa São Leão Magno dizia: “Jesus foi humano, tão humano, como só Deus pode ser humano!” Quanto mais humano, tanto mais divino! Quanto mais “filho do Homem”, tanto mais “filho de Deus!” Tudo que desumaniza, afasta de Deus. É humanizando que se constrói o Reino de Deus.
* Servo de Deus: servir
Este título vem da profecia de Isaías, na qual o Messias é apresentado como Servo de Deus (Is 42,1-9). No tempo de Jesus, o povo esperava a vinda do Messias sob várias formas: como Rei que manda (Mc 15,9.32), como Santo ou Sumo Sacerdote que celebra e reza (Mc 1,24), como Doutor que ensina (Jo 4,25), como Juiz severo que condena (Lc 3,5-9), como Profeta que anuncia a palavra de Deus (Mc 6,4; 14,65). Apesar das diferenças, todos eles esperavam um messias glorioso no meio dos povos. Só os pobres esperavam um Messias Servidor, anunciado pelo profeta Isaías (Is 42,1; 49,3; 52,13). Eles encaravam a missão do povo de Deus, não como um domínio, mas como um serviço à humanidade.
Maria, a pobre de Yahweh, dizia ao anjo: “Eis aqui a serva do Senhor!” (Lc 1,38). Foi dela e dos pobres que Jesus aprendeu o caminho do serviço. O profeta Isaías descreve o Servo como aquele que “não grita, nem levanta a voz, não solta berros pelas ruas, não quebra a planta machucada, nem apaga o pavio de vela que ainda solta fumaça” (Is 42,2). Perseguido, não persegue; oprimido, não oprime. No Servo o vírus da violência opressora dos impérios não consegue penetrar. Isaías diz do Servo “Com fidelidade ele promove o direito, sem desanimar nem desfalecer, até estabelecer o direito sobre a terra” (Is 42,4). Jesus percorreu o caminho do serviço até o fim, até as últimas consequências. Ele definiu sua missão: “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mc 10,45). Ele não veio para implantar uma nova religião, mas para trazer a dimensão de serviço para todas as religiões. É humanizando e servindo que se constrói o Reino de Deus.
* Redentor dos irmãos: libertar
Jesus inicia a sua pregação proclamando um novo jubileu, um “Ano de Graça da parte do Senhor” (Lc 4,19). O objetivo do Ano do Jubileu era restabelecer os direitos dos pobres, acolher os excluídos, reintegrá-los na convivência e, assim, realizar o objetivo da Lei de Deus. Um dos meios para levar a bom termo o Ano do Jubileu era a lei do “Resgate” (Goêl, Libertador, Redentor) (Lv 25,23-55). No AT, caso alguém, por motivo de pobreza ou de dívidas, perdesse a sua terra ou fosse vendido como escravo, o irmão mais velho ou o parente mais próximo (o goêl) devia dar tudo de si para resgatá-lo, libertá-lo (cf. Lev 25,25-38; Dt 15,1-18).
Para os primeiros cristãos, Jesus era o Goêl, o irmão mais velho, o parente próximo, o resgatador, o libertador, que deu tudo de si, esvaziou-se a si mesmo para resgatar e libertar seus irmãos e suas irmãs, todos nós, vítimas da escravidão da lei, do racismo, da ideologia do império e da religião opressora. Paulo já escrevia aos Gálatas: “Ele [Jesus] me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). Jesus é o Goêl, o redentor dos irmãos, que veio pagar o resgate, para que nós pudéssemos ser libertados da escravidão e recuperar a vida em comunidade. Não tendo dinheiro para pagar o resgate, ele se entregou a si mesmo, seu corpo e seu sangue, para que todos pudessem viver em fraternidade (1Cor 11,23-26; Mc 14,22-24; Lc 22,20).
Jesus, o Redentor dos irmãos! Este talvez seja o título mais antigo para expressar o que Jesus significa para nós. O termo hebraico goêl é tão rico que não tem tradução unívoca na nossa língua: redentor, salvador, libertador, defensor, advogado, consolador, paráclito, parente próximo, irmão mais velho. São Paulo o definiu tão bem na carta aos Gálatas: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).
Jesus, Filho do Homem, Servo de Deus, Libertador dos irmãos. Humanizando, servindo e libertando, Jesus viveu, irradiou e anunciou a Boa Nova do Reino de Deus. Sua mensagem desagradou aos poderosos e eles o condenaram à morte na cruz. Mas Deus o ressuscitou, confirmando-o diante dos discípulos por meio de muitas aparições (1Cor 15,3-8). Animados pelo Espírito de Jesus no dia de Pentecostes (At 2,1-4; Jo 20,21-23), os discípulos deram continuidade ao anúncio da Boa Nova do Reino. A força que os sustentava no anúncio da Boa Nova está expressa neste testemunho do apóstolo Paulo: “Vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Jesus era tudo para eles!
Frei Carlos Mesters, O.Carm.
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