A reconstrução política é meta basilar neste momento crítico vivido pela sociedade brasileira. Trata-se de prioridade, que deve anteceder qualquer questão meramente partidária. É incontestável a necessidade de se promover uma qualificação específica no âmbito dos partidos, que precisam superar os interesses cartoriais e o fisiologismo. Quando se prioriza interesses mesquinhos de grupos, são comprometidas instâncias democráticas e cidadãs, produzindo crises. É lamentável quando o âmbito partidário torna-se um “quartel” na defesa de interesses de poucos, na contramão da cidadania, para alimentar esquemas de corrupção e a depredação do erário.
Os desvirtuamentos da política em razão das mediocridades partidárias são evidentes, urgindo reconfigurações mais radicais. O problema é que há resistências de todo o tipo. Basta analisar sobre o tanto que se discutiu a respeito da reforma política. A casa maior do Legislativo não conseguiu assimilar contribuições sérias e com força para conduzir a política partidária no rumo de uma qualificação melhor. É terrível a postura de certos políticos que deveriam exercer a nobre missão de representar o povo e de se colocar a seu serviço com lucidez legislativa capaz de reorientar caminhos. Hoje, por exemplo, no “olho do furacão” da crise econômica, agravada pela crise política, alguns representantes da população, em causa própria, votam aumento de seus próprios salários. Exemplar, cidadã e destemida foi a atitude de uma comunidade que impediu a vereança do seu município de aumentar os próprios vencimentos.
Há, na verdade, uma “ladainha” de vícios no âmbito da política partidária que precisa de correções, retardadas pela falta de estatura dos que se oferecem à tarefa-missão de representar o povo, suas comunidades e seus interesses. Condenáveis são as disputas partidárias, o tirar proveito de situações, a atitude de se apresentar como tendo “a carta na manga” para solucionar problemas complexos. Percebe-se que é preciso uma reconstrução política que atinja as raízes da cidadania. Para isso, é necessário, agora, aprender as lições que toda crise ensina, numa cultura cidadã nova e diferente. Ao lado do empenho nos urgentes entendimentos políticos, para a formação de consenso em torno de agendas que viabilizem a superação da crise econômica, é hora de um pacto de reeducação cidadã.
Não basta apenas corrigir as instâncias governamentais e as instituições políticas. É preciso convocar cada cidadão, da criança ao mais velho, a acolher e a refletir sobre o peso próprio da crise. Não se pode correr o risco de deixar essa discussão simplesmente nas mesas dos representantes do povo, dos governos. As pancadas nas panelas – como legítima manifestação de protesto cidadão – precisam ser martelos na consciência de todos. Assim, será possível alcançar uma sensibilidade que sustente atitudes na contramão do consumismo, do desperdício, da indiferença para com os pobres e do desrespeito ao bem comum. Também poderá ser superada a produção que busca somente o lucro, dando lugar a razões nobres e próprias de uma cidadania que consegue ir além de interesses particulares.
É importante e indispensável que as lições das crises “martelem” as consciências na mesa das casas de cada família, nas salas das escolas, nos templos religiosos, no auge dos shows artísticos, nas festas e eventos de todo tipo, nas manifestações públicas e em cada coração. Trata-se de caminho para obter o entendimento e a lucidez que são necessários diante das muitas adversidades. Existem saídas para as crises. Porém, elas não são encontradas porque, de modo geral, não se quer abrir mão de privilégios, reconfigurar gastos, orçamentos e projetos.
Pode-se chegar ao absurdo de não se mover, esperando que alguém ou alguma instância “faça milagre”, na ilusão de depois continuar a usufruir de benesses até então garantidas. Isto é prática que revela mesquinhez. Das crises, podem nascer consequências positivas. Basta lembrar que certos países, em período pós-guerra, reconfiguraram o tecido de sua cultura para se reerguerem e avançarem no que é interesse de todos. Que o momento atual da sociedade brasileira torne-se oportunidade para as mudanças necessárias, particularmente em uma reconstrução política que ampare o exercício da cidadania.
Por Dom Walmor Oliveira de Azevedo – Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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