Houve tempos em que se considerava que os místicos, como Santa Teresa, percorriam um caminho diferente ao dos cristãos comuns. Como consequência, os escritos dos místicos pareciam representar uma espiritualidade da elite, espiritualidade que não se podia aplicar a todos.
Hoje entendemos que estes santos somos nós mesmos. Eles nos mostram o potencial de nossa humanidade. Estão no topo da coluna e nos transmitem o impacto do amor de deus em suas vidas. O que escrevem não é algo especial para uns poucos, mas para servir de guia e encorajamento a todos. O caminho que descrevem é mais normativo que excepcional.
Uma das contribuições de Santa Teresa de Jesus é de ter indicado certos sinais na vida de uma pessoa que denotam o crescimento na santidade. Independentemente de que uma pessoa tenha ou não experiências religiosas extraordinárias – como as vozes e visões de Teresa –, estes sinais indicam que o caminho espiritual está alicerçado sobre uma base firme. São indícios da transformação, da crescente abertura da pessoa à ação do Espírito. Podemos citar entre estes sinais de santidade: 1- profunda humanidade, 2- ampla liberdade, 3- grande generosidade. Veremos abaixo essas três dimensões.
Profunda humanidade
Fazer a passagem do desempenhar um papel para o encontro de si mesmo, de sua verdade interior
Somos um mistério para nós mesmos, e só deus conhece quem somos realmente. Teresa defendeu que nossa verdadeira identidade é descoberta na relação com o senhor. Ela disse: “não posso conhecer-te, senhor, se não me conheço a mim mesma, porém não posso conhecer-me a mim mesma se não conheço a ti”. Em outras palavras, quanto com maior clareza podemos dizer quem é Deus, com maior clareza podemos proclamar em nossas vidas nossa própria identidade e expressarmos nossa humanidade. Uma pessoa de oração, aberta ao chamado de Deus, deveria encontrar-se mais à vontade em sua humanidade. Quanto mais pudesse dizer “Deus” em sua vida, mas poderia dizer “Teresa” (o nome de cada um).
Às vezes, na história da espiritualidade, o mandado bíblico de renunciar a si mesmo foi interpretado no sentido de desprezar a si mesmo, para reconhecer com relutância a própria humanidade e tê-la em muito pouca consideração. Mais que uma promessa isso foi um problema. Esta interpretação deu lugar, com frequência, a uma humanidade abatida (acompanhada de um rosto pesaroso). O Papa Francisco denunciou a cara de funeral. Os sintomas são observados em pessoas que se encontram sempre “carrancudas e hostis”, dando testemunho de uma “severidade teatral”; têm um “estéril pessimismo”. Ele nos disse que estes são sinais de medo e insegurança.
Apesar disso, o mandado evangélico de negar-se a si mesmo estava, na realidade, desafiando a nossa inclinação ao egoísmo, a vivermos demasiado voltados a nós mesmos, e sem perceber as necessidades de nossos irmãos. Um ego sadio pode facilmente chegar a ser doentio, egocêntrico. Este “eu” que inclina todas as coisas às suas próprias necessidades e desejos não é um eu maduro.
Teresa insistiu na humanidade de Jesus Cristo. Sua humanidade ajudará às irmãs a valorizar e a pôr os pés na terra, em sua própria humanidade. Deixar de um lado o Jesus humano é um erro. A oração nunca nos eleva tanto, disse ela, que não necessitemos dos evangelhos e da liturgia da Igreja. Somos humanos e vamos para Deus de uma maneira humana. Sua viva e atrativa personalidade era expressão de uma humanidade que foi se aprofundando na medida em que amadurecia sua união com o senhor.
Ampla liberdade
Fazer a passagem do serviço obsessivo aos ídolos à resposta livre a Deus
Na vida de uma pessoa se dá uma sutil mudança quando vai crescendo sua confiança na presença e no amor de Deus. As ações compulsivas e preocupações obsessivas vão diminuindo. Em lugar de depender de fontes externas de autoafirmação, tais como títulos e posses, a pessoa que vai amadurecendo na espiritualidade aprende e vive a partir de dentro, desde o santo mistério que ocupa o centro da vida. Quando Santo Agostinho disse ao senhor: “tu estavas dentro de mim, e eu estava fora… tu estavas comigo e eu não estava contigo”, nos mostrou o desafio que se nos apresenta quando queremos crescer na santidade. É necessário levar uma vida interior consciente e orante. Ao ir Deus ocupando o centro da própria vida, os ídolos da periferia vão perdendo poder.
Santa Teresa identifica tempos nos quais experimentou um crescimento da liberdade de espírito. Quando começou sua reforma do carmelo, no início Teresa se sentiu profundamente ferida pelas críticas. Também se sentia afetada pelos louvores. Depois chegou a considerar tudo isto com certa indiferença. Suas reações mudaram: se era criticada, considerava como sendo o que ela merecia, e se era louvada, considerava que nisto era louvado o senhor, e também o aceitava. Desse modo, alcançou a liberdade de não responder emocionalmente e de não ser molestada pelos comentários dos demais.
Teresa também nos conta que, uma vez, na sua profunda união com Cristo, o pensamento da morte parecia ser um nobre desejo. A morte seria o aperfeiçoamento de sua peregrinação e o cume de sua união com o senhor. Porém, foi refletindo sobre isso, chegando finalmente a descobrir um problema neste aparente nobre desejo de morrer e estar com o senhor. Teresa deu-se conta de que queria morrer, quando a pergunta verdadeira tinha quer ser esta outra: “o senhor quer isto?” Ela ensinava com frequência que a finalidade da oração é “a conformidade com a vontade de Deus”. Ao questionar-se, “Deus quer isto?”, a atitude ou intenção de Teresa mudou. Desejava permanecer neste mundo, servindo, tanto tempo quanto quisesse Deus, e também estava pronta para ir para casa e estar com o senhor quando ele o dispusesse. Era livre para estar disponível ao que Deus quisesse.
Grande generosidade
Fazer a passagem do egoísmo ao amor desinteressado
Com frequência Teresa fala de um objetivo da caminhada espiritual: uma crescente sensibilidade às necessidades dos demais. O caminho não pode desembocar numa espiritualidade encerrada em si mesmo, numa comunidade ensimesmada. A caminhada deve levar a uma expressão externa de serviço. A pessoa espiritual é consciente de que tem a responsabilidade de usar os dons recebidos de Deus para o bem do povo de Deus. Não vamos sós a Deus; não é uma peregrinação individual. Teresa, sem sombra de dúvida, afirma o mandado evangélico de amar a Deus e ao próximo. Este serviço a nossos irmãos é a prova de fogo do cristianismo.
Nas etapas da viagem, como Teresa descreve em sua obra clássica sobre a oração, o Castelo Interior, se dá uma maior intimidade com Deus. Ela descreve várias etapas ou moradas nessa relação. O leitor espera que a última etapa, a sétima morada, seja uma situação de intensa interioridade e quase de inacessível experiência espiritual. Apesar disso, é uma revelação e um alívio ler sua declaração de que a finalidade desta união profunda com Deus são as boas obras, as boas obras!
Teresa exortou suas irmãs a manter uma espiritualidade com os pés na terra, que busca o benefício dos demais. Quando as irmãs se queixaram de que o ambiente em que viviam sua vida de clausura dava pouca saída para o serviço amplo à Igreja, Teresa as desafiou. Disse-lhes que não é bom sonhar grandes projetos quando se lhes apresentava diante de si a oportunidade de umas servirem às outras. Recordou-lhes que Deus não julga a grandeza do que fazemos senão o amor com que fazemos o que é possível. Teresa lhes disse, e nos diz hoje: não construam castelos no ar! Deixemos que nosso cristianismo encontre expressões práticas e eficazes do que disse Teresa.
Frei John Welch, O.Carm.
Fonte: Citoc Magazine, nº 2.2015
Tradução: Província Carmelitana Pernambucana
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