Durante cinquenta dias a comunidade de fé canta e celebra a vitória de Cristo sobre a morte. Paulo de Tarso, escrevendo sobre esse evento à comunidade de Corinto, recorda aspectos fundamentais de sua pregação, quando lá esteve; ou seja, que “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressurgiu ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas e, em seguida, aos doze” (1Cor 15, 3-5); e conclui exclamando: “Ó morte, onde está tua vitória?” (1Cor 15, 55).
A Igreja, ao longo dos séculos, em meio a luzes e sombras, continua celebrando esse evento. Sua fé está fundamentada, sobretudo, no testemunho daqueles homens e mulheres – discípulos da primeira hora – que puderam ver e tocar o Senhor da vida e da morte.
Nós, homens e mulheres do século XXI, participantes de tantas realizações e conquistas da ciência e da técnica, temos a convicção de que podemos muito, mas não podemos tudo. Podemos extrapolar as fronteiras da terra, podemos manipular a vida, destruir a natureza-ambiente, construir satélites capazes de estar ao lado das estrelas, levando e colhendo informações ao redor de todo o planeta… Uma coisa, porém, não podemos: vencer a morte! Podemos favorecer e prolongar a vida, mas não dominá-la.
Esquecemo-nos, por vezes, de nossa condição radical: somos pó, somos barro! Com uma distinção: este pó, este barro vive. Há um ‘sopro’ no seu íntimo que o faz viver. Esse ‘sopro’ é expressão da inciativa de amor de Alguém que nos desejou e nos quis!
Após os fatos trágicos de Jerusalém, os discípulos de Jesus, num primeiro instante, sentiram-se abandonados, abatidos, impotentes. O poder do cálculo pensa poder controlar e manipular tudo. O poder do amor se expressa de modo inusitado: é capaz de perceber na ausência uma presença mais forte que a morte! Vê que aquilo que o cálculo, devido ao seu modo característico de proceder, não pode compreender, Deus escolheu para expressar seu amor infinito para com tudo e todos.
No seio da comunidade reunida, o Senhor se manifesta e sopra sobre eles (Jo, 20, 22). Sem o sopro do Ressuscitado a comunidade é pó, barro sem vida incapaz de testemunhar esperança e vida. Sem o sopro do Ressuscitado, a comunidade pode expressar convicções, segurança, firmeza; mas não é capaz de abrir-se à realidade sempre nova da Vida que se oferece generosa e gratuitamente. Sem o sopro do Ressuscitado, corre-se o risco de se ficar preso a costumes e tradicionalismos que não permitem o irromper do sempre novo proporcionado pela experiência do Encontro com o Ressuscitado. Sem o sopro do Ressuscitado, pode-se cair na satisfação de uma religião estática; de uma religião que controla e manipula todo comportamento.
O sopro do Ressuscitado faz novas todas as coisas. Faz os surdos ouvirem, os cegos verem, os mudos falarem!
Não estaria a nossa sociedade se ressentindo de um vazio que ninguém pode preencher? De uma escuridão, onde nada mais parece brilhar? De um medo que faz com que sempre mais fechemos nossas portas? De um sopro capaz de propiciar alento a nossas angústias e incertezas, desejos e sonhos?
Por Dom Jaime Spengler – Arcebispo de Porto Alegre
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