O assunto ainda hoje é tabu. Gera desconforto e muitas vezes é evitado. Há casos subnotificados e tampouco abordados nos noticiários. O silêncio também costuma rondar os familiares e pessoas do círculo de contatos da vítima. O fato é que os casos de suicídio no Brasil não param de crescer, especialmente entre os jovens. Segundo dados da Secretaria de Vigilância em Saúde divulgados pelo Ministério da Saúde em setembro do ano passado, entre 2016 e 2021 houve um aumento de 49,3% nas taxas de mortalidade de adolescentes de 15 a 19 anos, chegando a 6,6 por 100 mil, e de 45% entre adolescentes de 10 a 14 anos, chegando a 1,33 por 100 mil. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte depois de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal. É um fenômeno complexo, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, sexos, culturas, classes sociais e idades.
Setembro Amarelo é a maior campanha antiestigma do mundo e o dia 10 setembro é o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. Neste ano, o lema define muito bem a principal indicação para aqueles que sofrem ou passam por momentos de dificuldade: “Se precisar, peça ajuda!”.
Às vezes, nem mesmo um bom diálogo dentro de casa e pais presentes são capazes de evitar que os pensamentos suicidas tomem conta da mente de alguém e geralmente aparecem de forma latente entre os jovens. Foi o caso da jovem Vitória (nome fictício), de 15 anos, que vive no Rio de Janeiro (RJ). Há quase dois anos, ela trava uma luta contra a depressão e uma tentativa de suicídio. Os problemas começaram ainda na pandemia, quando uma de suas avós faleceu de covid-19 e a outra recebeu o diagnóstico de câncer no intestino. O isolamento social e a troca de turno na escola desencadearam uma depressão profunda, perda de peso e da vontade de viver. Uma das melhores alunas da escola não conseguia mais reunir forças para sequer levantar da cama. Crises de choro, pânico e pensamentos suicidas começaram a ficar frequentes e a alegria da jovem que adorava estudar e passear com as amigas foi ficando no passado. Os pais logo perceberam a mudança de comportamento da filha e mesmo contra a vontade da jovem buscaram ajuda médica. Ainda que não entendessem o motivo e fossem leigos no assunto, os pais resolveram agir rápido. A fé e a religiosidade da família também seguem sendo aliadas nesse processo, que é longo e precisa de vigilância todo o tempo. Vitória tem o acompanhamento de um psiquiatra e conta com o apoio da família para seguir a sua caminhada. Já evoluiu muito e as crises estão rareando, o que é motivo de comemoração para todos, mesmo que a batalha não esteja ganha.
A preocupação é de toda a sociedade. Para a Comissão Episcopal para a Juventude, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a pauta também é prioridade, como afirma Dom Vilsom Basso, scj, que é bispo de Imperatriz, no Maranhão, e presidente da comissão. “A saúde mental e física é uma preocupação para a Comissão Episcopal para a Juventude dar atenção a esse elemento tão importante na vida dos jovens, especialmente a questão da saúde mental, que com a pandemia se acentuou muito”, frisa. Dom Vilsom também reforça que a Comissão Episcopal para a Juventude, em seu plano quadrienal para todo o país, tem o projeto para dar atenção à saúde mental para a juventude chamado “Ao seu lado”: “Ele tem como inspiração a passagem bíblica dos Discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35). O plano traz reflexões e propõe linhas de ações a partir dos eixos formação, vocação e missão, estruturas de acompanhamento e assessoria e cidadania, casa comum e dignidade humana”.
Neste mês de setembro, entre os dias 7 e 9, acontece o Encontro Nacional com os Responsáveis pela Juventude em Aparecida (SP), em que uma das temáticas será a saúde mental, a prevenção, o cuidado com o suicídio e com a saúde dos jovens. “Até o fim do ano teremos no site Jovens Conectados cursos on-line com temas relacionados à saúde mental da juventude”, antecipa Dom Vilsom. Outra iniciativa são as “Tendas de Escuta”, que também acontecem em todo o país. O projeto, realizado especialmente em escolas, tem o foco no auxílio ao público jovem para cuidar, esclarecer, escutar e dar informações na questão dos cuidados com a saúde mental.
Dom Vilsom Basso traz dados importantes de uma pesquisa realizada em São Paulo (SP) e no Rio de Janeiro, que indica que 30% são considerados “jovens desigrejados”. O que isso significa? Para esses jovens, a Igreja não faz falta, não faz sentido, não há necessidade dela em suas vidas. “Temos esse grande desafio para a comissão que é repensar a nossa linguagem, nossas ações e planejamento para que a Boa-Nova e o Nosso Senhor Jesus Cristo possam ser semeados e cheguem ao coração da juventude de nosso país”, planeja o religioso.
A busca por ajuda também pode ser encontrada fora de casa. Referência no atendimento a pessoas de todo o país desde 1962, o Centro de Valorização da Vida (CVV) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo de forma voluntária todas as pessoas que querem conversar por telefone no número 188, com ligação gratuita (por telefone fixo ou celular) e de qualquer cidade do país. Pelo site cvv.org.br é possível entrar em contato por e-mail ou chat. Não é necessário se identificar.
Os voluntários trabalham mantendo o sigilo de suas identidades, como é o caso de Antonio, do Centro de Valorização da Vida de Pinheiros, em São Paulo, que atua há 24 anos. Os anos de experiência dão a chancela para confirmar que a forma de contato mais utilizada pela maioria dos jovens é via chat ou e-mail. “Para a juventude é mais fácil escrever do que falar na hora de se expressar e dividir suas angústias”, relata.
A faixa etária de 15 a 34 anos é a que mais cresce com o número de suicídios no país. Para Antonio, a transição para a fase adolescente muitas vezes acontece de forma tão rápida e intensa que o jovem não tem tempo de evoluir emocionalmente e é quando os maiores problemas surgem. “É uma fase de autoafirmação, de autoaceitação, de construção da identidade e de incertezas, além da falta de perspectiva em relação à vida profissional, acadêmica. Vários fatores contribuem para a depressão”, cita ele.
A dificuldade de diálogo no ambiente familiar afeta o projeto de amadurecimento. “Há a pressão da sociedade, dos pais com relação aos estudos, ao trabalho e à carreira. A depressão é a doença do século XXI e os transtornos emocionais, psíquicos, mentais às vezes surgem de forma que num primeiro momento é difícil detectar”, explica Antonio.
A média de atendimentos do Centro de Valorização da Vida é de 10 mil contatos por dia por meio de todos os canais. O telefone 188 é o meio mais usado pelos usuários e são mais de cem unidades, que também operam com o atendimento presencial. “O voluntário com a sua escuta facilita o que é importante para aquela pessoa naquele momento, que provavelmente não tem com quem se abrir ou compartilhar seus dilemas”, conta Antonio, que ressalta a importância das conexões: “É uma forma de tentar evitar o isolamento em relação a outras pessoas e a si próprio. Conexões com a família, com a religião, com amigos podem fazer muita diferença. A conexão é uma espécie de antídoto para a depressão”.
Os voluntários passam por um processo de capacitação gratuito. Há cursos presenciais e on-line e o pré-requisito é a obrigatoriedade de ser maior de idade, além da capacidade de doação e a disponibilidade de tempo para os atendimentos, que têm como essência a escuta e o acolhimento.
Algo que Silvia, de 56 anos, conhece muito bem. O voluntariado faz parte de sua vida desde os 18 anos. Formada em Engenharia e Assistência Social, também é terapeuta de casal e família. Há onze anos ela está no Centro de Valorização da Vida. “Há nesse processo de escuta um grande autoconhecimento, que também é muito transformador para quem é voluntário”, acredita. Ao longo dos anos, Silvia percebe que há a sensação de “não pertencimento” muito presente nos relatos dos jovens: “A adolescência é um momento de transformação em que o jovem se sente deslocado, não pertencente a lugar algum e isso desencadeia pensamentos de não aceitação. Se não são escutados nem compreendidos pelos familiares e por aqueles que estão à sua volta, sentem-se cada vez mais perdidos”.
Para Silvia, o segredo é praticar uma escuta sem julgamentos: “O acolhimento é essencial, mesmo que seja muito diferente da nossa realidade”. O trabalho voluntário, ela garante, mudou sua vida: “Sinto-me muito mais conectada àqueles que estão à minha volta. A ferramenta da escuta me acompanha tanto na vida pessoal quanto na profissional. Há uma sensibilidade, uma percepção aguçada, que está sempre presente”.
A escuta solidária também faz parte da vida de Rozane Margarete de Oliveira Santos, coordenadora diocesana da Diocese de Luz, em Minas Gerais. Lá, o projeto “Serviço da Escuta” funciona desde 2019. Rozane está à frente da equipe, que atua principalmente em espaços geográficos onde há maior índice de dificuldades econômicas. “A função do ‘Serviço da Escuta’ é acolher o outro em suas fraquezas, em suas periferias humanas. Espera-se que ele seja eficiente na acolhida da dor do outro e que possamos ajudá-lo a ressignificar seus anseios e fraquezas”, explica. O serviço é aberto a todos e pode ser feito de forma sigilosa se for da preferência de quem o procura. “Se é aberto à família fazemos o acompanhamento e as orientações junto ao núcleo familiar. O norte do trabalho é sempre ressignificar os aspectos subjetivos”, frisa ela.
Para Rozane, uma das maiores aflições entre os jovens nos dias de hoje é o autoextermínio. Fatores como a falta de diálogo dos pais, de entendimento, além da angústia de se aceitar como são: “Os pais também passam por diversas angústias, que também carecem de atenção. O vazio existencial precisa ser repensado enquanto saúde mental. A dor da alma necessita de um olhar atento e misericordioso”.
Acolher a dor do outro sem julgamento é essencial: “O que mais dói é a dor da solidão, que traz o desalento, um desgostar de si mesmo e da vida. A falta do amparo afetivo leva à depressão, às dificuldades inter-relacionais, ao abandono de si mesmo. Prezamos pela discrição, respeito à dor do outro e comprometimento afetivo”.
Revitalizar a esperança por meio da Palavra do Senhor é uma das possibilidades para dias melhores. “Por intermédio dos evangelhos, destacar a importância e as delícias do perdão a si mesmo e, assim, perdoar ao outro. No contato com o outro, na convivência com nossas periferias humanas, pode-se regatar a nossa utilidade, o nosso potencial. Quando acredito em mim me reconheço enquanto pessoa, eu me reconheço como filho de um Pai que ama num amor sem medidas”, finaliza Rozane.
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